Cidades

Lei seca bate recorde no DF

Em 2010, 2.534 motoristas candangos perderam o direito de assumir o volante de um veículo por estarem embriagados. O número representa 64,3% do total de habilitações cassadas no DF

postado em 23/01/2011 08:52
O estudante de administração de 24 anos Paulo* está impedido de assumir a direção de um veículo. Ele perdeu a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na saída de uma festa de carnaval na Esplanada dos Ministérios em 2008. Estava alcoolizado, recusou-se a fazer o teste do bafômetro, mas um policial militar o convenceu a assinar um auto de constatação. O papel virou uma notificação por embriaguez ao volante. Paulo entrou com recurso e adiou por um ano e meio o inevitável: a suspensão da habilitação até setembro. ;Não dá para ficar sem carro em Brasília. Vou tomar mais cuidado;, afirmou.

O jovem está entre os milhares de motoristas candangos que perderam a licença para dirigir no ano passado. Relatório da Gerência de Infrações e Penalidades do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) apontou que 3.941 condutores tiveram as habilitações suspensas ou cassadas entre janeiro e dezembro do ano passado. Desse total, 2.534 (64,3%) referiam-se à mistura de álcool e volante. O resultado de 2010 é considerado um recorde desde que a lei seca entrou em vigor no país (leia O que diz a lei).

Em 2009, primeiro ano completo sob a vigência da lei seca, 2.267 condutores se viram flagrados embriagados no comando de um veículo ; ao todo, houve o confisco de 3.919 habilitações nas vias do DF. Segundo o gerente de Infrações e Penalidades do Detran-DF, Adilson de Lima Bezerra, ainda existem de 10 a 12 mil processos que esperam julgamento e até 80% referem-se ao artigo 165 do Código Brasileiro de Trânsito, o que remete à lei seca. ;Esse artigo é o carro-chefe de análise de recursos do Detran-DF. Isso tem tomado muito tempo da gerência. A estrutura não cresceu da mesma forma que a quantidade de veículos e de condutores. Temos cinco anos para autuar e julgar um processo. Passado esse período, prescreve. Obviamente, não deixamos isso acontecer;, afirmou.

Pontos
O acúmulo de mais de 20 pontos na carteira foi a segunda infração mais cometida na capital do país ; 482 carteiras acabaram suspensas por esse motivo ; e as irregularidades cometidas por motociclistas (457) aparecem em seguida (leia quadro). O levantamento também indica que 319 motoristas perderam o direito de conduzir um veículo por executar manobras perigosas em vias públicas.

Bezerra alertou que o número de condutores com mais de 20 pontos na carteira é alto. O Detran-DF elaborou uma relação em que consta os 100 maiores pontuadores nos últimos 12 meses. O primeiro acumula 2.926 pontos. O centésimo, 214. Na avaliação do gerente de Infrações e Penalidades do Detran-DF, os brasilienses não têm dado a devida atenção à lei, o que gera muitos casos de reincidência. O Código de Trânsito Brasileiro diz que, se o cidadão for reincidente em 12 meses após a aplicação da suspensão, ele está sujeito à cassação da CNH. ;A população do Distrito Federal não está atenta aos riscos e aos perigos. As pessoas acham que o fato de elas não soprarem o bafômetro as isenta da aplicação da penalidade. Só que a autoridade de trânsito tem o auto de constatação de embriaguez e isso vai suprir a negativa da pessoa;, alertou.

Impunidade
Na opinião do professor de direito penal da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Frederico de Oliveira Pereira, o Detran-DF começou a autuar com mais intensidade a partir de alterações no Código Brasileiro de Trânsito, que regulamentaram o artigo 165 e aumentaram as penalidades em face da embriaguez ao volante. Pereira, porém, não se surpreendeu com o elevado número de infrações, pois ele avaliou que existe no país uma cultura de transgressão de normas. ;No Brasil, as regras de trânsito são desrespeitadas. Em geral, as pessoas não levam em consideração as normas. Isso é um problema de educação. Tenho visto diariamente motoristas que furam o sinal vermelho, que não dão seta, que fazem manobras perigosas. A diferença é que no trânsito você morre;, disse.

O pesquisador do programa de pós-graduação em Transportes da UnB, Artur Morais, acredita que o brasiliense se acostumou com os anos de impunidade, nos quais as penalidades recebidas não eram cumpridas. Para o especialista, os motoristas se acham no direito de fazer o que querem e têm a sensação de que nada pode acontecer. ;Esse assunto teria de sair do campo do direito e deveria começar a ser estudado o comportamento do motorista. O cidadão só cumpre a lei se o agente de trânsito está por perto. O que deveria chamar atenção da pessoa é a norma;.

* Nome fictício.

Reincidência
A cassação da CNH ocorre quando o infrator suspenso é flagrado conduzindo um veículo. Assim, é caracterizada a reincidência. Após dois anos de cassação, o cidadão pode requerer a habilitação, mas fará novamente todos os exames e as provas, como prevê o Conselho Nacional de Trânsito (Contran).


O que diz a lei
A Lei Federal n; 11.705 entrou em vigor em 20 de junho de 2008. A legislação fixou tolerância zero à combinação álcool e volante e tornou mais rígidas as punições para os infratores. O motorista flagrado com até 0,29 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões é punido com multa de R$ 957 e responde a processo administrativo de suspensão da carteira por um ano. Quem é pego com índice igual ou superior a 0,30 miligrama de álcool por litro de ar, paga a multa, responde ao processo de suspensão da CNH e é preso. Neste caso, só é liberado após pagamento de fiança que varia de R$ 600 a R$ 2 mil e responde pelo crime de dirigir alcoolizado. Na Justiça, quem é réu primário pode fazer acordo para ter o processo suspenso por dois anos. Geralmente, a pessoa é obrigada a pagar cestas básicas e a prestar serviço em hospitais.

Em 2010, 2.534 motoristas candangos perderam o direito de assumir o volante de um veículo por estarem embriagados. O número representa 64,3% do total de habilitações cassadas no DF

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