Três alunos do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) respondem a processo por danos morais movido por um professor. O docente Neander Furtado Silva, que ministra a disciplina de projeto de arquitetura 2 (PA2), pede R$ 20 mil de indenização devido a um manifesto feito pelos estudantes em 2010. Na ocasião, a turma empilhou as carteiras do ateliê de desenho como forma de protesto contra a metodologia de ensino de Neander. Foram coladas ainda duas cartas do Centro Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo (Cafau), ressaltando a necessidade de uma mudança de atitude do professor em sala de aula.
O docente ingressou com a ação em 7 de janeiro, alegando que o ateliê teria sido invadido pelos integrantes do Cafau com a intenção de se fazer passar por estudantes de sua disciplina. Neander ainda afirma que teve a honra atingida por pichações difamatórias feitas pelos alunos com dizeres como ;verdade e agressão; e ;devagar é que não se vai longe;. Após o ato dos estudantes, o docente redigiu uma carta para dar início a um processo administrativo contra os envolvidos no episódio. ;Manifestações desse tipo e teor constituem-se em cerceamento da liberdade de ensino e da autonomia intelectual;, dizia o documento. Como os alunos não foram punidos, Neander optou pela ação judicial.
Para os estudantes, a medida foi exagerada. ;Não estávamos questionando o professor. Levamos críticas sobre a metodologia dele ao conselho da faculdade duas vezes;, reclamou o estudante de arquitetura do 8; semestre Luiz Eduardo Araújo, um dos processados pelo professor. O conselho julgou as reclamações improcedentes. Entre os questionamentos dos alunos, estava a metodologia de ensino, principalmente a predileção do docente por um programa de computador que nem todos os alunos dominavam.
A defesa dos universitários foi assumida pelo advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, também conhecido como Kakay. O jurista, que geralmente só atende a grandes clientes, ofereceu seus serviços gratuitamente aos jovens. ;Eu fundei o Centro Acadêmico de Direito da UnB e escrevia artigos virulentos contra os professores da época. Nunca ninguém me processou. Fiquei estupefato com a situação. O professor fez uma reclamação ao conselho e, como não teve a resposta que queria, usou o Judiciário, no meu ponto de vista, para intimidar os meninos;, acusou o advogado.
Kakay deve apresentar seus argumentos no próximo dia 23, quando será realizada uma audiência de conciliação. Ele adianta que não deve entrar em acordo com o professor. ;A ideia é propor uma reconvenção e processar o docente. Quem teve a honra ultrajada foram os alunos. É um abuso, o ambiente universitário é de livre expressão;, criticou o advogado.
Novo protesto
Em apoio aos alunos processados, o atual Cafau organizou um novo protesto no último dia 3. As carteiras foram novamente empilhadas, desta vez com o apoio de cartazes e dizeres nas paredes como ;liberdade de expressão;. Alguns estudantes ainda se amarraram e se acorrentaram como forma de manifesto contra a ação protelada pelo professor. ;Foi uma intervenção de caráter artístico e político, completamente pacífica. Achamos que o professor se equivocou ao processar os estudantes, pois eles não o estavam agredindo, só questionaram a metodologia;, afirmou o atual presidente do Cafau, Otávio Sousa.
Por meio da assessoria da UnB, o diretor em exercício da Faculdade de Arquitetura, José Manoel Sanches, afirmou que irá cobrar mais agilidade da comissão que investiga o conflito entre Neander e os alunos. Uma nova comissão, com o objetivo de avaliar a qualidade de ensino da faculdade, também deve ser instaurada a pedido de Sanches. Os advogados do arquiteto afirmaram que o professor não pode dar declarações até que esteja encerrado o processo.
17 estudantes condenados
Naquele ano, os estudantes divulgaram um documento de quatro páginas intitulado ;Manifesto da mediocridade;, no qual afirmavam que professora não havia concluído o doutorado, e ainda levantavam a hipótese de que ela teria comprado a vaga no corpo docente da instituição.
Além de Mônica, o manifesto citava outras três professoras, que preferiram não ingressar com a ação judicial contra os alunos. Após a distribuição do documento, as duas docentes substitutas criticadas pelos universitários pediram demissão da instituição. A quarta professora era chefe de departamento do curso na época, e optou por não se envolver na disputa.
Mônica Valero conta que decidiu processar os alunos somente depois que esgotaram-se as opções dentro da universidade. ;Como eu sofri as críticas mais duras, entrei com um processo administrativo na UnB;, contou. Após seis meses de investigações, os estudantes foram levados a um colegiado da instituição para pedir desculpas formais a Mônica. ;Como não fiquei satisfeita com essa decisão interna, decidi entrar por contra própria com o processo. Eu esperava que eles sofressem uma suspensão ou advertência;, ressaltou.
Desde o início do processo, passaram-se quase seis anos. Os alunos já estão formados, e muitos nem mesmo moram mais em Brasília. Para a professora, a espera valeu a pena. ;Estou satisfeita. Nunca foi pelo valor indenizatório. Eu queria que eles tivessem uma lição de vida;, garante a docente. Mônica ainda ressalta que a ação não servirá como forma de cerceamento da liberdade de expressão dos estudantes, e sim como exemplo para outros professores que se sintam agredidos em sala de aula.