Naira Trindade, Luiz Calcagno
postado em 28/01/2011 08:00
A incerteza sobre o futuro acadêmico atinge, pelo menos, 2 mil alunos de duas faculdades no Distrito Federal. Eles foram surpreendidos com a notícia do fechamento do Câmpus I da Faculdade da Terra de Brasília (FTB), no Recanto das Emas, e com uma suposta mudança de endereço divulgada no site da faculdade UniSaber, de Ceilândia, que também atende o ensino fundamental e médio e transferiu esses estudantes para outro colégio em Taguatinga. As duas instituições receberam ações de despejo. O caso da FTB é mais grave, já que a instituição teria renovado a matrícula e cobrado mensalidade de cerca de 1,2 mil discentes antes de tomar a iniciativa de fechar as portas.Com tanta indefinição, estudantes e sindicatos acusam as duas instituições de agirem de má-fé. O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproep/DF), Rodrigo de Paula, estende a responsabilidade ao Ministério da Educação (MEC). Segundo ele, a pasta é sistematicamente avisada pelo Sinproep dos problemas enfrentados nas faculdades. ;A FTB fechou de vez. Essa é a verdade. O Câmpus II, que fica em Samambaia, não tem estrutura para funcionar, não tem contrato de locação e eles estão com ordem de despejo lá também. Nós alertamos o MEC. Eles também são culpados disso tudo;, apontou.
A acusação mais grave contra a FTB está ligada à renovação de matrícula: após efetuarem essa operação, em dezembro do ano passado, muitos estudantes pagaram adiantado os primeiros meses de 2011. Na sequência, porém, a instituição demitiu 104 professores com o argumento de que iria recompor o quadro (veja Memória). Além disso, pelo menos 80 docentes demitidos ainda não teriam recebido seus direitos. ;É caso de polícia. Os dirigentes tinham que ser presos. Estão agindo de má-fé. Receberam dinheiro e deixaram 1,2 mil alunos na mão. Alguns estudantes que, no ano passado, tentaram transferência para outras unidades foram coagidos a pagar a mensalidade até fevereiro para receber a documentação;, destacou o sindicalista.
Ainda segundo Rodrigo, com a efetivação das matrículas e o pagamento das mensalidades, a Faculdade da Terra teria ganho pelo menos R$ 480 mil. Ele garantiu que os estudantes matriculados não foram informados ;em momento algum; do fechamento do câmpus ou da demissão dos professores. ;Eles não sabiam que isso ia acontecer. Tem gente lá que ganha um salário mínimo por mês, que tira da própria alimentação para pagar a sua faculdade, que sonha ter um diploma. O prejuízo também é social e emocional.;
Um professor demitido que preferiu não se identificar disse que o fechamento da FTB já era previsto pela direção quando seus colegas foram afastados. Além disso, a nova direção já teria sido recontratada por outra faculdade no Entorno do DF, que estaria enfrentando o mesmo problema de pagamento de professores. ;Quando essa gestão entrou, terminou de destruir o que tinha sobrado de pé. Eles deixaram os alunos renovarem. Quando viram que ninguém mais ia renovar, demitiram os professores. Eles viram que a instituição tinha recebido, que estava bem das pernas. Mas os alunos não sabiam que a faculdade estava sem professor;, revelou.
Insatisfação
O clima entre os alunos da Faculdade da Terra é de insatisfação. Eles estão desconfiados e não gostaram das mudanças. O estudante de história Adão Ribeiro, 22 anos, morador do Recanto das Emas, quer a transferência para outra faculdade, mas, assim como outros 10 colegas de curso que têm o mesmo projeto, alega não conseguir contato com ninguém da FTB para emitir os documentos necessários. ;Todos os telefones que eles divulgaram são de fachada. Ninguém atende número nenhum. Agora estamos sem documento e sem solução;, disse.
A estudante de pedagogia Joseilda Alves de Lima, 32 anos, também moradora do Recanto das Emas, renovou a matrícula em dezembro, pagou adiantado o semestre sem ter sido comunicada sobre a mudança de câmpus. Sentiu-se lesada. ;Soube do fechamento do câmpus porque vim aqui. Quero continuar no Recanto. Não vou para outra faculdade porque não tenho condições de ir de ônibus, e o local é abandonado. Eles só vão liberar minha transferência se eu pagar o boleto de fevereiro. Também não tenho condições;, reclamou a aluna, que recorreu ao Procon.
Um dos diretores da FTB, Osmar Carrijó, nega que a instituição esteja em vias de falir. Segundo ele, não era mais interesse da faculdade permanecer no Câmpus I. Além disso, o espaço de Samambaia seria mais adequado ao número de alunos ; quantidade que ele não soube especificar. ;A maioria dos estudantes da FTB não renovou matrícula no ano passado. Além disso, estamos recontratando professores. Não temos mais interesse no câmpus do Recanto das Emas. Nós estamos com um número de alunos bem menor. Não há necessidade de ficar com aquele espaço. Por outro lado, o câmpus de Samambaia vai receber todo mundo. Está funcionando normalmente;, garantiu.
A direção do FTB informou que está providenciando transporte para não prejudicar os alunos, já que o câmpus fica afastado. A instituição pediu ajuda à Universidade de Brasília (UnB) para registrar os diplomas que estão faltando. Eles acreditam que no prazo de um mês todos os documentos serão entregues. Uma colação de grau coletiva marcada para 11 de fevereiro continuaria de pé, segundo a direção. Há, porém, relatos de estudantes formados em 2009 e que ainda não teriam recebido diploma.
Mercado paralelo
Em setembro de 2010, o Correio revelou um esquema de venda de diplomas falsos dentro da Faculdade da Terra de Brasília. Segundo denúncias, mais de 600 certificados teriam sido entregues a pessoas que nem sequer pisaram na FTB. Os principais suspeitos seriam os mantenedores da instituição, José Caitano Neto e Leonardo Pujjati. A faculdade teria emitido os documentos com base em históricos curriculares falsos.
Memória
2009
Outubro
Os atrasos no pagamento de aluguel, na remuneração de professores e na efetivação de matrícula na UniSaber e na Faculdade da Terra (FTB) são antigos. A UniSaber também apresenta irregularidades na sua escola de ensino médio e fundamental. Em outubro daquele ano, a Secretaria de Educação do Distrito Federal precisou de entrar em acordo com a UniSaber para garantir que o colégio funcionasse até o fim do ano letivo, mesmo com ordem de despejo e sem Habite-se (consequentemente, sem alvará de funcionamento). Havia o risco de a escola suspender as atividades antes do fim do ano letivo.
2010
Janeiro
A UniSaber recebeu o primeiro mandado de despejo.
Julho
Tanto a UniSaber quanto a FTB (na época, as faculdades pertenciam ao mesmo grupo de empresas) ficaram impedidas de receber alunos transferidos de outras instituições e de realizar vestibulares. A ordem partiu do Ministério da Educação (MEC). As duas instituições estavam com aluguéis e salário de funcionários atrasados.
Dezembro
A Faculdade da Terra recebeu o pagamento das mensalidades, renovou as matrículas dos estudantes e, em seguida, demitiu 104 professores. A justificativa era a reposição do quadro com mestres e doutores.
2011
Janeiro
A UniSaber recebeu a segunda ordem de despejo. De acordo com a sentença do juiz do Tribunal de Justiça do DF e Territórios, a instituição deve quase R$ 500 mil. Os estudantes de nível fundamental e médio precisaram ser transferidos para um colégio em Taguatinga, cancelaram-se os cursos de pedagogia e de administração e a instituição foi obrigada a mudar de lugar.
Os alunos da FTB, por sua vez, foram surpreendidos com o fechamento do Câmpus I. Alguns chegaram a ver a nota na internet, mas outros, ao chegarem à faculdade, se depararam com portões fechados e uma lona preta sobre a placa da instituição.