Cidades

Águas Lindas sem saneamento básico, asfalto, saúde, educação e segurança

postado em 31/01/2011 08:00
Lucimária, Inês e Terezinha aguardam ônibus ao relento, em uma rotina diária de descaso do poder público: Cerca de 80 mil pessoas saem de Águas Lindas de Goiás e percorrem 44km todos os dias rumo a Brasília. Sem emprego suficiente no município goiano, é em Ceilândia e em Taguatinga que muitas famílias trabalham para tirar o sustento. Além da distância, os aguaslindenses enfrentam dificuldades com o transporte, que demora até uma hora para passar, dependendo do destino. Quando o coletivo chega, normalmente lotado, o jeito é se espremer entre os passageiros e aguardar o término da viagem, que dura cerca de uma hora até a Rodoviária do Plano Piloto.

Além do sofrimento da demora e do preço da passagem (R$ 4,25), o passageiro tem de esperar o ônibus ao relento. O único abrigo é o guarda-chuva dos vários quiosques de balinhas instalados à beira da pista. ;É muito difícil ficar nesse sol. E quando chove? É ruim demais colocar o pé na lama e chegar molhada no serviço;, disse a auxiliar de serviços gerais, Lucimária Alves Moura, 31 anos. Ela e mais duas pessoas, a aposentada Inês Chaves Ferreira, 59, e a filha Terezinha Alves Melo, 37, aguardavam ônibus para Taguatinga. A espera demorou pouco mais de 40 minutos. ;Ônibus lotado é gentileza para nós. Andamos espremidos. Estamos num estado de calamidade. Moramos aqui porque precisamos. Foi onde conseguimos comprar um lote, mas é realmente muito difícil;, disse Inês.

As dificuldades com o transporte estão entre as mais graves enfrentadas pela população. Na lista, também está a falta de segurança, de saúde e de saneamento básico. Para se ter noção do que ocorre, Águas Lindas é um dos 10 municípios mais violentos do país, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ela é ainda uma das mais inseguras do Entorno. Em 2009, houve 74 homicídios. De janeiro a novembro de 2010, o Centro Integrado de Operações Policiais (Ciops) registrou 85 assassinatos.

Os índices são um reflexo do aumento populacional desordenado, acompanhado da falta de investimentos do governo. Hoje, o número de habitantes do município goiano é estimado em 159.505 pessoas, de acordo com Censo 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A quantidade de habitantes teve crescimento de 50,8% nos últimos 10 anos, superando a média nacional de 12,3%.

O delegado-chefe do Ciops, Hylo Marques, reclamou da urgente necessidade de investimentos nos equipamentos de segurança. Disse que é preciso modernizar o sistema, contratar mais agentes e comprar carros. São apenas 49 policiais e oito viaturas. Quando alguém é assassinado, o corpo chega a ficar até oito horas no chão, à espera de um rabecão para ser recolhido. O veículo vem de Luziânia (GO), distante 190 km. É o mesmo que atende todos os municípios vizinhos, como Cocalzinho, Padre Bernardo, Valparaíso, Cidade Ocidental e Cristalina.

As baixas condições de salários dos agentes também os fazem migrar para locais melhores. Em Águas Lindas, pelo menos 10 agentes deixaram a unidade no início do ano após passar em concurso e ser admitido em Brasília. Enquanto o salário de um policial civil no DF chega a R$ 7 mil, em Goiás a remuneração é de R$ 2,7 mil. ;Apesar da pouca estrutura, os policiais estão prendendo os criminosos e dando uma resposta à sociedade, mas eu lamento o recurso que se aplica na segurança do Entorno de Brasília. O resultado disso é a inoperância da polícia e a ineficácia nas investigações;, destacou o delegado.

Medo
Francisca*, 72 anos, é dona de uma padaria no Setor Barragem I. Em outubro deste ano, ela teve uma arma apontada para a cabeça. Três jovens chegaram de bicicleta pouco antes do meio-dia, passaram por clientes e anunciaram o assalto. Levaram cerca de R$ 1 mil em dinheiro e maços de cigarro. O trauma fez Francisca colocar grades na entrada. Assim, os clientes passaram a ser atendidos do lado de fora. ;Não confio mais em deixar aberto. A hora que eu vejo alguém de boné e bermuda eu já fico tremendo de medo;, disse.

A estudante de nutrição Camila*, 21 anos, também é vítima da violência. Em dezembro do ano passado, a jovem sofreu um estupro durante o dia. Eram 15h quando ela ia para a casa do namorado e o homem com vestimenta de ciclista se aproximou e mandou que ela subisse na garupa. O estuprador a levou para um matagal próximo e, depois de abusá-la, ordenou que ela não saísse do local por pelo menos cinco minutos. ;Não sabia se eu gritava ou se chorava. Ele dizia que ia me matar se eu fizesse alguma coisa. Fiquei sem reação;, contou Camila.

A vítima levou a reportagem do Correio até o local do crime. A área fica distante apenas 300 metros da casa dela. Ninguém viu nada, e o autor não foi preso. No dia seguinte, outra garota foi abusada na mesma região. Ela descreveu o criminoso com as mesmas características do homem que estuprou Camila. ;Aqui tem muito mato, não tem nem iluminação e é longe de tudo e de todos. Foi revoltante o que aconteceu comigo porque nunca vi polícia passando por aqui;, reclamou.


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