postado em 15/02/2011 08:10
Quando Ilda Ferraz, hoje aos 53 anos, começou a trabalhar como taxista, no início da década de 1990, era uma das poucas mulheres nesse ofício. Ela garante ter sido a primeira no Brasil a se cadastrar no sistema de radiotáxi. ;Na praça, tinha outras meninas, mas de radiotáxi, era só eu;, afirma. Não há registros para comprovar a informação. Mas é fato que Ilda, uma mineira vinda de Presidente Olegário, abriu espaço, em Brasília, para as mulheres, em uma profissão que ainda hoje é considerada por muitos masculina. Atualmente, entre os 5 mil taxistas no DF, 250 (5%) são mulheres, segundo o sindicato da categoria. Entre elas, estão as duas filhas de Ilda, Kelly Cristina, 32 anos, e Sueli Aparecida, 33. Também abraçaram a profissão de taxista o filho mais velho de Ilda, Wellington, e um dos genros dela.
Antes de tornar-se motorista, Ilda foi operadora da radiotáxi. Começou a trabalhar na primeira empresa do ramo, em Brasília, a antiga Unitáxi. A estação ficava no Gilberto Salomão e atendia pelo número 224-3030. ;Eu sabia todos os caminhos, estava pronta para dirigir com carteira D (que permite conduzir até ônibus). Mas duvidavam de mim por eu ser mulher;, lembra, evocando resquícios de uma resistência em reconhecer que a habilidade de comandar o volante não é exclusividade dos homens.
A taxista pioneira superou os problemas e continua trabalhando. Em 20 anos de carreira, sofreu apenas um acidente, em novembro último, causado por um problema de saúde. Sentiu-se mal, enquanto dirigia. Antes de trabalhar no DF, Ilda instalou-se em Luziânia, onde passou a ser conhecida como ;besouro verde; por conta do Fusca que dirigia. Mas ficou pouco tempo na região e logo mudou-se para Taguatinga.
Hoje, Ilda mora na Asa Norte e faz corridas, principalmente à noite, em seu Renault Logan, registrado sob o número 1677, que dirige com uma permissão alugada. Ganhou outro apelido entre os colegas: o de ;Ilda Furacão;. Eventualmente, também é chamada de ;Ilda, a rainha da noite;. A brincadeira surgiu por conta da personalidade forte. No início, não foi nada fácil.
Ilda começou a trabalhar com um Santana Quantum, emprestado de um colega. Ouviu muitas piadas machistas. ;Eles duvidavam da minha capacidade. Chegavam a me passar corridas fantasmas. Eu ia buscar o passageiro e não tinha ninguém. Tinha um motorista engraçadinho que ligava e pedia o táxi de mentira, só para me ver rodando. Aí ele telefonava depois e reclamava que eu não tinha chegado para buscá-lo. Eu tomava punição de ficar horas sem entrar na fila para buscar passageiro.; Ossos do ofício nos primeiros tempos.
Briga
Certo dia, Ilda se cansou. Percebeu que era hora de se impor, ainda que fosse ; conforme ocorreu ; pela força. O colega maldoso fez um chamado fantasma. Ela, já desconfiada, foi atrás do autor do trote. Quando o encontrou, perguntou o porquê da brincadeira de mau gosto. O rapaz ironizou. Insinuou que Ilda não era capaz. A taxista respondeu à provocação com bofetadas. ;Eu parti para cima dele, como qualquer colega faria. Infelizmente, precisei me impor assim.; Ela saiu arranhada. Ele, com alguns hematomas pelo corpo.
A confusão teve até boletim de ocorrência, devidamente registrado em uma delegacia. ;Quando chegamos lá, eu falei pro delegado: ;Fui eu, sim, quem começou. Ele me ofendeu e eu dei o que ele pediu;;. A briga gerou dias de suspensão aos dois taxistas, medida adotada pelo patrão. Depois disso, Ilda nunca mais escutou uma gracinha vinda de colegas de profissão. Passou a ser respeitada. ;Mas eles ainda brincavam com a situação. Ficavam rindo do meu colega que apanhou pelo rádio;, diverte-se.
Com os passageiros, Ilda também passou por alguns problemas. Uma criança recusou-se a entrar no carro, quando viu que havia uma mulher ao volante. ;Ele tinha uns 7 anos e falava: ;Meu pai disse que dirigir não é coisa de menina. Eu não vou entrar;.; Depois de muita insistência, o menino aceitou sentar-se no banco do veículo e seguir viagem rumo ao colégio em que estudava. Ilda fez uma aposta com o pequeno: se ele chegasse em segurança ao destino, passaria a ser levado à escola por ela, diariamente, sem reclamar.
No caminho, a criança atestou: ;Você dirige quase igual ao meu pai. Tá tudo bem;. Mas o episódio não foi isolado. O preconceito, ela veio a descobrir tempos depois, não vinha somente do público masculino. ;Um dia, fui buscar duas mulheres e elas me pediram para voltar e mandar um motorista homem. É incrível, mas, com os passageiros, sofri mais preconceito das próprias mulheres.;
Trajetória
Ilda veio de Minas Gerais, em 1971, depois de terminar um noivado. Ela queria começar uma vida nova. Trabalhou como doméstica, mas nunca deixou de alimentar um grande sonho: o de ser caminhoneira. Em meados de 1980, ela retornou a Minas, onde se casou com o então noivo. Hoje, eles estão separados. Ilda casou-se novamente, mas deu fim ao relacionamento tempos depois. ;Eu não sou muito fácil;, admite.
A taxista conserva uma postura firme. Não tem medo de trabalhar na noite, apesar de sempre transportar bêbados saindo de boates e gente de todo tipo. ;Eles querem conversar, contam histórias. Querem que a gente se sente para beber com eles;, afirmou. ;Eu me apego a Deus. Penso que não estou na rua à toa, estou trabalhando e ele vai me proteger.;
Aos passageiros, Ilda impõe algumas pequenas regras, como não comer ou beber no interior do veículo. Devido a problemas de saúde ; os médicos não conseguem descobrir a razão das dores fortes que ela sente nos braços ; , Ilda terá de comprar um carro automático. Por amor ao ofício, aposentar-se agora não é nem sequer uma opção.
Furacão mineiro
Hilda Furacão (aqui, com H) foi uma das garotas de programa mais desejadas de Belo Horizonte, nos anos 1950. Ela chocou a sociedade ao romper com a família de classe média à qual pertencia e deixar o marido para viver em uma casa de prostituição. A história de Hilda foi contada em livro, pelo escritor Roberto Drummond, e virou uma minissérie exibida pela Rede Globo em 1998, protagonizada pela atriz Ana Paulo Arósio.