Cidades

Elevação do salário para R$ 540 pressiona os custos no setor de serviços

postado em 21/01/2011 08:14
Uma onda de reajustes atingiu o setor de serviços não especializados, elevando em até 10% os gastos de quem vai contratar pedreiros, encanadores e até mesmo aqueles que precisam ir ao salão de beleza para cortar os cabelos ou fazer as unhas. O movimento de alta nos preços partiu do aumento do salário mínimo, que pulou dos R$ 510 reais, pagos até o ano passado, para os R$ 540 autorizados pelo governo desde o início de janeiro deste ano. Com a folha de pagamento mais alta, a maior parte dos empresários do setor decidiu por ;compartilhar; as despesas com os próprios clientes.

Carlos Nery, dono da Planeta Multiserviços Ambientais, faz locação de contêineres e limpeza de fossas na cidade. Com medo de mergulhar em dívidas, ele não só reajustou a tabela como demitiu dois dos 14 funcionários. Segundo ele, os serviços prestados tiveram reajuste desde janeiro e estão 10% mais caros. ;Não é só o aumento do salário mínimo que pesa. Janeiro para nós é um mês mais fraco e esse aumento de custo acaba sendo repassado para o consumidor. Mesmo assim devemos fechar o caixa no vermelho;, lamenta.

Para o economista e professor do Ibmec Nelson Ferreira, demissões neste momento podem ser vistas como excesso de cautela. Com a economia crescendo, empresas que optarem por dispensar funcionários podem acabar tendo de readmiti-los para atender a demanda. ;O aumento do salário mínimo deve elevar também as vendas de bens e serviços. Além de trazer um efeito indireto: aumenta o consumo de alimentos, dentro e fora de casa, além de higiene e limpeza;.

O especialista também acredita que, por ser uma medida permanente, as pessoas estarão mais seguras na hora de gastar, elevando também o valor destes produtos pelo aumento da demanda. ;Não pode ser quantificado com exatidão o impacto que vai haver no preço final de todos os setores, só é possível estimar. Mas a gente sabe que vai ter algum porque o salário mínimo influi na vida de milhões de pessoas.;

Na lista dos beneficiados pelo aumento do mínimo estão cerca de 47 milhões de brasileiros. Uma soma entre trabalhadores formais, pensionistas e aposentados pela Previdência, que também tiveram rendimentos atrelados ao valor do salário mínimo. O que dá margem até a reajustes nos planos de saúde e odontológicos. A Associação Brasileira de Odontologia (ABO), no entanto, nega que o assunto já esteja sendo discutido. O presidente nacional da organização, Nilton Miranda de Carvalho, disse que os novos gastos ainda estão sendo levantados. Portanto, somente em março ou abril estes valores devem ser rediscutidos. ;Cada dentista cobra o que acha que deve cobrar, mas há um levantamento sobre os custos reais de um consultório. E o salário mínimo entra nesta conta, até porque os próprios insumos serão reajustados. A fábrica de anestésico ou a de resina, por exemplo, também paga funcionários;, explica.

Além disso, outro indicador de que haverá aumento nos serviços desses profissionais é a própria base de cálculo, que está diretamente atrelada ao valor do mínimo. ;Ao colocar um aparelho em um paciente, é cobrado um valor inicial mais uma mensalidade, que é 50% do salário mínimo;, conta o dentista Sidney Gomes Medeiros. Ou seja, apenas na conta mensal de quem usa um aparelho dentário o reajuste será de 5,8%.

Salões
Nos salões de beleza, o aumento deve variar de 6% a 8%, segundo Elaine Furtado, presidente do Sindicato dos Salões de Barbeiros, Cabeleireiros e Profissionais Autônomos na Área de Beleza do DF. ;O reajuste acaba sendo repassado de forma quase que imediata, porque o salário mínimo atinge diretamente a nossa prestação de serviço, ainda que nem todos os profissionais recebam de acordo com ele. De forma geral, sobem os gastos com o que é básico, como a alimentação e o transporte, por exemplo;, afirma.

No próprio salão, na Asa Norte, Elaine teve de substituir os preços antigos. Segundo ela, o valor ficou dois anos defasado. O reflexo e a tintura, que antes ficavam entre R$ 120 e R$ 180, agora começam em R$ 160, podendo chegar a R$ 250 ; um reajuste superior a 38%. O corte de cabelo também aumentou: passou de R$ 30 para R$ 50. Ela diz que reajustes bruscos como estes não são indicados e acabam assustando a freguesia. A dica que ela mesma dá aos outros cabeleireiros é sempre dar preferência aos aumentos graduais, para que os clientes se habituem e acompanhem o processo desde o início.

Ainda que tema perder os clientes no próprio salão, a empresária não considera a mudança nos preços ou o aumento dos salários como fatores negativos. Ela frisou que nas cidades do DF, onde o aumento do salário mínimo será mais importante para ampliar o poder de compra, a tendência é ter salões ainda mais cheios. ;Aos domingos, os salões nessas regiões estão lotados. A classe C tem gastado cada vez mais com a beleza, e a tendência é de aumento;, afirmou.

Na Asa Sul, Larissa Souza Martins, também dona de um salão de beleza, se nega a mexer nos preços. Ela conta que fez um investimento grande no ano passado para melhorar o serviço de manicure e pedicure. Comprou novos equipamentos de esterilização e outros apetrechos. Depois disso, teve de aumentar o valor cobrado pela unha. Por isso, ainda que acabe arcando com o os reflexos do ajuste no salário mínimo, diz que prefere poupar as clientes. ;Não adianta sobrecarregar também. Ainda mais agora, no período das férias, quando o movimento é menor;, conta.

Para que o próprio consumidor não assuma a conta por todos os reajustes e acabe trocando o aumento do salário por contas mais altas, cabe a ele mesmo ter mais atenção na hora de gastar. Especialistas indicam que o ajuste feito pelas empresas e pelos prestadores de serviços não pode ser abusivo e que o salário mínimo não é justificativa para qualquer reajuste.


PARA SABER MAIS
Pressão por valor maior

Desde 1; de janeiro, o salário mínimo passou de R$ 510 para R$ 540, um aumento de 5,88%. A mudança partiu do Executivo e foi publicada como medida provisória, sem passar pela apreciação dos parlamentares, que estavam de recesso. Por este mesmo motivo, a tramitação da MP no Congresso deve começar apenas em 2 de fevereiro. A partir de então, também estará aberto o prazo para que as emendas ao texto sejam propostas. Sugestões que podem, inclusive, aumentar o valor do mínimo definido pelo Executivo.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, pronunciou-se sobre o assunto na última semana. Segundo ele, o próprio governo defenderá um aumento pequeno de até R$ 545. As centrais sindicais fazem manifestações por todo país e pedem um reajuste que chegue a R$ 580. A votação das propostas, de acordo com a mesa Diretora da Câmara dos Deputados, pode ocorrer a partir de 16 de fevereiro.


PALAVRA DE ESPECIALISTA
Dois tipos de impacto

;É claro que o aumento do mínimo provoca impactos no orçamento das empresas. No entanto, esse raciocínio não pode servir de justificativa para todo e qualquer reajuste. É verdade que os custos sobem e é natural que os empresários façam uma análise da situação partindo desse ponto de vista. Mas, por outro lado, o mínimo maior estimula o consumo e também faz a demanda crescer, o que eleva as vendas e, consequentemente, o faturamento. As pessoas que recebem salário com base no mínimo têm alta propensão para consumir. A política de valorização do mínimo serve como pilar do desenvolvimento econômico. Por isso, o aumento dinamiza a economia e ajuda as empresas a venderem mais. As consequências do novo mínimo serão percebidas pelo consumidor ao longo de todo o ano. Nos setores em que a concorrência é maior, a tendência é que os possíveis reajustes não sejam feitos de imediato. Com medo de perder espaço no mercado, muitos empresários vão optar por esperar o resultado dos próximos meses antes de repassar os custos ao consumidor;. (Diego Amorim)
Tiago Oliveira, economista do escritório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal

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