Cidades

Comerciantes vivem atrás das grades em Santo Antônio do Descoberto

postado em 30/01/2011 08:00
26/1
06:37

Uma volta pelas ruas da cidade revela o medo dos comerciantes. Principalmente nos bairros mais afastados do centro, a maioria dos donos de estabelecimentos atende os clientes protegidos por grades. Todos os entrevistados têm uma história de horror para contar. Proprietária de uma padaria no Parque Estrela Dalva, Hermínia Montalvão, 51 anos, já teve a loja arrombada quatro vezes e foi assaltada à mão armada em três ocasiões. Na última, o ladrão atirou no abdome de um amigo dela. ;Meu marido resolveu dormir na mercearia com um amigo para evitar novos arrombamentos. Mas os bandidos entraram assim mesmo e quase mataram o rapaz que estava com ele. Agora, resolvi deixar na mão de Deus. Rezo para abrir a porta de manhã e encontrar tudo no lugar;, afirmou.

Trabalhar sob tensão também é o que faz Roberto de Carvalho, 47 anos, dono de uma pizzaria. Há mais de 20 anos ganhando a vida no coração de Santo Antônio, ele já perdeu as contas de quantas vezes foi alvo de criminosos. A menos de 600 metros do seu comércio, há um posto da PM, mas, no local, por volta das 23h da última quinta-feira, não havia ninguém. Por força de lei, o comércio na cidade deve fechar nos dias de semana à meia-noite. Depois que as lojas encerram as atividades, quem também se recolhe é a PM. Na madrugada, a reportagem não viu nenhuma viatura. ;Eles (policiais) vão dormir depois da meia-noite. Os vagabundos sabem disso e praticam assaltos sem se preocupar;, contou um comerciante, que preferiu não se identificar.

O comandante da 11; Companhia Independente de Polícia, major Flávio Antônio de Lima, admitiu que as rondas ostensivas à noite não são constantes porque, muitas vezes, as viaturas ficam sem combustível. A logística deficiente para abastecer os carros contribui para o problema. Hoje, o único posto conveniado com a polícia de Santo Antônio fica em Águas Lindas. Só para encher o tanque da viatura, os policiais percorrem cerca de 70 quilômetros. Na Polícia Civil, o sucateamento é semelhante. A única delegacia da cidade não funciona após as 18h. Ocorrências de roubos, furtos e outros crimes são registradas em Águas Lindas. Além disso, a unidade conta com apenas 10 agentes.

TRANSPORTE
05:58
Calvário na madrugada
Às 4h, a movimentação de pessoas nas ruas já é intensa. São homens e mulheres rumo ao trabalho. Quase todos têm emprego no DF e levantam da cama muito cedo. O calvário do pedreiro José Luiz Rosado, 23 anos, e de sua esposa, a diarista Josélia da Luz, 26, começa às 3h50. Eles tomam café, deixam os dois filhos na casa dos avós e partem para uma longa caminhada do Bairro Queiroz até a Rodoviária. São cerca de 40 minutos. Para eles, o problema maior não é a distância, mas sim a insegurança. ;Já fomos assaltados três vezes indo para o trabalho. Saímos de casa rezando o pai-nosso, porque só Deus para nos proteger numa hora dessas;, contou o pedreiro.

Já a babá Ariana Oliveira, 27 anos, só sai de casa acompanhada de outros vizinhos, por volta das 4h20. Ela chega à rodoviária diariamente às 5h. Assim, garante um bom lugar no ônibus, que parte rumo à Asa Norte às 5h45 e sai do centro da cidade sem assentos disponíveis. A reportagem embarcou com a babá. Antes de o veículo cruzar a divisa com o DF, já não há mais espaço. ;Você não viu nada. Como está em época de férias, está até vazio. Sem contar que pagamos um absurdo de passagem;, reclamou. Na cidade, a empresa Taguatur detém o monopólio das linhas.

Sem concorrência, não investe na frota e, para piorar a situação, reajustou as tarifas no fim do ano passado. Para ir e voltar de Brasília, o passageiro tem de desembolsar R$ 8. O Ministério Público de Goiás (MPGO) pediu à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) um estudo para abrir licitações que permitam a entrada de novas empresas. Na semana passada, fiscais do órgão começaram a notificar os ônibus com problemas de superlotação.

SAÚDE
10:42
Dramas diários no único hospital
A lista do descaso se agrava quando o assunto é a saúde. No único hospital público da cidade, pacientes enfrentam uma longa espera. O Correio acompanhou o drama da gestante Vanessa Priscila de Andrade, 19 anos, e de sua sogra, Teresa Cristina Tavares, 41. A primeira tentava, novamente, fazer um pré-natal. Aos oito meses e meio de gravidez, ela só conseguiu realizar o exame uma vez. ;Nunca tem médico nos postos de saúde e nesse hospital;, disse. Já Teresa tentava uma explicação para o inchaço no pé. As duas chegaram à porta da unidade de saúde às 8h. Esperaram até as 15h e decidiram ir embora. ;Estamos com fome, não dá mais para ficar esperando a boa vontade de um médico para nos atender. Vou tentar em Brasília;, reclamou Teresa. No hospital, apenas dois clínicos se revezam no atendimento. Eles param para almoçar ao meio-dia e só retornam ao trabalho às 14h. A falta de servidores é apenas um dos inúmeros problemas. Faltam desde equipamentos como aparelhos de raios X até materiais básicos, como luvas e máscaras. Quando o médico verifica a necessidade de se fazer um exame mais aprofundado, encaminha o doente para hospitais do DF.

O caos na saúde pública pode ser resumido pela história publicada pelo Correio na última quarta-feira: a da dona de casa Regina Costa Lino, 34 anos, que chorou a morte do filho, Taysson, de apenas quatro meses, deitado sobre uma maca sem lençol, numa ala em obras do futuro centro cirúrgico do hospital. Depois de esperar cinco horas para saber qual destino seria dado ao corpo do filho, ela levou o menino direto para funerária. A direção da unidade alegou que não tem geladeiras para guardar os corpos. Do outro lado do município, uma obra parada de um hospital há 11 anos poderia minimizar o sofrimento da população. Mas, à época, o Ministério da Saúde intimou a prefeitura a devolver R$ 1,4 milhão de recursos repassados por suspeita de desvio da verba. O prefeito David Leite diz que o valor está sendo devolvido em parcelas e, quando for quitado, uma nova licitação será aberta para a retomada da benfeitoria.

EDUCAÇÃO
08:16
Sem dinheiro e abandonada
O município tem 27 escolas públicas, a maioria em estado de conservação precário. O sucateamento da educação tem, supostamente, participação direta do prefeito. Segundo o promotor de Justiça Daniel Naiff, no final de 2009, David Leite teria desviado cerca de R$ 2 milhões do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), recurso destinado pelo Ministério da Educação (MEC) para o pagamento de professores e investimento na melhoria das escolas. De acordo com Naiff, o prefeito usou o dinheiro para quitar dívidas com prestadores de serviço e advogados. Por essa suposta irregularidade, o MP ajuizou ação de improbidade administrativa, com pedido de afastamento de Leite. A Justiça goiana acatou o argumento do MP, mas o prefeito recorreu da decisão e conseguiu, ao menos por enquanto, se manter no posto.

Enquanto Leite se preocupa em se defender das denúncias, os docentes da cidade fazem milagre para ministrar aulas. O Colégio Estadual de Santo Antônio (foto) mais lembra um casarão abandonado. As paredes carecem de pintura, muitas carteiras estão quebradas e algumas turmas comportam até 50 alunos, um número inviável de acordo com as recomendações do MEC. No terreno, a obra de uma biblioteca e uma sala de vídeo é conduzida a passos de tartaruga. As paredes só foram erguidas graças a eventos promovidos pelos professores, como rifas e gincanas. Sem a ajuda da prefeitura, os educadores contam com doações para que o ambiente de estudo fique pronto. ;O MEC já nos ofereceu 10 computadores, mas desistiram porque nós não temos espaço adequado para instalar esses equipamentos;, lamentou a coordenadora da escola, Fátima Bernardes. Além das deficiências estruturais, o estabelecimento de ensino ainda sente a falta de professores. As aulas começaram no último dia 25, mas os cerca de 800 estudantes saíram mais cedo porque não havia quem lecionasse inglês e matemática.

INFRAESTRUTURA
07:09
Pouco asfalto e muito buraco
Ter carro em Santo Antônio não é sinônimo de conforto. Por todos os lugares, crateras engolem o asfalto, por sinal, de péssima qualidade. São tantos buracos que, hoje, o negócio mais lucrativo no município é abrir uma mecânica. Apenas na avenida principal existem 16 borracharias e oficinas. Uma das vítimas das vias malcuidadas foi o vigilante Jairo Holanda, 39 anos, que desembolsou R$ 300 para consertar o suporte do câmbio e uma das rodas, danificadas depois que ele caiu numa ;vala; aberta no meio de uma das principais pistas da região. ;Fui desviar de um buraco e caí em outro. É um descaso total;, revoltou-se. Se a pavimentação é um drama para quem dirige, pior para aqueles que andam à pé. Numa das regiões mais pobres do Entorno, muitas ruas ainda não foram asfaltadas. O estudante Gabriel Oliveira da Silva, 16 anos, mora no Jardim Beatriz I e anda cerca de 15 minutos até chegar à parada de ônibus mais próxima para pegar uma condução que o leve à escola.

Para evitar chegar sujo ao colégio, ele protege o par de tênis com sacolas. ;Na seca, sofremos com a poeira; e na chuva, é a lama. Desde que eu me entendo por gente vários prefeitos já passaram por aqui prometendo asfaltar, mas quando acaba a eleição, eles somem;, denuncia. Outro problema estrutural que tira o sono da população é a situação das três pontes que ligam o bairro Queiroz ao centro da cidade. Duas já caíram e uma está interditada porque a cabeceira ameaça desabar. Dois dias depois da manifestação em Santo Antônio, a prefeitura da cidade, com a Agência Goiana de Obras Públicas (Agetop), iniciou um estudo para reformar os acessos.

O recapeamento de algumas vias no centro começou a ser feito, mas os bairros mais afastados continuam a sofrer com a falta de investimentos. Segundo o presidente da Agetop, Jayme Rincon, o governador de Goiás, Marconi Perillo, está disposto a ajudar o município, mas, hoje, como a prefeitura acumula dívidas referentes ao recolhimento de INSS e FGTS no valor de quase R$ 23 milhões, convênios não podem ser firmados para ajudar a cidade.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação