Cidades

Formatos alternativos do trote vão, aos poucos, simpatizando universitários

postado em 05/02/2011 08:00

Neide Fonseca (E), do UniCeub, com os alunos: trabalho de conscientização social tem dado certoA cada período letivo o ritual se repete: os estudantes recém-chegados à universidade passam pelo célebre trote, que muitas vezes envolve atividades violentas e humilhantes realizadas pelos veteranos. Para desestimular esse tipo de prática, o Prêmio Trote da Cidadania, em sua 13; edição, recompensa projetos que integrem os calouros à comunidade acadêmica e os envolva em atividades que beneficiem a própria instituição de ensino e a sociedade. Podem concorrer ao prêmio iniciativas de alunos dos níveis superior e técnico de todo o país. As inscrições estão abertas até 4 de abril no site www.trotedacidadania.org.br.

;Devemos direcionar o potencial de mobilizar pessoas para algo positivo, que agregue a comunidade, em vez de fazer brincadeiras que podem ser violentas e humilhantes;, defende Marina Carvalho, coordenadora de projetos da Fundação Educar Dpaschoal, responsável pela realização do prêmio. No endereço da internet, há cartilhas que ensinam a elaborar projetos de trote solidário e sugerem atividades a serem realizadas. Também há um banco que descreve projetos inscritos em edições anteriores e serve de inspiração para novos empreendimentos.

Os projetos de estudantes de nível superior competem em quatro categorias. A principal delas, denominada Ação, concede a cada membro da equipe responsável pelo melhor trote um crédito no valor de R$ 1 mil, a ser usado com alguma finalidade acadêmica. Os projetos de alunos de ensino técnico participam de categoria única, que entrega um notebook a cada membro da equipe ganhadora. A avaliação é feita de acordo com quatro critérios: inovação, sustentabilidade, potencial de envolvimento dos acadêmicos e impacto social.

Na edição de 2010, foram inscritos 52 projetos oriundos de 15 estados. O grande vencedor foi o Trote da cidadania pelo consumo consciente, desenvolvido por estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No ano passado, quando as categorias eram outras, o projeto da Unicamp foi premiado em duas das principais delas: sustentabilidade e envolvimento da comunidade acadêmica. O trote realiza atividades durante quatro dias da primeira semana de cada semestre letivo. Os calouros recebem canecas de plástico, que devem ser utilizadas em substituição aos copos plásticos descartáveis. Na companhia dos veteranos, também podem assistir a palestras com temas como aproveitamento total de alimentos e descarte correto de lixo eletrônico.

Os alunos ainda visitam instituições infantis, onde convidam os pequenos a participar de jogos que tentam conscientizá-los da importância do consumo consciente. ;Dessa forma, a criança, no futuro, será um adulto responsável e vai conseguir mudar a sociedade em que está inserida;, acredita o coordenador-geral da Comissão Organizadora de Trote Cidadão da Unicamp, André Caetano Prado. Os universitários também vão a cooperativas de reciclagem, onde aprendem a fazer a coleta seletiva do lixo, e doam gêneros alimentícios para o Banco Municipal de Alimentos de Campinas, que os destinam a famílias carentes da região.

Trabalho voluntário
;A gente trabalha o consumo consciente como uma forma de cidadania. Buscamos associar a parte social à ambiental, e a comunidade como um todo sai ganhando;, comenta Prado, estudante de engenharia química. Idealizado por cerca de 60 alunos dos cursos de pedagogia e das engenharias química e elétrica, o trote solidário começou em 2003 e hoje mobiliza mais de 1,2 mil estudantes. ;A cada edição, trazemos alguma novidade;, informa o coordenador-geral. ;Neste ano, pensamos em também visitar asilos para estimular o trabalho voluntário.;

No estado de São Paulo, o trote universitário ;tradicional; é proibido desde 1999, quando foi aprovada a Lei 10.454. A medida abole qualquer atividade feita ;sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos; e estabelece que as instituições de ensino adotem mecanismos preventivos. Em 2010, a Unicamp criou uma espécie de ;disque-trote;, o OuveSae. O telefone é ligado ao Serviço de Apoio ao Estudante da Pró-Reitoria de Graduação e recebeu apenas três denúncias até hoje, sem que nenhuma motivasse sanções acadêmicas. ;A melhor forma de acabar com esse tipo de prática é denunciar e punir os responsáveis, ao mesmo tempo em que estimulamos os trotes solidários;, avalia Prado. ;Humilhar calouro é muita covardia. Ele deve ser recebido da forma mais amigável.;

O Prêmio Trote da Cidadania de 2011 não regista entre seus inscritos, por enquanto, nenhum projeto do Distrito Federal. Há alguns anos, porém, essa forma alternativa de trote é realizada em universidade locais. Na Universidade de Brasília (UnB), o evento surgiu no segundo semestre de 2008 por iniciativa de alguns centros acadêmicos (CAs). A partir de 2009, o trote passou a ser encabeçado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE). ;Na próxima semana, vamos nos reunir com representantes dos CAs para planejar o trote solidário do próximo semestre. É provável que ele ocorra na primeira quinzena de abril;, antecipa Mel Bleil, coordenadora-geral do DCE.

Como nas edições anteriores, o trote solidário deverá estimular a doação de sangue por meio de parceria com a Fundação Hemocentro de Brasília, que leva sua unidade móvel até a UnB. Também é feita a arrecadação de alimentos, brinquedos e livros para serem entregues a alguma instituição de ensino vinculada a projetos da universidade. No último trote, do qual participaram quase 600 estudantes, a escolhida foi a organização não governamental Viver, situada nas cercanias do lixão da Cidade Estrutural. ;Nessa vez, conseguimos 4 toneladas de alimento não perecível;, comemora Mel.

Na UnB, aumenta o número de adeptos da corrente que descarta atitudes humilhantes aos acadêmicos

Doações
Os alunos da UnB também visitam a instituição e organizam brincadeiras, gincanas e oficinas com os jovens atendidos. ;Os calouros ajudaram a reformar uma sala do local e fizeram uma horta, em parceria com a galera do curso de engenharia florestal;, complementa . Segundo a coordenadora-geral do DCE, o trote solidário é uma ;forma inteligente; de receber os novatos no ambiente acadêmico. ;A vantagem é garantir que haja um rito de passagem, mas sem haver hierarquia entre veterano e calouro, e os calouros acabam se dando conta da função da universidade, que deve prestar contas à sociedade;, analisa.

No Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), o trote solidário é realizado desde 2005 e planejado com a participação de alunos. No próximo semestre letivo, a grande novidade será a realização de um cadastramento de interessados em doar medula óssea. Sob a supervisão do Hemocentro de Brasília, a ação será feita nos três câmpus do instituto, localizados na Asa Sul, na Asa Norte e na Ceilândia.

No câmpus do Iesb na Asa Sul, serão instalados estandes da Narcóticos Anônimos e da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), que divulgará seu trabalho de combate ao câncer infantil. Os calouros participarão de uma gincana para arrecadar material destinado à instituição. ;O aluno pode levar parente, amigo, gente de fora do Iesb. É um evento de sensibilização e conscientização;, afirma o estudante de publicidade Luis Henrique Guimarães, que colaborou no planejamento das atividades.

Desde 2000, o Centro Universitário de Brasília (UniCeub) também realiza seu trote solidário, com a colaboração de seu Diretório Central dos Estudantes (DCE). As atividades da próxima edição do evento, a 12;, ainda sem data para ocorrer, serão desenvolvidas em duas frentes, assim como nos anos anteriores. De um lado, uma gincana é disputada por turmas de calouros, que devem arrecadar material escolar, roupas e alimentos para comunidades carentes. ;Dessa vez, vamos doar para o Instituto Brilhar, no Lago Norte, e o excedente será entregue a outros projetos sociais;, informa a presidenta do DCE, Gabriela Benício.

O trote do UniCeub, a exemplo do que ocorre na UnB, também incentiva a doação de sangue. Uma unidade móvel do Hemocentro de Brasília é levada até a instituição. ;Como a maioria dos estudantes nunca doou sangue, explicamos nas salas de aula como é que funciona, distribuímos panfletos;, detalha a professora Neide Fonseca, idealizadora da ação e integrante do Núcleo de Apoio ao Discente do UniCeub. ;Nossa ideia não é só recolher o sangue ali na hora, mas começar a formar novos doadores. É um modo de educar para servir.;

No semestre passado, foram contabilizados 41 doadores. ;Foram tantas as inscrições de interessados que tivemos que rejeitar algumas e orientá-los a se dirigir ao próprio Hemocentro;, lembra Neide. Se depender dela, o trote tradicional será extinto. ;Em vez de fazer aquelas brincadeiras desagradáveis, devemos realizar atividades de recepção de forma que os alunos desenvolvam senso de responsabilidade social e espírito de fraternidade;, comenta. A presidenta do DCE concorda: ;O trote solidário estimula a união, o companheirismo, e é muito bem aceito pelos alunos. O outro trote é feio, violento e denigre a imagem das pessoas;.

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