postado em 17/01/2011 09:24
A moça circulava pelas quadras do Plano Piloto com uma prancheta na mão. Ambiciosa, queria catalogar todas as árvores de Brasília, para o mestrado em engenharia ambiental. De tanto ser vista observando a vegetação, certo dia, chamou a atenção de um morador da Asa Sul. O homem perguntou a ela qual era o objetivo de tanto olhar árvores. A resposta veio de imediato: a estudiosa queria mostrar à população a riqueza da cidade, a importância da arborização, os benefícios e a necessidade de preservar. Ele não se acanhou e deu uma sugestão: ;Minha senhora, por que você não aproveita melhor seu tempo e vai educar uma criança?;.A pesquisadora respirou fundo. Depois de contar até três e manter o tom sempre educado, tentou explicar ao desconhecido que, sem as árvores, as crianças não teriam oxigênio para respirar, portanto não ficariam vivas e, obviamente, nesse caso, não seria preciso educá-las. A moça da prancheta é Roberta Maria Costa e Lima, do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade de Brasília (UnB). Durante dois anos, de 2008 a 2010, ela percorreu 39 quadras do Plano Piloto, com objetivo de lançar um guia de árvores urbanas da capital.
Contou 15,2 mil árvores de 162 espécies diferentes. Dessas, escolheu uma centena e, ao lado do seu orientador de mestrado, Manoel Cláudio da Silva Júnior, professor da UnB, publicou, em dezembro passado, o livro 100 árvores urbanas ; Brasília ; Guia de Campo. Nele, o leitor encontra informações sobre os principais tipos de árvores de Brasília, com fotos, textos e ilustrações. Antes de cada capítulo, uma poesia inspira a leitura.
Um glossário possibilita o amplo entendimento dos termos botânicos. Nas últimas páginas, o interessado pode ainda consultar uma tabela que indica quais espécies costumam ser encontradas em cada superquadra. As árvores mais frequentes, segundo o guia, são mangueira (há mais de 1 mil), cambuí, jambolão, saboneteira, fícus ; também conhecida como barriguda ;, sibipiruna, espatódea, abacateiro, amendoim-bravo e ipê-rosa. O guia mostra que Brasília pode ser uma aula de botânica a céu aberto, ilustrada com a diversidade da natureza.
Praga
Quando planejou a cidade, Lucio Costa previa que a vegetação original fosse preservada. Tratores e outras máquinas, porém, esmagaram o cerrado para dar lugar a casas e prédios, durante a construção da cidade. Em seguida, surgiu a necessidade de arborizar de novo a capital. Milhares de exemplares das mais diversas famílias e espécies fixaram raízes em solo brasiliense, à época da inauguração. Uma delas era a Spathodea campanulata, árvore de flor popularmente conhecida como xixi-de-macaco, vinda da África e muito usada em brincadeiras de criança.
Em 1973, algo inesperado ocorreu: 50 mil árvores morreram no DF. A falência não deveria ter sido uma surpresa tão grande assim. As árvores não se adaptaram à secura do cerrado. Muitas eram endêmicas, por exemplo, do clima europeu. Longe do terreno ideal, a vegetação ficou suscetível a pragas. A exemplo da xixi-de-macaco, muitas outras são encontradas em pouca quantidade atualmente, por conta da má adaptação.
Ainda assim, hoje, há mais árvores exóticas do que nativas. A situação, de acordo com Roberta, deve servir de exemplo para os governantes atuais. ;É preciso pensar: por que não preservar a vegetação original? Pra que destruir tudo e plantar plantas de outros lugares depois?;, questionou.
Há quem pense, por exemplo, que os flamboyants são nativos do cerrado, pela grande quantidade deles que há nas ruas. Mas vieram de Madagascar, na África. Entre os endêmicos do cerrado, podem-se destacar a sucupira-branca, o jatobá-do-cerrado e o pequi, entre outros. Há mais de 12 mil espécies originárias desse bioma. ;Há árvores lindas que vieram de outros lugares. Não é que não possamos tê-las, mas devemos priorizar as espécies nativas, porque elas se adaptam com mais facilidade, a manutenção custa menos;, explicou Manoel Silva Júnior.
Com o guia, os pesquisadores querem ajudar na construção de uma identidade brasiliense. ;A gente viaja e escuta um monte de gente dizendo que Brasília é a terra da manga. Mas a manga é indiana. Muitos que vivem aqui nem sabem dizer o que é ou não nativo. As crianças não aprendem na escola. O livro é uma boa oportunidade para conhecer um pouco mais sobre a nossa vegetação;, conclui Manoel.
Adequação
Roberta e Manoel percorreram quadras construídas em 1960 e nas décadas seguintes, até os anos de 2000. Constataram que, quanto mais antiga é a área, mais árvores ela possui. ;Enquanto a 308 Sul e a 206 Sul têm 500 árvores, a 111 Sul, que é bem mais recente, possui somente 90. É uma tendência que se repete em todo o Plano Piloto. A quadra onde encontramos mais árvores foi a 216 Norte, com quase 600;, relata Manoel.
No DF, há jaqueiras e mangueiras plantadas em estacionamentos ; tipo de plantio desaconselhado, pelo prejuízo que as frutas podem causar ao cair. Roberta observa: ;Quando isso ocorre, as pessoas culpam a árvore. Mas o problema, assim como em situações nas quais as raízes quebram as calçadas, é a forma e o local de plantio. Não adianta só plantar a árvore é preciso pensar em cada etapa;.
Ter árvores por perto é sempre benéfico. Ainda mais quando elas são esculturas naturais, como os galhos tortos do cerrado. Além de trazerem conforto, beleza e sombra, diminuem o impacto da água da chuva no solo, purificam o ar e são capazes até de reduzir a poluição sonora. Quando se plantam espécies endêmicas, isso atrai os animais originários da região, como pássaros e morcegos, que também são bem-vindos. ;As pessoas acham que morcego é ruim só porque fizeram uns filmes com a cara deles associada a vampiros. O morcego poliniza 75% das flores de árvores frutíferas no mundo. Sem eles, não teríamos frutas;, explica o professor.
Roberta e Manoel pretendem lançar novas edições do guia, com as espécies que não foram citadas. Desde 1995, Manoel cataloga árvores em Brasília. Já identificou mais de 300 espécies. ;Nunca vi um lugar com tanta diversidade. É fora do comum.; Roberta, que está grávida de seis meses e será mãe de Tiago, acredita na preservação do meio ambiente como a garantia de um futuro melhor. Ela espera que Tiago, assim como muitas outras crianças, possa desfrutar dos aromas e cores da capital.
Mangueira
Nome científico: Mangifera indica
Características: Árvore de até 30m de altura. Originária da Índia e sudeste da Ásia. Foram identificadas 1007 delas no Plano Piloto, nas 39 superquadras pesquisadas. Frutos verdes, maduros e sementes são apreciados in natura ou em iguarias. Na medicina popular, as folhas e a casca servem para controlar diarréias e corrimento vaginal. A madeira serve para a construção de canoas e para carvão. Seus componentes químicos podem provocar alergia
Xixi-de-macaco ou tulipa-africana
Nome científico: Spathodea campanulata
Características: Árvore de até 25m de altura. Originária da África tropical e semitropical, Kenia e Uganda. Foram identificadas 565 delas no Plano Piloto, em 30 de 39 superquadras pesquisadas. Uso na arborização urbana. O néctar aquoso, abundante nas flores, é venenoso para abelhas e beija-flores. As flores, folhas e casca servem para tratamento de doenças na pele.
Seringueira-de-jardim ou gameleira
Nome científico: Ficus elastica
Características: Árvore de até 30m de altura. Originária da Ásia tropical, Indonésia, Índia, Malásia e Miramar. Foram identificadas três delas no Plano Piloto, em três de 39 superquadras pesquisadas. Uso na arborização de grandes espaços nas regiões temperadas e tropicais. Seu látex é usado para produção de borracha. Plantada para auxiliar na localização de sedes de fazendas no interior do Brasil.
Cambui, farinha-seca ou ibira-puita-guassú
Nome científico: Peltophorum dubium
Características: Árvore de até 25m de altura. Originária da América tropical. No Brasil, é encontrada em matas secas e na caatinga. Foram identificadas 884 delas no Plano Piloto, em 30 de 39 superquadras pesquisadas. Uso na arborização pela sombra e floração. A madeira serve na marcenaria e construção civil. O chá da casca é contraceptivo.
Quaresmeira
Nome científico: Tibouchina granulosa
Características: Árvore de até 12m de altura. Encontrada na Mata Atlântica, desde a Bahia até o Paraná. Foram identificadas 59 delas no Plano Piloto, em 13 de 39 superquadras pesquisadas. Uso na arborização de espaços amplos, ruas e canteiros centrais. A madeira é usada na marcenaria, obras internas, brinquedos e caixotaria. Os frutos secos são usados pelas crianças como pequenos peões.
Munguba ou cacau-selvagem
Nome científico: Pachira aquatica
Características: Árvore de até 20m de altura. Originária da Amazônia até o Maranhão, em áreas alagáveis. Foram identificadas 400 delas no Plano Piloto, em 28 de 39 superquadras pesquisadas. Uso na arborização pela sombra e flores belas. A madeira serve para caixotaria e celulose para papel. As sementes são comestíveis in natura ou torradas, quando produzem bebidas como o café. As fibras da casca servem para confecção de cordas.
Jaqueira
Nome científico: Artocarpus heterophyllus
Características: Árvore de até 15m de altura. Originária do sudeste da Ásia. Foram identificadas 72 delas no Plano Piloto, em 20 de 39 superquadras pesquisadas. Os grandes frutos inviabilizam o uso em locais de trânsito intenso. A polpa é consumida in natura ou iguarias doces ou salgadas. As sementes são consumidas cozidas, tostadas ou como farinha. Na medicina popular, serve para tratar anemia, asma e diarréias. Componentes das sementes atuam no trato de queimaduras. A madeira serve para móveis, portas, janelas e barcos.
Onde encontrar
100 árvores urbanas ; Brasília ; Guia de Campo
; Preço: R$ 80
; Lojas: livrarias Cultura, Leitura e UnB