O sistema de gerenciamento dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da rede pública de Saúde, que também utiliza instalações de hospitais particulares, é um claro sinal do desperdício de recursos públicos. Pagamentos superfaturados, gastos desnecessários com medicamentos e exames, que deixaram uma conta de R$ 103 milhões, são algumas das irregularidades que começam a ser combatidas pelo GDF.
A primeira medida adotada dá o tom do tamanho do desperdício. Pelo contrato firmado com a rede particular, o GDF desembolsava cerca de R$ 3 mil por leito de UTI. No Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), onde a estrutura é terceirizada, o valor pago era de R$ 1.298. O novo governo renegociou o contrato e reduziu a diária para R$ 890 ; uma diminuição de 31,4%. Os R$ 3 mil pagos aos hospitais particulares custam 237% a mais aos cofres públicos.
Nesse primeiro momento, a Secretaria de Saúde tenta reduzir o valor dos contratos, que estão sendo auditados. O próximo passo será desvincular-se da rede privada. A meta é abrir mais de 102 leitos até o fim do ano em cinco hospitais (veja quadro), implementar o sistema home care (internação em casa) para pacientes crônicos ; o que abrirá mais vagas na rede pública ; e renegociar as dívidas com os hospitais particulares.
De acordo com o subsecretário de Atenção à Saúde do DF, Ivan Castelli, o plano de ação tem várias frentes. A primeira é o aumento da capacidade da rede pública. Atualmente, o governo tem 119 leitos privados contratados. ;Ainda somos dependentes. Nesse momento, esses leitos contribuem na transição de administração. Sem eles, a população ainda ficaria desassistida;, justifica.
O HRSM será importante na gestão e no incremento do número de leitos. Na unidade, serão abertos, dentro de 15 dias, 28 leitos semi-intensivos, que se somarão aos 66 leitos de UTI já disponíveis. Para lá, irão os pacientes crônicos, ocupantes de vagas em outros hospitais do DF. ;Alguns desses pacientes estão nas UTIs há anos;, diz Castelli. Em outros quatro hospitais, serão 74 novo leitos, sendo que 20 formarão a primeira UTI coronária do DF, especializada no atendimento a pacientes com problemas cardíacos.
A UTI do HRSM é terceirizada e conta com 66 vagas. A diária de cada paciente custava, em média, R$ 1.298. Castelli afirma que, após negociar com a empresa que permanece à frente da UTI por força de uma liminar, conseguiu baixar a despesa para R$ 890, uma redução superior a 31%. Os 28 novos postos que serão abertos terão o mesmo custo. Nesse valor estão incluídos parte dos equipamentos, a assistência médica e a parte administrativa de faturamento.;
Entretanto, para dar condições de funcionamento aos 102 leitos novos, será preciso aumentar o quadro de recursos humanos. Eles estão incluídos nos 10,2 mil servidores que serão contratados até 2013, conforme o projeto de lei do Executivo que ainda depende da aprovação da Câmara Legislativa. O impacto anual na folha de pagamento do GDF será de quase R$ 250 milhões.
Dívida
A milionária dívida também está sendo discutida com os hospitais particulares. A gestão de Rafael Barbosa, atual secretário de Saúde, está fazendo um levantamento do real montante devido à iniciativa privada pelo tratamento de pacientes da rede pública em UTIs entre setembro de 2009 e setembro de 2010. A gestão passada e as empresas hospitalares discordavam do valor de referência a ser levado em consideração no momento de calcular a fatura do paciente. ;O problema é decorrente da autorização das diversas tabelas que compõem o custo no DF. Essas tabelas foram aprovadas
pelo Conselho de Saúde do DF e foram licitadas. A tabela do SUS corresponde a aproximadamente 15% do valor da tabela licitada no DF;, explica Castelli.
O Ministério da Saúde repassa ao DF o valor previsto no regime de internação hospitalar do SUS. O restante é desembolsado pelo governo local. A ex-secretária de Saúde Fabíola Nunes estipulou que o pagamento fosse restrito ao limite do repasse federal, o que foi amplamente contestado pelos hospitais, uma vez que o contrato assinado prevê a utilização da
tabela distrital. Um exemplo real do abismo entre os valores: uma fatura de internação calculada segundo a tabela regionalizada chegou ao montante de R$ 113 mil. A conta baseada na tabela SUS corresponde a R$ 3 mil, ou seja, apenas 2,6% do primeiro valor. Em média, o DF gasta R$ 70 milhões por ano com UTIs particulares.
Um problema recorrente e que implica aumento de gastos é a permanência do paciente de alta na UTI. Os dois principais problemas são a ausência de vagas intermediárias no hospital de origem (primeiro atendimento) e a falta de meio de transporte para fazer a transferência. O último levantamento da pasta mostra que, em média, os pacientes permanecem 5,3 dias de alta na UTI ao custo ; leia-se, prejuízo ; de R$ 3 mil por dia, ou R$ 15.900 por paciente.
Tudo devido à falta de transporte do doente entre a unidade privada e um hospital público onde seja aberta uma vaga de UTI. Por isso, a Secretaria reservou duas ambulâncias de porte 3, a mais completa, exclusivamente ao translado de pacientes, e criará 16 leitos intermediários no Hospital Regional do Paranoá para os chamados ;pacientes egressos de internação;, que aguardam um lugar no hospital de origem. Outra medida é suspender o pagamento a hospitais particulares que façam a internação em UTI por determinação da Justiça. Nesse caso, a ideia é seguir o curso judicial.
Por enquanto, o governo Agnelo já desembolsou R$ 10 milhões referentes a dívidas de 2009. O débito foi quitado porque já havia reconhecimento de dívida e previsão orçamentária. ;Não podemos revogar esses contratos porque ainda não temos os leitos para acolher aos pacientes. Na medida em que eu conseguir ampliar a capacidade de internação (da rede pública), vou rescindindo os contratos. Preciso dar segurança aos pacientes. As medidas que tomamos ainda não serão suficientes para liquidar a dependência da rede privada. Estimo que precisaremos de um ano para isso;, alega o subsecretário. O tempo, justifica Castelli, é necessário para treinar o pessoal que atuará nas UTIs e para realizar as licitações para compra de equipamentos.
Home care
A transferência de pacientes crônicos será outro passo na tentativa de aumentar a eficiência do uso das UTIs. ;Queremos levar essas pessoas para casa, no sistema home care;, diz o subsecretário. Em breve, ficará pronto um levantamento da assistência social sobre quantos pacientes se enquadrariam no sistema de assistência médica domiciliar para abrir uma licitação. ;Vamos tentar construir cômodos apropriados para aqueles sem condições;, explicou.
Entenda o caso
A crise nos leitos de UTI é antiga. No fim de abril de 2010, os hospitais particulares cobravam uma dívida de quase R$ 60 milhões da Secretaria de Saúde referentes ao atendimento dos pacientes nos 125 leitos contratados pelo governo para dar suporte à demanda. Os empresários ameaçaram romper os contratos, mas não precisaram fazê-lo porque o então governador, Rogério Rosso (PMDB), prometeu sanar as dívidas. No início de dezembro, no entanto, os hospitais particulares voltaram a denunciar a falta de pagamento, que está acumulada em mais de R$ 103 milhões.
Diante da resposta da Secretaria de Saúde, que afirmava estar em dia com pagamentos desse ano e não dispor de previsão orçamentária para a quitar débitos de anos anteriores, os hospitais anunciaram a desativação dos leitos alugados, dando início a uma série de batalhas judiciais. No fim do ano, a equipe de transição e Rogério Rosso se reuniram e foi acertado o compromisso do pagamento de R$ 60 milhões, o que não ocorreu até o fim do ano. Atualmente, a Secretaria faz um levantamento da dívida e promete pagar apenas o que estiver dentro da lei.