Cidades

Ao menos 128 mil moradores do DF são considerados analfabetos

Eles correspondem a 5% da população da capital, índice que o novo governo promete zerar em dois anos. Porém, pelo ritmo atual, meta só será alcançada em 2030

Adriana Bernardes
postado em 16/01/2011 07:20
[SAIBAMAIS]O exemplar do 1; livro de leitura lembra a infância e a única tentativa de Ana Santana Sales, 91 anos, se tornar uma mulher letrada. De capa dura, páginas amareladas pelo tempo e com aquele cheiro inconfundível de objeto engavetado, a publicaçãose tornou uma relíquia guardada há 76 anos. Ana jamais conseguiu ler as histórias contadas ali. Os pais também não sabiam ler e escrever. Ela é analfabeta de pai e mãe, como se diz nos rincões desse Brasil.

O mundo das letras não desabrochou na vida da dona de casa por desleixo, mas pela aspereza da vida. ;Uma professora me ensinou o ABCD maiúsculo e minúsculo. Me deu esse livro para ler. Eu ia para debaixo de uma árvore, longe de casa, tentar juntar as letras;, lembra orgulhosa. No entanto, a angústia diária do pai em plantar e colher o pouco que a seca do nordeste permitia afligia mais a jovem que os mistérios da escrita. Ela desistiu das letras.

Assim como Ana, pelo menos 128 mil moradores do Distrito Federal vivem à margem da sociedade por causa do analfabetismo. Os dados são de 2009, com base na população de 2007 e foram apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recém-empossado governador, Agnelo Queiroz (PT) se comprometeu a acabar com o analfabetismo na capital da República em dois anos.

Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, nos últimos sete anos, 44 mil pessoas foram alfabetizadas. Nesse ritmo de investimento e congelada a realidade atual, a meta do novo governador somente seria alcançada em 2030.

O que os números dificilmente medem são os reflexos da falta de estudo na vida de uma pessoa. Ana, a nordestina de nascimento e brasiliense de coração, conta que a ;cegueira; imposta pela falta de estudo tornou sua vida mais difícil. A moradora do Gama não consegue encontrar os endereços nem pegar ônibus sozinha. Ao ser perguntada se nunca teve medo de ser enganada por não saber ler, demonstra ingenuidade. ;Pensava que não tinha esse contratempo. Eu confiava em todo mundo (pausa) e ainda confio;, diz com o dedo em riste e olhar perdido como se passasse a limpo o passado.

Quanto à possibilidade de aprender a ler e escrever, Ana diz que já está velha demais. ;Agora, a vista não dá mais. Às vezes, pego revista para ver, mas logo começa a escorrer aquela água quente do olho e eu deixo aquilo para lá;, diz, às gargalhadas. Não há rancor ou arrependimento nas palavras de Ana. Há nelas o orgulho de ter tentado e a educação que ela deu aos quatro filhos, todos letrados.

Outra realidade
O governo local pretende vencer a guerra ao analfabetismo capacitando profissionais, ampliando o acesso ao ensino e mobilizando a sociedade civil. Antes porém, precisa descobrir onde estão e quem são os moradores do DF que não conseguem ler e escrever. A partir desse levantamento, começa outro desafio. Adequar a didática à realidade dos futuros alunos de forma que o conteúdo e o jeito de ensinar respeitem as suas experiências de vida e os prenda na sala de aula.

Apesar dos 128 mil analfabetos do DF, há progressos para se orgulhar. Em 2002, os moradores sem estudo representavam 8,61% da população. Em 2009, o percentual caiu para 5,36%, uma redução de 37,7%. O DF obteve a terceira maior redução de analfabetismo entre todas as unidades da federação e bem acima da média nacional de 21,3% (veja arte).

A paraibana Maria Marluce Paulino, 53 anos, moradora da Estrutural, não tem grandes ambições financeiras mas alimenta um grande sonho. ;Um dia quero conseguir ler e escrever uma carta;, revela. Por uma dessas ironias da vida, a mulher que não sabe ler tira o sustento da casa com a venda de jornais. ;Quem não sabe ler é cego, surdo e mudo. Nem conta em banco eu consigo abrir sozinha;, lamenta.

Esforço concentrado
A nova secretária de Educação do DF, Regina Vinhais, reconhece como ambiciosa a meta do governo em tornar histórias como a de Maria Marluce uma exceção. Segundo ela, exige esforço concentrado de outros órgãos de governo e da sociedade civil organizada. ;Campanhas de erradicação do analfabetismo feitas à parte da EJA (Educação de Jovens e Adultos), como os mobrais, se mostraram ineficientes;, pontua. ;Alfabetização é mais do que a codificação e decodificação de símbolos.;

Caberá às escolas identificar a demanda por educação. ;Feito isso, vamos estruturá-las para que tenham condições de receber essa clientela. Estudar perto da residência vai facilitar muito a vida dessas pessoas;, explica Vinhais. Na visão do governo, a educação de jovens e adultos deve ser oferecida também no diurno. Segundo a secretária, é um erro pensar que todo analfabeto trabalha durante o dia e pode estudar à noite. Uma parcela considerável faz o turno inverso e não tem oportunidade de se sentar no banco da escola com o modelo atual com aulas apenas no período noturno.


CINCO PERGUNTA PARA
Regina Vinhais, secretária de Educação do Distrito Federal

O EJA é alvo de críticas por conta do conteúdo e didática de ensino incompatíveis com a experiência de vida dos estudantes, um dos motivos de evasão. É possível reformular o programa e torná-lo mais eficiente?
Muitas campanhas usam pessoas para alfabetizar que não são professores, achando que alfabetizar é fácil. Dentro do possível vamos usar somente professores, bolsistas e universitários capacitados. Vamos conscientizar esses profissionais para trabalhar com o método do Paulo Freire. No século passado, ele já dizia que adulto não se alfabetiza como se faz com uma criança.

A meta de vocês é acabar com o analfabetismo em dois anos. Porém, a senhora diz que é preciso envolver escola, comunidade, fazer um censo, capacitar pessoas. Não é muita coisa para se fazer em apenas dois anos?
Muitas vezes as pessoas têm muita vontade de que as coisas aconteçam, mas lhes falta chance de fazer. O professor é um profissional extremamente emotivo e preocupado com questão social. Se a gente oferece as condições para ele participar de um movimento como esse, as coisas caminham. Já conversei com diretores das regionais e eles estão recebendo muito bem essas possibilidades de ações.

Especialistas dizem que não se combate o analfabetismo sem investimentos. O governo terá que construir mais escolas ou ampliar as existentes para abrigar os novos alunos?
Não é preciso construir mais escolas. O DF tem uma escola em cada rincão. Estamos levantando as salas ociosas nas escolas e vamos precisar de mais espaço. Por isso, contamos com o apoio de igrejas e movimentos sociais. Mas, primeiro, é preciso fazer o censo, identificar onde estão essas pessoas e onde as necessidades vão aparecer.

De que forma o governo pretende envolver a comunidade na tarefa de alfabetizar a população?
Uma das propostas é que o empresário libere o funcionário por um ou duas horas para ele estudar na empresa. Esse estudo deve ser dirigido, orientado por um profissional que os ajude a tirar dúvidas. Já conversei com alguns empresários e a receptividade é muito boa.

E quanto às crianças analfabetas, o que será feito?
O número de crianças com mais de 7 e menos de 15 anos fora da escola é mínimo. Uma coisa é certa. Nenhuma escola pode recusar a matrícula a uma criança com menos de 15 anos porque ela é analfabeta. Isso não pode ocorrer de forma alguma, porque crianças com 12 anos, por exemplo, não são trabalhadores e exigem uma atividade regular para elas. É claro que não podem ser colocadas numa turma de 5 ou 6 anos. Mas a escola precisa ter competência e motivação para alfabetizá-la.

Eles correspondem a 5% da população da capital, índice que o novo governo promete zerar em dois anos. Porém, pelo ritmo atual, meta só será alcançada em 2030

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