Juliana Boechat
postado em 28/01/2011 08:00
A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República pediu esclarecimentos à reitoria da Universidade de Brasília (UnB) sobre um trote promovido com os calouros da Faculdade de Agronomia e Veterinária (FAV). No evento, realizado no último dia 11, mulheres foram fotografadas lambendo uma linguiça lambuzada de leite condensado. Ao redor delas, veteranos e veteranas achavam graça da situação. Segundo a ouvidora Ana Paula Gonçalves, autora da notificação, ;as calouras foram submetidas a uma encenação que incita ao sexo oral, ridicularizando e desrespeitando as mulheres;. O reitor da universidade encaminhou o documento ao diretor do curso, Cícero Lopes. Ambos condenaram o tipo de comemoração.Segundo a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Política para as Mulheres, a denúncia do trote partiu de alunas da universidade que não concordaram com o tipo da brincadeira. ;A denunciante se identificou e nos enviou as fotos. As fotos falam por si. É um gesto de violência e desqualificação das mulheres. É a permanência de gestos e posturas que coloca a mulher na situação subalterna, além de ser uma violência moral;, repudiou. Dependendo do posicionamento da UnB, a ministra pode oficiar o Ministério de Educação para solicitar reforço no tratamento dessa questão na instituição de ensino ou ainda informar o caso ao Ministério Público Federal. ;Ainda não fizemos isso. Não há porque não aguardar uma manifestação da UnB;, explicou.
O diretor da FAV, Cícero Lopes da Silva, considerou ;lamentável o trote ter chegado a esse nível; e concordou com a atitude da secretaria do governo federal. ;Eu sou contra qualquer tipo de trote;, afirmou. Segundo ele, em setembro do ano passado, os calouros da agronomia e veterinária foram aconselhados a não aceitar o trote. Os responsáveis pela organização da comemoração receberam a notificação de que a universidade não ficaria passiva se a brincadeira ultrapassasse os limites aceitáveis. ;Sou amigo pessoal do centro acadêmico e dos alunos, mas não tenho como deixar de lamentar o acontecimento. Eles foram avisados e agora sofrerão as consequências;, criticou. Cícero explicou que cabe ao centro acadêmico explicar o acontecido à Secretaria de Política para as Mulheres. ;Meu papel é institucional e essa parte nós fizemos;.
Polêmicas
A comemoração dos calouros da agronomia envolveu outras polêmicas. Como o Centro Acadêmico (CA) do curso fica no térreo do Minhocão, o barulho da algazarra incomoda professores e alunos nas salas de aula mais próximas. Na terça-feira do trote, as reclamações do barulho levaram o prefeito do câmpus, Paulo César Marques, e a decana de Assuntos Comunitários, Rachel Nunes, a conversar com os alunos. Os veteranos esperaram o fim de uma das aulas do dia para buscar os calouros e levá-los em fila até a frente do CA. Lá, as meninas protagonizaram a cena com a linguiça e alguns homens tiraram a blusa para deslizar no chão ensaboado da universidade.
Os veteranos ainda jogaram um jato de água nos calouros. Em seguida, o grupo foi para o gramado atrás do Minhocão para uma gincana em meio a uma piscina de água, verduras e legumes. Cerca de 150 pessoas acompanharam o trote, segundo a assessoria de comunicação da UnB. Para finalizar a comemoração, os recém-aprovados no vestibular pediram contribuição dos motoristas que passavam pela L2, em frente à universidade. Segundo os veteranos, o dinheiro seria doado a uma instituição de caridade. Muitos cursos utilizam o montante arrecadado para organizar o churrasco de boas-vindas dos novos alunos. O Correio procurou o presidente do centro acadêmico da agronomia, Caio Batista, mas ele não atendeu as ligações.
MEMÓRIA
22 de outubro de 2010
; Um trote realizado por um aluno de engenharia de redes da Universidade de Brasília acabou machucando o calouro Carlos Eduardo Leal. Ele recebeu sete pontos após cair e bater o queixo no chão. O trote foi realizado em um dos corredores da faculdade. Os novos alunos foram sujos de tinta e andaram agachados. Nesse momento, o aluno alegou que escorregou e caiu. Ele considerou o tombo como acidente.
21 de maio de 2010
; Alunos da engenharia civil passaram pelos corredores da UnB incitando a homofobia contra os arquitetos da universidade. As palavras de ordem incentivavam a rixa que existe entre os dois cursos. Entre as frases de ordem entoadas pelos iniciantes da engenharia estavam: ;Arquiteto bichinha, só brinca de casinha;, ;1, 2, 3, 4, 5, mil. Trote solidário vai pra p...;.
Cespe pode virar empresa pública
; Adriana Bernardes
O futuro do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe) da Universidade de Brasília (UnB) será discutido hoje em uma reunião do Conselho Universitário (Consuni). O impasse sobre os rumos da instituição se dá por duas razões. O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal a situação dos cerca de 500 trabalhadores contratados pelo Cespe sem carteira assinada e a forma de pagamento por meio de Gratificação por Cursos e Concursos (GCC). Ao mesmo tempo, o ministro da Educação, Fernando Haddad, declarou a intenção de transformar o centro em uma empresa pública ou autarquia, possibilidade que preocupa o meio acadêmico, que teme a perda de gestão e de recursos provenientes dos concursos públicos organizados pelo Cespe.
De acordo como decano de Administração e Finanças, Pedro Murrieta, a expectativa é de que este ano o Cespe fature R$ 260 milhões e, desse total, R$ 102 milhões sejam repassados à UnB. Diretor da Associação dos Docentes da UnB (Adunb), Ebnezer Maurílio Nogueira da Silva, avalia que o risco de se transformar o Cespe em uma empresa pública é a perda de autonomia e de receita para a universidade. ;O Cespe é nosso. Foi criado há mais de 20 anos para fazer os vestibulares e organizar concursos para outros órgãos como forma de conseguir receita própria para a universidade ter certa independência em relação ao governo federal;, destacou. ;Não podemos entregar o que construímos assim, de uma hora para a outra, e perder tudo o que fizemos;, defendeu.
Dificilmente o Consuni encontrará uma saída para o problema na reunião de hoje. Ao Correio,s o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, disse que levará aos conselheiros duas situações. Uma é o entendimento do TCU de que o quadro de pessoal é mantido de forma inconstitucional. A outra, diz respeito ao interesse do MEC de criar uma empresa pública de concursos. ;Precisamos saber o que a comunidade pensa a respeito desse assunto.;
A transformação do Cespe em empresa pública ou autarquia cria as condições de formação de um corpo técnico próprio. Atualmente, o centro faz contratações esporádicas e usa o corpo técnico da própria UnB na elaboração e correção das provas. No entanto, muitos desses profissionais trabalham na universidade em regime de dedicação exclusiva e, por isso, a prática é alvo de questionamento por parte do TCU.
Recursos
José Geraldo ressalta que o MEC tem grande confiança na capacidade técnica da UnB e respeito pela história bem-sucedida construída pelo Cespe, responsável por concursos do Enem, do Instituto Rio Branco, do Tribunal de Contas da União e da Polícia Federal, entre outros. De acordo com o reitor, uma alternativa é garantir na lei que a gestão dessa empresa ou autarquia seja da UnB e que os recursos continuem sendo destinados à universidade.
O assunto foi abordado pelo ministro Fernando Haddad em 21 de janeiro, quando ele comentou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que suspendeu as liminares referentes ao Enem e ao Sisu, concedidas em vários estados. Na ocasião, o titular do MEC disse ter pedido auxílio da área jurídica federal para discutir e propor novos modelos de contratação de serviços de desenvolvimento de rede. Na avaliação do ministro, o MEC não tem salários atraentes para contratar quadros seniores que possam, por exemplo, certificar o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), usado para a seleção de estudantes em instituições públicas de ensino superior desde 2010. Para o ministro, a transformação o Cespe em autarquia ou empresa pública é uma solução a ser discutida com a Casa Civil.