postado em 13/01/2011 08:10
Em 26 pontos do Distrito Federal, famílias enfrentam o medo de não saber se a casa onde vivem ficará mais um dia de pé. Elas moram em áreas sujeitas a inundações, desabamentos e alagamentos, segundo levantamento recente da Secretaria de Defesa Civil. O órgão, entretanto, não consegue estimar a quantidade de pessoas submetidas a essas condições precárias. Assim como a Defesa Civil, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), que faz o cadastramento dos moradores, não possui um critério-padrão de mapeamento. Todas as regiões analisadas têm pelo menos um fator em comum: a ocupação urbana sem planejamento. Para agravar o quadro, o volume de chuva que cai no DF aumenta a probabilidade de desastres, como os que ocorreram nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Só na primeira semana de janeiro de 2011, choveram 94,4 milímetros na capital do país, o triplo no mesmo período do ano passado.Do total de áreas problemáticas, 12 são classificadas como de risco muito alto, como o Alto Bela Vista, na Fercal, e a Vila Rabelo II, em Sobradinho II. Na vila (leia matéria na página 35), o governo havia prometido retirar até dezembro passado 49 famílias. A mudança não ocorreu, entretanto.
Ontem, representantes das secretarias de Defesa Civil e de Ordem Pública e Social (Seops), além da Sedest, realizaram um sobrevoo por algumas das áreas mais comprometidas. A ideia inicial era percorrer seis localidades, mas, devido ao mau tempo, apenas três foram visitadas. Até o momento, de acordo com o secretário da Defesa Civil, Paulo Roberto Matos, a situação mais preocupante é a da Vila Rabelo II. ;É uma situação impressionante. O quintal da casa é a ribanceira. Se uma criança for brincar, pode cair em um buraco. Aquilo ali não é de hoje, está lá há anos. Agora, cada vez que o Estado se mobiliza para resolver a situação, aparece mais gente querendo se beneficiar para ganhar lotes;, analisou Matos. Segundo ele, no próximo dia 24, integrantes de todos os órgãos envolvidos na questão das áreas de risco se reunirão com o governador para traçar que providências serão tomadas.
O Correio visitou alguns pontos identificados no levantamento da Defesa Civil, consolidado em dezembro. O barraco onde Gilvacir Caetano Batista, 39 anos, vive com o marido e os seis filhos, na Quadra 4 da Vila Rabelo II, fica no alto de um barranco. A dona de casa afirma nunca ter recebido uma notificação de que precisa sair da residência de três cômodos. ;Mesmo assim, vivo com medo por morar no topo dessa ribanceira. Pedimos a um rapaz para fazer um muro de arrimo para impedir que a casa caia. O problema é que a chuva vai e volta;, lamenta. ;Fizemos uma escada improvisada para poder subir para a casa, mas imagine se ela for levada pela chuva também. Parte do barranco já foi;, completa. Gilvacir confessa que seu sonho é conseguir um novo local para instalar a família.
A casa do aposentado Adenilson Cândido dos Santos, 45 anos, também apresenta problemas por ficar a menos de 20m de um córrego. Com receio de que, durante a cheia, a água invadisse o quintal, ele construiu um muro. ;Fiz isso para me proteger. Aterrei o terreno e coloquei essa contenção, com 70cm de profundidade;, detalha o morador da Comunidade Bananal, na Fercal. A região também é considerada de risco muito alto e Adenilson sabe disso, pois já recebeu a visita de servidores da defesa Civil.
Permanência
A notificação dos moradores sobre os riscos que correm ao permanecer em terrenos comprometidos faz parte dos procedimentos adotados pela Defesa Civil. ;Muitas vezes, o trabalho de contenção não é entendido pela população, que, mesmo correndo perigo, não quer deixar o local. Muitos acham que vão perder o que construíram, apesar de saber que aquela situação é irregular;, explica o gerente de Minimização de Desastres do órgão, major Alan Alexandre Araújo.
É o caso da auxiliar de cozinha Maria do Socorro da Silva, 43 anos, que mora às margens da DF-205, também na Fercal. Há 15 anos, chuva para ela é sinônimo de preocupação. Aos fundos da casa de Maria passa um rio. São apenas 15 passos até a beira do curso d;água. A paisagem é bonita, mas o perigo é iminente. ;Já fui alertada, acontece que não tenho outro lugar para ficar. O jeito é continuar esperando a boa vontade do governo;, justifica.
Em Ceilândia, a situação se assemelha à de Sobradinho II. Uma grande erosão na Vila Madureira ameaça casas e deixa moradores em estado de alerta, principalmente em dias de chuva. Como se não bastasse a lama, a comunidade tem que conviver com o lixo que invade as ruas, arrastado pela enxurrada. ;Algumas casas já caíram aqui. A minha, graças a Deus, está no lugar, mas temos muito medo desse buraco enorme, que aumenta a cada dia. Quanto mais cai água, pior para a população;, relata a dona de casa Sebastiana dos Santos, 59 anos.
A maioria das áreas que oferecem risco aos moradores foi ocupada de forma desordenada, de acordo com o secretário-adjunto de Defesa Civil, coronel Luiz Carlos Ribeiro da Silva. ;Em comum nesses locais, está a falta de um estudo prévio de implantação das residências. As condições de habitação só podem ser verificadas com uma topografia da região e não a olho nu. A pessoa ergue a casa no período da seca e depois, quando chove, culpa o governo.;
Paralelamente à ocupação irregular, as áreas de risco sofrem com a falta de infraestrutura urbana, principalmente saneamento básico e sistema de drenagem pluvial. A precariedade habitacional resulta ainda em prejuízos ao meio ambiente, como impermeabilização do solo, poluição e assoreamento dos rios.
Autonomia
Antes vinculada à Secretaria de Segurança Pública, a Defesa Civil ganhou autonomia. Na gestão de Agnelo Queiroz (PT), a subsecretaria virou secretaria. Com a mudança, a expectativa do secretário Paulo Roberto Matos é receber mais investimentos em recursos humanos e em equipamentos e ampliar a cobertura de trabalho.
Falta de dados
Uma reunião entre os órgãos responsáveis pelas áreas de risco do DF, coordenada pela Sedest, será realizada no próximo dia 17. O objetivo do encontro é compilar os diferentes dados acumulados ao longo dos anos e definir uma metodologia padrão para identificar as famílias que vivem nas regiões comprometidas.
Em cerca de 15 a 20 dias, a pasta espera ter conseguido estimar o número de pessoas que moram nessas localidades.
Expansão sem controle
>>Mariana Laboissi;re
>>Mariana Sacramento
As áreas de risco no DF são reflexo de um crescimento urbano sem controle, que ganhou impulso principalmente na década de 1980. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pelo Correio. ;De uns ano para o cá, os problemas só vêm piorando. As pessoas continuam habitando lugares inadequados, muitas das quais não estão preocupadas com isso, querem apenas um lugar para morar;, avalia a professora de geografia e coordenadora do Laboratório de Climatologia Geográfica da Universidade de Brasília (UnB), Ercília Torres.
Para o diretor do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Católica de Brasília (UCB), professor Frederico Barboza, muitos moradores se aproveitaram do programa de doações de terrenos do governo para ocupar áreas irregulares. ;Brasília é uma cidade curiosa. Fomos do crescimento à decadência sem nunca ter alcançado o apogeu, mas o novo governo já anunciou que as doações de lotes não farão parte de sua política. Isso me parece positivo;, defende.
A nova política tem como eixo financiar a construção de unidades habitacionais. Os beneficiados receberão uma casa ou um apartamento e pagarão prestações proporcionais à renda familiar, nos moldes do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. A novidade integra o conjunto de medidas anunciadas pelo recém-empossado secretário de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Regularização Fundiária, Geraldo Magela.
Segundo o secretário-adjunto da pasta, Rafael Oliveira, a diretriz do governador Agnelo Queiroz (PT) é criar uma política sistêmica de legalização da cidade. ;Vamos ter de agir em duas frentes: legalizar e propiciar o acesso à política habitacional, principalmente, às famílias de baixa renda, que ganham até três salários mínimos. Queremos oferecer à população moradia com qualidade e com serviços públicos disponíveis;, diz Oliveira.
Barrancos e rachaduras
Desde 2008, moradores da Vila Rabelo II aguardam a transferência para outra área. Em novembro do ano passado, o então governador do Distrito Federal, Rogério Rosso (PMDB), chegou a anunciar a mudança de 49 famílias, de um total de 189, para a região de Buritizinho, entre Sobradinho II e o Parque Canela de Emas. O processo ocorreria até 15 de dezembro de 2010, antes, portanto, da troca do comando no Executivo local. Até o momento, porém, as famílias continuam no mesmo lugar. Segundo o secretário de Defesa Civil, Paulo Roberto Matos, novos estudos serão realizados para verificar quem, de fato, terá direito à remoção bancada pelo Poder Público.
A diarista Rosângela Lima de Souza, 27 anos, não acredita na possibilidade de conseguir uma nova moradia. A casa onde ela vive, há sete anos, fica no alto de um barranco e ameaça as construções abaixo. ;Esperamos viver em local seguro há vários anos. Parecia certo quando o governador veio aqui e disse que a mudança seria imediata. Agora, acho que deixaram isso de lado;, comenta.
A poucos metros dali, na casa da doméstica Laurenir Pereira da Silva, 46 anos, o problema é o antigo banheiro, localizado também próximo a uma ribanceira. ;O piso rangia toda vez que a gente entrava para tomar banho, algumas tábuas chegaram até a cair no buraco. Foi aí que tive que improvisar outro banheiro;, explica.
As rachaduras são a grande ameaça para a dona de casa Maria Luísa de Almeida Alves, 62 anos, que vive na Quadra 2. Em todos os cômodos da residência há fissuras enormes, sem contar o lado de fora, onde parte da terra que protege os alicerces cedeu. ;Não tenho condições de comprar outro pedaço de chão. As paredes estão todas ocas, as janelas empenadas;, afirma. ;Já pedi para remendarem algumas rachaduras, mas quem disse que adianta?;, lamenta.
Providências
A líder comunitária da Vila Rabelo II, Sueli Santos, afirma que o processo de retirada das famílias está em andamento, mas também reclama da demora. ;Acham que não queremos mudar, mas não é isso. O acordo foi de nos transferir para outro lugar em Sobradinho II. Também ganharíamos o lote. Agora, não sabemos mais.;
Segundo ela, técnicos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) afirmou que faltam alguns documentos comprovando o tempo de moradia das pessoas em Brasília. ;Vamos juntar tudo e ver se, desta vez, sai;, diz Sueli. Para ser beneficiada, a família deve residir na capital do país há mais de cinco anos. (ML e MS)
MEMÓRIA
vulnerabilidade antiga
O diagnóstico de vulnerabilidade de residências localizadas à beira de uma ribanceira na Vila Rabelo II, em Sobradinho II, é antigo. A região consta na lista de pontos de risco do DF pelo menos desde 2005. Em novembro de 2008, a Defesa Civil apontou a necessidade de derrubada de 75 casas. Além de identificar a iminência de desabamento, o órgão condenou a estrutura das moradias, feitas sem cálculo estrutural e apresentando rachaduras. À época, os moradores foram notificados sobre os perigos que corriam em permanecer no local. Inicialmente, a informação era de que as famílias seriam transferidas para Samambaia, o que gerou descontentamento. Desde então, nos períodos de chuva, a transferência dos moradores volta a ser assunto do governo. No ano passado, a transferência esteve outra vez em pauta. Mas ninguém se mudou. Teme-se ainda que o perigo aumente à medida que mais gente se instala na localidade.
Pontos críticos
A Defesa Civil identificou 26 áreas de risco no Distrito Federal ; sendo 12 com grau de comprometimento alto. O levantamento, que demorou um ano para ser consolidado, mostra as vulnerabilidades ambientais e urbanísticas dessas regiões e tem como objetivo subsidiar ações governamentais para sanar as ameaças e evitar desastres. Confira: