Dona Toinha tem um jeito simples de levar a vida. Não precisa de muito para sentir-se feliz, só da família reunida, de saúde e de idas frequentes à igreja evangélica de cuja doutrina é seguidora. Quem olha para a senhora de estatura média, dona de um jeito acolhedor e de fala mansa, não imagina que aquelas mãos alimentaram gente poderosa. Durante 12 anos, ela trabalhou na equipe da cozinha do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes. Era a responsável pelo irresistível cheiro de pão quente que se alastrava pelos corredores do nobre local, todos os dias.
Em casa, no centro da sala bem arrumada, em Sobradinho, Dona Toinha ;que nasceu Antônia de Amorim ;, 72 anos, guarda a sua relíquia. A foto emoldurada, ao lado dos retratos de família, mostra a senhora abraçada ao então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Antônia não esconde a admiração pelo operário que chegou ao cargo mais alto da política no país. Também se lembra com carinho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da mulher dele, Ruth Cardoso, que morreu em junho de 2008.
Mineira de Conceição do Mato Dentro, ela conviveu durante mais de uma década com os homens de terno e suas primeiras damas. Conhece bem as preferências gastronômicas e a personalidade de cada um deles. Chegou a Brasília em 1960, dias antes da inauguração da nova capital. ;Uma colega me chamou um dia, às 4 horas da tarde, e à noite a gente embarcou para o Rio, para de lá vir para Brasília. Não deu nem tempo de criar expectativa e fazer planos;, lembra.
Sonho
Em Brasília, a mineira trabalhou como empregada doméstica em várias residências. Em 1977, prestou concurso para o Exército e foi aprovada. À época já era casada com Antônio Machado, com quem teve três filhos. O marido, que hoje tem 76 anos, havia trabalhado como motorista no Palácio do Planalto. Antônia passou a integrar o time que comandava a cozinha do hoje chamado Ministério da Defesa. Ao passar em frente ao Palácio da Alvorada, sonhava, literalmente, conhecer aquele lugar. ;Eu tive um sonho que lá era bonito, tinha um lago e barcos.;
Após muitos anos no Exército, Antônia pediu ao superior pare ser cedida ao Alvorada. Precisou esperar dois anos para ver o desejo atendido, por conta da burocracia e de outros pedidos colocados na frente do seu. Mas conseguiu. Em 1996, lá estava Dona Toinha, perfumada e bem-vestida, entrando no Palácio da Alvorada. ;Era igualzinho no meu sonho. Lindo.;
Antônia foi contratada como salgadeira. Fazia, além dos famosos pãezinhos, vários outros quitutes, como o biscoito de polvilho, a popular peta mineira. Ajudava também, quando necessário, no preparo das refeições da família do presidente Fernando Henrique Cardoso. Antônia trabalhou na equipe da chefe de cozinha Roberta Sudbrack, a primeira profissional da gastronomia a ser admitida no Palácio da Alvorada. Até então, as refeições eram preparadas por cozinheiros ligados ao Exército. ;Ela me ensinou muita coisa. Passamos a usar ingredientes sempre melhores;, conta.
Preferências
Os presidentes, segundo Antônia, costumam frequentar pouco a cozinha, localizada no primeiro piso do palácio. Já as primeiras damas não ficavam muito tempo sem checar o bom andamento do cômodo de onde saíam o café da manhã, o almoço, o lanche e o jantar de todos os dias. FHC, homem requintado, como descreve Antônia, visitava pouco a área de preparo. ;Dona Ruth, apesar de muito atarefada, aparecia quase sempre e falava com todo mundo.;
O ar intelectual de FHC, que ;falava vários idiomas;, destaca ela, deixava os funcionários um pouco ressabiados. No cardápio dos Cardosos, havia pratos simples e requintados. Picadinho de carne, peixes, cordeiro e risotos. ;Eles eram viajados, gostavam de comer coisa boa. Às vezes chamavam quem tinha feito, para elogiar.;
Mas ninguém resistia às petas e pães de Dona Toinha. ;Faziam sucesso, viu? Graças a Deus. A filha do presidente (FHC), a dona Luciana, adorava meus biscoitos. Dona Ruth mandava até para os parentes, no Rio e em São Paulo, eu acho. Eu já não trabalhava mais lá quando ela morreu, mas fiquei muito triste. Era uma boa mulher.;
Ao fim do segundo mandato de FHC, Lula assumiu. ;Todo mundo achou que só ia ter buchada de bode;, brincou Dona Toinha. O presidente demonstrava grande apetite por churrasco, cozidão e canja com pé de galinha. ;O pessoal tinha que comprar na feira o saco de pé de galinha. Ele adora. Mesmo quando tinha ministro lá para o jantar, ele não queria nem saber, mandava servir mesmo assim;, lembra, aos risos.
Personalidade
O convívio entre os funcionários do Alvorada e Lula era mais próximo, segundo Antônia. ;Ele era mais de cumprimentar, de conversar. Mas quando não gostava de alguma coisa, falava mesmo, mandava voltar o prato. Ele tem uma personalidade forte, é o jeito dele, sabe? Dona Marisa é bem legal. Era mais dona de casa que dona Ruth. Ia mais à cozinha, ficava mais em casa.;
A foto ao lado de Lula que está na sala de Antônia foi tirada no dia do aniversário do então presidente. ;No mesmo dia, a eleição tinha ido para o segundo turno. Ele estava tão triste, abatido. Fiquei com dó. A gente apareceu cedo, fez um monte de bolo e festa pra ele.; Quando sabiam que Antônia trabalhava tão perto das autoridades, os vizinhos de Sobradinho queriam mandar recados e cartas aos presidentes por intermédio dela. Mas Antônia diz que nunca entregou. Não gosta de misturar as coisas. Ainda assim, quando os presidentes tomavam alguma medida impopular ; como cortar ou não conceder alguma gratificação a servidores públicos ;, Antônia dava seu jeito de comentar a ;pisada na bola; com o chefe. ;Eu dizia: ;Presidente, como o senhor fez isso?;.;
Hoje, ao cogitar uma disputa presidencial entre Lula e FHC, ela fica em cima do muro, na hora de declarar o voto. ;Os dois foram muito bons e também fizeram algumas coisas de que não gostei. Não sei em quem votaria;, afirmou. Atualmente, ela cozinha somente para a família. Pensou em abrir um café, ;bem sofisticado;, como gosta de dizer, mas desistiu da ideia para ter mais tempo de ir à igreja. Antônia acostumou-se com a companhia de poderosos. Agora quer ficar cada vez mais perto de Deus.
Dona Toinha, sobre FHC e Lula