Cidades

Piloto da lancha que naufragou no lago responderá por homicídio culposo

No acidente morreram duas irmãs. Apesar de o MP ter determinado que piloto teve intenção de matar, Justiça decide que ele não irá a Júri Popular

Luiz Calcagno
postado em 12/02/2011 08:12
A perícia comprovou que a lancha estava sobrecarregada no momento do acidente: capacidade era de seis pessoas, mas 11 passeavam no barcoO piloto da lancha que naufragou na madrugada de 22 de maio de 2010 matando duas garotas escapou de ser denunciado por homicídio doloso com dolo eventual (por assumir o risco do acidente). O técnico em informática José da Rocha Costa Júnior, 33 anos, vai responder por homicídio culposo (sem intenção de matar). Enquanto a pena pelo primeiro crime varia de 12 a 30 anos de prisão por cada morte, com o entendimento do juiz substituto da 7; Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Fabrício Castagna Lunardi, o tempo de condenação do acusado caiu para, no máximo, três anos de reclusão.

Na denúncia por homicídio com dolo eventual, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) argumentou que José da Rocha, que tinha habilitação de arrais amador, conhecia as normas e os riscos de navegar com uma embarcação sobrecarregada. A lotação da lancha Front Roll era de seis pessoas, mas 11 estavam no barco na hora do acidente. Além disso, ficou provado que José havia ingerido bebida alcoólica antes de pilotar o veículo. Segundo o MPDFT, por esses motivos ele teria assumido o risco pela morte das irmãs Juliana Queiroz de Lira, 21 anos, e Liliane Queiroz de Lira, 18.

Lunardi contra-argumentou dizendo que o álcool em si não motivou o acidente e que, além disso, seria pouco provável que, consciente de todos os riscos, o piloto conduzisse uma lancha para o meio do Lago Paranoá com a intenção de naufragar o veículo, pondo em risco a própria vida e a de amigos. No entendimento do magistrado, ;os fatos descritos no inquérito são graves, até mesmo porque envolvem a trágica morte de duas jovens. Contudo, devem ser analisados abstraindo-se as questões de cunho sentimental ou moral;. ;O indiciado até poderia ter previsto o resultado, mas certamente não quis nem assumiu o risco de que a sua lancha fosse submergir no meio do lago com onze pessoas a bordo;, resolveu.

De acordo com o juiz, o dolo é definido a partir do conhecimento do fato pelo autor e da vontade de realizá-lo, o que não teria acontecido no caso de José da Rocha. Além disso, ele definiu a culpa em sua resolução como uma conduta voluntária praticada ;por imprudência, negligência ou imperícia, da qual advém um resultado previsto ou previsível, porém jamais querido ou aceito pelo agente, que poderia ter sido evitado caso fosse mais diligente;. Para Lunardi, o piloto poderia até prever o resultado, mas não acreditava, ;sinceramente;, que a Front Roll poderia submergir.

Resignação
O Ministério Público aceitou o argumento de Lunardi e denunciou José por homicídio culposo. A audiência está prevista para 7 de março, às 14h, na 7; Vara Criminal do TJDFT. A reportagem do Correio Braziliense procurou José da Rocha para comentar a decisão. ;Para mim, foi bom. Eu vou enfrentar os fatos, responder onde tiver que responder. Se fosse no Tribunal do Júri, eu ia encarar da mesma forma. Além disso, não se trata de uma decisão minha. Isso é uma questão da Justiça;, alegou.

Questionado sobre a morte de Juliana e Liliane, José da Rocha revelou que pensa no acidente diariamente e destacou que o fato também foi uma trauma muito grande para ele. Ele disse ainda que sente muito pelas meninas e pela família. ;A lembrança me pega de surpresa. Às vezes estou dirigindo e as imagens daquele dia surgem na minha cabeça. Eu nunca vou conseguir esquecer. Fiquei muito sentido com tudo. Quando penso no que poderia dizer para a família delas (Juliana e Liliane), as palavras me fogem;, disse.

Para o irmão de Juliana e Liliane, Ariomar Queiroz de Lira, 25 anos, morador de Taguatinga Norte, ;se a Justiça decidiu assim, não há mais o que fazer;. A família das vítimas também entrou com uma ação indenizatória contra o condutor da lancha. De acordo com Ariomar, o advogado mantém a família informada sobre o trâmite dos processos. Ele também falou sobre o estado de saúde de Rita de Cássia Queiroz, 26, que estava com as meninas no barco e sobreviveu. ;Não podemos fazer muito quanto à condenação. A Rita está em Corumbá (MT) com meu pai. Ela não consegue ficar mais em Brasília e ainda não se recuperou. Chora muito, nunca se conformou.;


Perícia complexa
Irmã das duas vítimas, Rita de Cássia (C), que também estava no barco, ainda não conseguiu superar o traumaPara apurar as causas do naufrágio da embarcação Front Roll e definir as responsabilidades pela tragédia, o Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil realizou um trabalho minucioso e complexo, que envolveu fotografias, testes com o barco, a reconstituição do naufrágio e até simulações virtuais. A polícia precisou definir se os lastros da lancha, equipamentos que dão estabilidade ao veículo, estavam cheios ou vazios na hora do acidente. Nos testes, o veículo afundou com 11 pessoas e metade do lastro cheio. Ainda assim, o resultado final da perícia, que consta nos autos do processo, é inconclusivo.

Segundo o texto, as fotos do barco submerso, a posição geográfica da lancha e dos corpos no Lago Paranoá, além da imagem computadorizada em três dimensões do veículo, não permitiram confirmar se os compartimentos estavam cheios quando aconteceu a tragédia. No entanto, peritos constataram que o barco também levava peças de metal, totalizando 150 quilos, o que teria permitido o veículo produzir ondas no lago. A água teria alcançado as aberturas que enchiam o compartimento e entrado nos lastros durante o passeio da QL 15 do Lago Norte até a ponte JK. (LC)

MEMÓRIA

Naufrágio no Paranoá

Na madrugada de 22 de maio do ano passado, uma lancha de 23 pés naufragou entre a QL 15 e a Ponte JK, no Lago Paranoá. Entre as 11 pessoas que estavam na embarcação, seis foram levadas para o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) e um homem, Hugo Antunes de Oliveira, chegou ao hotel Alvorada nadando. Duas irmãs, Juliana e Liliane Queiroz de Lira, ficaram três dias desaparecidas, até que os bombeiros encontraram os corpos das jovens no Lago Paranoá.

Um laudo do Instituto de Criminalistica da Polícia Civil concluiu que a embarcação que afundou em naufragou por superlotação. A polícia realizou uma simulação do acidente e testes dinâmicos com mudanças na aceleração, número de passageiros e peso dos tripulantes para concluir o trabalho. O resultado mostrou que, apesar de ter capacidade para seis pessoas, a lancha teria de estar com mais de 10 passageiros para afundar.

Em depoimento à polícia, a cabeleleira Rita de Cássia Queiroz de Lira, 26 anos, irmã das duas jovens que morreram em naufrágio, afirmou que todas as 11 pessoas que estavam na lancha que naufragou no sábado, ingeriram bebidas alcoólicas antes e depois de embarcarem.

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