Juliana Boechat
postado em 01/02/2011 08:03
A infraestrutura de Valparaíso de Goiás não acompanhou o crescimento populacional acelerado da cidade ao longo dos últimos 10 anos. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o município contou com o segundo maior inchaço do Entorno do Distrito Federal, atrás apenas de Águas Lindas. Há uma década, 94.856 pessoas moravam na região. Agora são 132.947 ; aumento de 40,1%. Em contrapartida à expansão, a população vive sem hospital, tem dois postos policiais disponíveis apenas durante o expediente comercial e altos índices de criminalidade. A falta de condições básicas de sobrevivência leva os moradores a buscarem oportunidades nas regiões administrativas do Distrito Federal vizinhas geograficamente.Os principais problemas rondam as áreas da saúde e da segurança. A dona de casa Kamila Rodrigues Morais, 18 anos, evita ao máximo ir ao hospital. Mas quando vários caroços vermelhos apareceram no rosto da filha Laura, de um mês, não teve como escapar. Preocupada, a moradora de Santa Rita, um dos bairros carentes de Valparaíso, pegou dois micro-ônibus para chegar ao Centro de Atendimento Integrado à Saúde (Cais) e enfrentar uma longa espera por atendimento. Naquele dia, quatro médicos atendiam os pacientes: um pediatra, dois clínicos-gerais e um obstetra. ;Quando preciso de hospital, já sei que vou esperar um bom tempo na fila. Quando é algo grave, vou direto para o Gama;, explicou. Apesar de receber a maior demanda da região e das redondezas, o Cais não passa de um posto de saúde. Exames e casos de internação são encaminhados para o Distrito Federal.
Segundo o secretário de Saúde de Valparaíso, Francisco de Carvalho Martins, o hospital municipal será inaugurado ainda no primeiro semestre deste ano. No entanto, a estrutura já está defasada em relação à realidade da cidade. O projeto de 1992 previa a demanda de aproximadamente 90 mil pessoas, enquanto hoje ultrapassa 100 mil. Uma forma de desafogar o sistema, segundo ele, é levar a Saúde para perto da comunidade. ;São 27 Postos de Saúde da Família e seis unidades básicas de saúde, uma em cada bairro. Dessa forma, queremos desafogar o Cais e evitar a remoção de pacientes para Brasília;, disse. Em outubro do ano passado, 256.329 pessoas foram atendidas no Cais de Valparaíso. Aproximadamente 150 médicos fazem parte da rede de saúde do município. ;Temos dificuldade em contratar profissionais. Todos moram no DF, enfrentam trânsito e salários menores para trabalhar aqui;, explicou Oswaldo de Sousa, diretor administrativo do centro.
A Quadra 74 do bairro Céu Azul conta com um Posto de Saúde da Família (PSF). O carro responsável pelo transporte de pacientes fica estacionado na rua sem asfalto. Poucas pessoas se atrevem a passar pelo barro escorregadio e esburacado do caminho. Ambulância e viaturas policiais não encaram as crateras. Na mesma reta, algumas casas cobram melhorias da prefeita, Lêda Borges: ;Onde está o asfalto, Lêda?;, lê-se em um faixa. A falta de infraestrutura leva à violência: o mato alto serve de esconderijo para assaltantes. Praticamente todos os dias, o vigilante Gilvan Carlos de Sousa, 28 anos, anda por ali com a filha Giovanna, 3. Em uma bicicleta cor de rosa com rodinhas, a criança precisa da ajuda do pai para pedalar. ;Quando chove, não conseguimos passar. E à noite é muito perigoso. Há um tempo, eu e meu sogro podamos o mato para acabar com assaltos e uso de drogas;, explicou. Tijolos nos buracos amenizam as erosões.
Gilvan aponta várias casas que já foram assaltadas na quadra. A maioria dos moradores, no entanto, evita procurar a polícia. O Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) mais perto da região funciona das 8h às 18h apenas para registro de boletim de ocorrência. À noite e nos fins de semana, a solução é recorrer à sessão de flagrantes em Luziânia, a mais próxima. Até 9 de dezembro de 2010, 2.700 ocorrências haviam sido registradas e 1.202 inquéritos, abertos. ;Grande parte dos crimes acontecem nos fins de semana porque Valparaíso ainda é uma cidade-dormitório. Então, grande parte dos casos são levados para a outra cidade;, explicou o agente da delegacia, que preferiu não se identificar.
A impunidade calou a cabeleireira Maria*, 32 anos. A mãe de quatro filhos foi assaltada duas vezes em menos de um mês. Ela não procurou a polícia com medo de o responsável pelo crime puni-la pela denúncia. No primeiro ataque, o portão de casa foi arrombado em troca de um par de tênis. No último dia 3, o assaltante levou eletrodomésticos. ;Eu tenho certeza de quem é o responsável. Meu filho viu o sapato no pé de outro garoto, mas o aconselhei a não arrumar briga. Tenho receio por ele;, contou. As amigas de Maria a orientaram a procurar outro lugar para morar, mas ela ainda resiste. A poucos metros da casa de Maria, três meninos com menos de 18 anos contavam histórias pregressas de violência na manhã do último dia 9. Um deles saiu recentemente do centro de reintegração de jovens por tráfico de drogas, latrocínio (roubo com morte) e porte de armas.
*Nome fictício para preservar a identidade da vítima
Apenas 22% têm sistema de esgoto
Atualmente, Valparaíso de Goiás conta com quase 40 bairros. Desses, apenas nove têm sistema de esgoto ; representam 22%. A rede pluvial e o asfalto não abrangem a totalidade do município. A falta de infraestrutura causa transtornos diários aos moradores da região. ;Não estamos asfaltando sem a implantação da rede pluvial. Mas encanamento para o escoamento das chuvas é caro. Esse é nosso maior desafio;, explicou o diretor da Divisão de Serviços Gerais da Prefeitura de Valparaíso, Irineu P;ttker Sobrinho. Quando chove, as ruas ficam alagadas. Outra questão que preocupa o governo local e a população é a limpeza da cidade. ;Temos que desenvolver um trabalho forte de conscientização. A gente limpa e dali a 14 dias está sujo de novo e o mato, alto. O município não tem recursos;, reclamou P;ttker Sobrinho. Valparaíso recebe verbas do Fundo de Participação dos Municípios e arrecada pouco de impostos por não ter indústria e contar com um comércio principiante.
Sem asfalto nas ruas, o sistema de transporte coletivo roda apenas pelos caminhos possíveis. Céu Azul é o bairro mais atendido. Há três meses, a Secretaria de Transportes renovou a frota. As 40 vans, de 15 assentos cada uma, foram substituídas por 28 ônibus de 26 lugares cada. ;Além de aumentar a quantidade de lugares, tem acessibilidade ao deficiente físico e local específico para o cadeirante;, explicou o secretário Alceu Nascimento Gomes Soares. A prefeitura colabora com o trabalho da Viação Anapolina, única empresa que roda na cidade. ;Complementamos os percursos deles. À noite, por exemplo, eles não chegam a alguns setores por causa da violência;, contou. Segundo Alceu, apenas dois casos de assalto a micro-ônibus foram registrados este ano. No próximo ano, outra empresa deverá entrar na disputa pelos passageiros.