Quando as coisas vão mal no serviço público, alguém precisa ser responsabilizado na Justiça pelo desperdício de milhões de reais. A figura do gestor de contrato, o servidor público designado para verificar se a empresa executa o trabalho ou o fornecedor entregou a mercadoria exatamente como previsto, virou profissão de risco no Distrito Federal. Em meio a tantas irregularidades constatadas por órgãos de controle ; como Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) ;, fica evidente a estratégia de utilizar esses funcionários de confiança do segundo e terceiros escalões como escudos do primeiro time do governo ou até mesmo do chefe do Executivo.
Na sexta-feira, o governador Agnelo Queiroz (PT), ao anunciar o Plano de Transparência e Combate à Corrupção, assinou decreto com novas regras para a escolha dos gestores. Agora, contratos com valor acima de R$ 150 mil serão acompanhados e fiscalizados por servidores de carreira. Prática comum no passado recente, comissionados sem vínculo com a administração estão impedidos de assumir essa atribuição. A exigência foi justificada como uma forma de evitar que apadrinhados sejam escolhidos sob medida para atestar como regulares contas superfaturadas, serviços não prestados ou autorizar aditivos ilegais de contratos milionários.
O atual secretário de Transparência, Carlos Higino, define o cenário: segundo ele, nos últimos anos essa prática acabou por fomentar a corrupção. ;Qual era a estratégia de corrupção montada aqui no GDF? Você nomeava um servidor de cargo baixíssimo, com a remuneração baixíssima, competência incompatível com a função, e ele fiscalizava o contrato atestando faturas de milhões. Aquele servidor não tinha capacidade, não tinha compromisso;, detalhou Higino na última sexta-feira, após lançamento do pacote anticorrupção (veja quadro). ;Quando você obriga que seja um servidor de carreira (a assinar os contratos), sempre o servidor terá um ônus muito maior ao praticar um ato irregular. Ele pode ser demitido, perder o direito à aposentadoria, ser desligado dos quadros públicos.; O atual governo está realizando um detalhado levantamento em todos os contratos e já encontrou irregularidades. Há casos de vínculos com empresas de informática em que um funcionário terceirizado era o tutor da relação contratual.
As suspeitas relacionadas a gestores de contratos já foram apontadas em pelo menos duas CPIs no Legislativo. A de Educação, em 2005, que teve como relator o atual secretário de Governo, Paulo Tadeu, pediu o indiciamento de Gibrail Nahib Gebrim por improbidade administrativa, corrupção, prevaricação e advocacia administrativa. A CPI constatou que o servidor com função comissionada CNE 05, correspondente a R$ 6,1 mil, movimentava recursos vultosos e tinha padrão de vida muito superior ao declarado no Imposto de Renda. Essas constatações, durante o governo de Joaquim Roriz, não impediram que Gibrail permanecesse como gestor na administração de José Roberto Arruda.
A partir de 2007, ele fiscalizou pelo menos oito contratos, com valores entre R$ 800 mil e R$ 18 milhões. Entre as empresas que tiveram serviços atestados por Gibrail estão a Adler, a Uni Repro e a Linknet, investigadas na Operação Caixa de Pandora. Por conta disso, ele também foi alvo das investigações. Sua casa no Lago Sul, a loja da mulher dele e o gabinete na Secretaria de Educação sofreram busca e apreensão. E Gibrail teve os sigilos bancário e fiscal quebrados, com autorização judicial. Os dados estão sob apuração com a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge.
Na Secretaria de Saúde, também há casos. A CPI da Saúde pediu o indiciamento de Horácio da Silva Botelho, ex-subsecretário de Apoio Operacional, pelo suposto recebimento de propina para facilitar desvio de dinheiro público em benefício do Hospital Santa Juliana, em Samambaia. O relatório foi elaborado em 2005 pela deputada distrital Arlete Sampaio (PT), hoje secretária de Desenvolvimento Social. O trabalho da CPI auxiliou o Ministério Público, que também investigou as denúncias de que Horácio integrava um suposto esquema liderado pelo então secretário de Saúde, Arnaldo Bernardino. O gestor e o ex-secretário são alvos de duas ações propostas por promotores de Justiça, que pedem a devolução de R$ 3,3 milhões aos cofres públicos. O dinheiro teria sido transferido de forma irregular para ressarcir o uso de leitos de UTIs no hospital que, segundo o MP, era ligado a Bernardino.
Quando esteve no cargo de subsecretário de Apoio Operacional da Saúde, com cargo comissionado de R$ 6 mil, ele fiscalizou em 2004 contratos de prestação de serviços de vigilância, limpeza e conservação que somavam
R$ 107 milhões. A atual gestão da Secretaria também está auditando contratos para mapear esse tipo de irregularidade. Já foram detectados pelo menos três casos em que o gestor de recursos milionários é um comissionado com baixa remuneração.
Muito dinheiro
Mesmo quando não há uma acusação formal de irregularidade, chama a atenção o volume de recursos que passam pela lupa de alguns gestores, funcionários públicos com salários que representam um montante ínfimo perto do lucro das empresas fiscalizadas. Dois contratos da Linknet para locação de equipamentos de informática e serviços de tecnologia da informação, no valor de R$ 8,9 milhões, ficaram entre 2008 e 2010 sob a responsabilidade de Luiz
Roberto Pires Domingues Júnior.
Ele também exerceu cargos na Esplanada dos Ministérios, na área de fiscalização. Seu nome foi aprovado para cuidar do dinheiro público mesmo tendo sido condenado, há 10 anos, a devolver
R$ 116 mil ao condomínio de um bloco na SQS 302 por suposta falta de prestação de contas durante gestão como síndico do bloco, entre 1997 e 1998. No processo, ele alegou que as despesas e receitas estavam abertas aos moradores, mas a ação foi julgada procedente pela 9; Vara Cível do DF. O processo está agora em fase de execução, e Domingues Júnior está sendo obrigado a devolver o dinheiro.
O volume de recursos fiscalizados por alguém nomeado dentro de critérios partidários também chama a atenção. Indicado pelo PR, o advogado José Silveira Teixeira, que é da executiva regional do partido, foi designado como gestor do milionário contrato firmado entre a Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP) e a Fundação Gonçalves Ledo, que está sendo auditado pela Secretaria de Transparência do novo governo. O contrato para serviços de informática, no Programa DF Digital, prevê a aplicação de R$ 27 milhões por ano em cursos de informática. Em 2010, foram gastos R$ 32 milhões com o programa, cuja legalidade é contestada pelo MP.
O que diz a lei
A figura do gestor é definida na Lei n; 8.666/93, de Licitações e Contratos. O Artigo 67 estabelece que a execução do contrato celebrado pelo Poder Público deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da administração especialmente designado pelo responsável pela pasta. É permitida a contratação de outras pessoas para ajudá-lo nessa atividade. O gestor deverá registrar todas as ocorrências relacionadas à execução do serviço, determinando ajustes e sugerindo penalidades em caso de descumprimento das cláusulas estabelecidas na celebração do contrato.
Contra a corrupção
Veja as principais medidas de transparência anunciadas pelo GDF:
; Implantação da Secretaria de Transparência e Controle, com as novas subsecretarias de Transparência e de Prevenção à Corrupção;
; Reformulação do Portal da Transparência e disponibilização, na internet, das principais licitações;
; Prioridade para os processos contra envolvidos em grandes escândalos
e processos contra empresas
acusadas de supostas fraudes
em governos anteriores;
; Auditorias em áreas como saúde, Limpeza Urbana e Desenvolvimento Social, no Pró-DF e nos contratos
de informática;
; Diminuição da quantidade de cargos comissionados e envio de projeto à Câmara Legislativa para que a Lei
de Ficha Limpa se aplique a essas
vagas no GDF;
; Fixação de prioridades e erradicação de problemas em obras inacabadas;
; Criação de um grupo de controle
especial para a Copa do Mundo
de 2014;
; Criação de assessorias de controle interno das secretarias e convênio com órgãos de controle;
; Decreto para a regulamentar a
proibição ao nepotismo no GDF;
; Decreto com a determinação de que servidores efetivos acompanhem
os maiores contratos;
; Campanhas de incentivo à participação da juventudade no acompanhamento dos gastos públicos;
; Criação do Código de Ética
dos servidores distritais;
; Fortalecimento dos conselhos
como meios de controle social;
; Instalação da Comissão de Ética
para julgar a conduta dos cargos mais elevados que possam causar conflitos éticos.
Fonte: GDF