postado em 12/02/2011 09:40
O piloto do monomotor Bonanza perguntou onde ficava Brasília. ;Em algum lugar entre Luziânia e Formosa, no estado de Goiás;, foi a única indicação que obteve. Depois de sobrevoar por algum tempo o vasto cerrado sem que avistasse nenhum ferimento de cidade em construção, o comandante decidiu pousar em Formosa para tentar obter mais alguma informação que o levasse, finalmente, às obras da nova capital do país. ;Fica entre Luziânia e Planaltina;, soube.Nova decolagem, mais vastidão de cerrado, até que, finalmente, o piloto avisou uma ferida vermelha e comprida e outra, também comprida, mas cor de grafite. Feitos os procedimentos iniciais de aterrissagem, percebeu que a segunda pista estava sendo asfaltada. Decidiu, então, aproximar-se da pista de terra, aberta ao lado da Fazenda do Gama. Mas também havia certo impedimento: do alto dava para perceber um avião incendiado nas proximidades. Ele havia explodido e deixado uma vítima, o passageiro Augusto Montandon, que morreu horas depois.
Era 2 de fevereiro de 1957. Do Bonanza desceram os três sócios da Enal Engenharia e Arquitetura, empresa criada para construir obras na nova capital. Um deles era o diretor comercial da empresa, Ildeu de Oliveira, primo do presidente da República. O avô do empresário mineiro era irmão do pai de Juscelino Kubitschek. Antes de vir para Brasília, Oliveira havia procurado o presidente da Novacap, Israel Pinheiro, e pedido a ele que lhe desse obras na nova capital (a construção de Brasília foi feita toda ela sem licitação).
Primeiras casas
Passaram-se alguns meses da primeira visita à vinda definitiva. Em fevereiro de 1957, Ildeu estava no canteiro de obras de Brasília. De início, a empresa do primo de Juscelino ganhou o direito de construir cinco casas de madeira na Rua do Sossego, na atual Candangolândia, uma delas destinada à família do engenheiro Bernardo Sayão. Vieram outras obras, entre as quais os projetos do Grupo Escolar Júlia Kubitschek, de Oscar Niemeyer, e o Colégio Elefante Branco, do arquiteto José de Souza Reis.
Mas o entusiasmo do primo de Juscelino não foi imediato. Quando chegou à solidão do cerrado, Ildeu sentiu a sombra do desânimo. ;Levei um susto. Não acreditei que o presidente fosse mesmo construir e inaugurar a capital em tão pouco tempo.; À medida que o ritmo das obras se acelerava, diminuía a descrença do empresário. Hoje, ele guarda impressões idílicas daquele tempo: ;Até a poeira era cheirosa e gostosa;.
Ao acampamento da Enal foi destinada uma área próxima ao Zoológico, ao lado de outro acampamento, o da MM Quadros, empresa entre cujos diretores se destacou uma mulher que deixou fortes impressões na memória dos bravos candangos. Linda e perfumada executiva, Eleonora Quadros usava calça de brim, botas, chapéu e dirigia um jipe. Ildeu de Oliveira conta que onde ela estava formava-se ;uma ilha de homens; ao redor. Algumas casas do acampamento da MM Quadros ainda estão no mesmo lugar, na via que vai do Balão do Aeroporto à BR-060. Do acampamento da Enal, nada restou.
Não demorou muito para que Ildeu decidisse não voltar mais para Belo Horizonte, de onde havia saído. Ele vinha acompanhando o primo político desde a vitoriosa campanha de 1950 para o governo de Minas Gerais. Mesmo com o fim do mandato de JK, em 1960, o empresário decidiu continuar na cidade. Mas não se afastou do primo, de quem guarda muitas histórias. Uma das que mais gosta de repetir trata de um empréstimo de Cr$ 5 mil (cinco mil cruzeiros) feito a Juscelino, quando ele já era senador cassado pelo golpe militar. O ex-presidente estava em sua fazenda de Luziânia quando soube da morte de um grande amigo, Geraldo Vasconcelos, em Minas Gerais.
O último vale
Disposto a assistir ao sepultamento, Juscelino pediu ao primo: ;Me empresta cinco mil que eu te dou um vale;. Ildeu retrucou: ;Era só o que faltava, presidente;. Mas mesmo assim teve de aceitar a promissória manuscrita, na qual declarou : ;Ildeu me forneceu no dia 8-8-76 5.000,00 (cinco mil cruzeiros). Juscelino Kubitschek. 8-8-76;. Catorze dias depois, JK morreu num acidente de carro e o vale virou documento histórico.
O primo do presidente tem outras preciosidades que ajudam a contar a vida do fundador de Brasília. E é sobre o parente importante que ele mais gosta de falar. É assunto que lhe dá prazer, o que não acontece mais quando o tema é a capital que ajudou a construir: ;Acabaram com a cidade. Sou radicalmente contra os hotéis na beira do lago [Paranoá]. Aqueles prédios que estão construindo atrás do Carrefour [Sul] são criminosos. Quem faz isso não é patriota, só pensa em ganhar dinheiro;.
Desde o primeiro governo de Joaquim Roriz, Ildeu de Oliveira ocupa cargos na administração da capital. Já foi da Novacap, da extinta Shis, da Terracap e, mais recentemente, ocupou a gerência do Noroeste, apesar de ser contrário à construção do novo bairro. ;Nunca falei bem, nunca falei nada.; Ildeu de Oliveira, 80 anos, é vice-presidente do Memorial JK.