Cidades

Concurso de marchinhas espera composições até o próximo dia 10

Há 32 anos, o Pacotão anima o carnaval brasiliense com letras irônicas que falam sobre política, não poupando nem a direita nem a esquerda. A ordem é manter a tradição da irreverência, e este ano não será diferente

Flávia Maia
postado em 04/02/2011 08:05
A pasta de plástico transforma-se em pandeiro e o guardanapo é o apoio da memória para registrar a letra que acaba de surgir. No conteúdo, ironia com a rachadura da Ponte JK e o governo: ;Agnelo, seu governo rachou / Igual à Ponte JK / Falta saúde, segurança e educação / E o PMDB vai te deixar na mão;. Pronto! Na mesa do Café Eldorado, no Conic, nasce mais uma marchinha de Wilson Vaia para concorrer ao direito de ser cantada pelos foliões no domingo e na terça de carnaval no bloco do Pacotão.

Compositores do mais tradicional bloco brasiliense têm como única regra o uso do humor em suas letras: criticar é o mais importanteCom 13 marchas já inscritas para o carnaval de 2011, o concurso espera mais composições até o próximo dia 10. A etapa eliminatória será no dia 12, no Clube da Imprensa, onde serão escolhidas três músicas para guiar a passeata do bloco. As regras para participar são simples: letras ironizando algum episódio de relevância no noticiário político nacional e mundial. ;Pedimos marchinhas com humor e ironia para dar o troco ao que os políticos fazem conosco;, resume o cartunista Joanfre, conhecido como Joka Pavaroti. Para essa seleção, nem o site WikiLeaks escapou de ser transformado em versos e melodia pelo maestro Jorge Antunes: ;Eu vi no WikiLeaks uma carta de amor / Era do Agnelo, apaixonado pela Eurides Blitz;.

Sempre com a ironia na ponta da língua e a obrigatória ligação com a política, as marchinhas com pitadas de sarcasmo não defendem a direita nem a esquerda, mas cultuam a crítica aos absurdos políticos ; o que pode irritar os ;homenageados;. Joanfre conta que, certa vez, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não emprestou o aparelho sonoro, alegando que todos os equipamentos já estavam sendo usados. Coincidência ou não, no mesmo ano a marchinha campeã era a Dedo do Lula, de José Antônio Filho, e colocava em xeque o acidente do então presidente da República no tempo em que ele era operário metalúrgico. Com Roriz não foi diferente: o compositor Antônio Soares diz que chegou a brigar com um simpatizante do político por causa de uma letra.

Contra qualquer tipo de censura, o bloco, criado durante a ditadura militar, resolveu não vetar a polêmica marchinha de Jorge Antunes que concorre este ano: ;A sapa não esquece a tortura / que aquela picadura / do mosquito lhe causou;. Diversos companheiros do grupo consideraram a música ofensiva aos amigos torturados no período autoritário.

Na seleção deste ano, Joanfre assegura que a escolha das marchinhas não será ;como a do presidente da Câmara dos Deputados;, sobre a qual ele comenta: ;Todo mundo sabia quem ia ganhar;. As músicas vencedoras serão puxadas por um intérprete que ficará com a banda em uma carreta baixa, uma vez que o bloco não gosta de trio elétrico. ;O Pacotão é uma resistência do carnaval antigo;, diz Ivan da Cuíca.

História
O bloco Sociedade Armorial Patafísica Rusticana, o Pacotão, foi criado em 1978 por um grupo de jornalistas. O nome é uma homenagem ao Pacote de Abril, um conjunto de controvertidas leis lançado pelo general Geisel. O responsável pelo grupo é Charles Preto, uma figura criada para despistar os militares de qualquer problema envolvendo o bloco. Mas nem o nome do personagem vem por acaso: ele homenageia Carlos Black Pereira, presidente do Departamento de Turismo da época.

Os amigos Joanfre, Ivan da Cuíca e Antônio Soares estão no bloco desde o começo. Wilsinho Red, conhecido como Wilson Vaia, integra o Pacotão há menos tempo, mas já coleciona histórias. Inclusive a alcunha ;vaia; surgiu porque ele escreveu uma marchinha e, enquanto a cantava na chuva, o guardanapo com a letra foi se desintegrando e ele não sabia o que fazer. Nisso, o público começou a vaiá-lo e o resultado é o apelido que carrega até hoje.

A ironia, o humor e a cerveja são as únicas exigências do Pacotão, que já teve em sua composição 15 mil foliões. Hoje, a média é de 5 mil. ;Preferimos ser conhecidos como a Comissão Desorganizadora;, brincam Joanfre e os companheiros de samba, que não querem a responsabilidade de comandar a folia.


Ainda é tempo
Interessados em participar do Pacotão podem enviar as letras ou uma gravação da marchinha em formato MP3 para o e-mail pacotaofolia@gmail.com.

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