Jornal Correio Braziliense

Cidades

Governo promete cortar benefícios de lotes com destinação desvirtuada

As primeiras ações ocorrerão no Polo de Modas e no setor de oficinas do Guará

O Governo do Distrito Federal promete cobrar a fatura dos especuladores imobiliários que desvirtuaram espaços de desenvolvimento econômico nos últimos anos. O arrocho começará pelo Polo de Modas do Guará e por oficinas da região, áreas em que os empresários contaram com a ajuda do poder público para comprar terrenos subsidiados, ganharam incentivos fiscais e se comprometeram a criar empregos. Quem saiu da linha e desrespeitou o acordo perderá os benefícios e terá o terreno colocado à venda por meio de licitação da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). A medida, adiantada pelo Correio na última quarta-feira, foi oficialmente anunciada ontem.

Em reunião com a presença de representantes dos empresários, na sede da Associação Comercial e Industrial do Guará (Acig), o secretário de Desenvolvimento Econômico, José Moacir de Sousa Vieira, informou que quase mil lotes terão a situação analisada nas próximas semanas. A previsão é que cerca de 80% desse total estejam em condição irregular, sem alvará de funcionamento ou escritura. O titular da pasta quis deixar claro que não haverá derrubadas nem faltará diálogo. ;Não vamos sair implodindo prédios. Queremos regularizar;, afirmou.

Derrota
Nos últimos anos, muitos empresários beneficiados pelo governo ; a maioria por meio do Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável (Pró-DF) ; trocaram de ramo, passaram o imóvel adiante ou ergueram prédios de até quatro andares para lucrar com quitinetes. O secretário José Moacir reconhece que o governo perdeu a batalha para os especuladores, mas credita o fato à ;omissão do poder público em gestões anteriores;. Para ele, fica complicado conter, de imediato, o desvirtuamento. ;Lamentavelmente, os próprios empresários especularam. Temos a intenção, por exemplo, de mudar o nome do Polo de Modas;, comentou.

Sob orientação da equipe jurídica do governo, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico pretende agir assim que o levantamento da situação dos lotes ficar pronto, o que não há prazo para ocorrer. Quem estiver de acordo com o projeto original, terá os benefícios mantidos e, enfim, receberá a garantia de posse do imóvel. Os casos em que for identificada alguma pendência serão analisados separadamente. ;Os empresários estão muito desacreditados, mas agora percebemos boa vontade por parte do governo. Se a regularização acontecer, será um importante ganho para todos nós;, avaliou o presidente da Acig, Nilton Soares.

A associação estima que apenas 15% dos 900 lotes a serem inicialmente radiografados pelo governo estão fora dos padrões. Mas basta circular somente pelo Polo de Modas para perceber que a maioria ignorou a regra de erguer, no máximo, um andar superior, por exemplo. Para continuar com a atividade, mesmo diferente daquela pensada para a região, esses proprietários terão de participar de licitação e pagar o preço de mercado do terreno. ;Não tem como a gente sair derrubando tudo. Mas eles vão ter de pagar a diferença e perderão os incentivos;, reforçou o secretário José Moacir. ;Os atuais donos terão direito de preferência;, acrescentou o presidente da Terracap, Marcelo Piancastelli.

Resistência
O novo administrador do Guará, Carlos Nogueira, prevê resistência durante o processo de regularização. ;Mas torcemos para que dê certo. Quem cumpriu a lei continuará com os benefícios;, sustentou. O governo espera que insatisfeitos questionem as medidas na Justiça. Paulino de Sousa, 66 anos, abriu um mercado no setor de oficinas em 1999. Naquele mesmo ano, construiu dois andares, onde há oito apartamentos, todos alugados. ;Tudo aprovado pela administração;, defende-se o comerciante do grupo dos que desvirtuaram a área. O terreno dele, de 200m;, comprado por R$ 86, vale hoje cerca de R$ 250 mil. ;Vou participar da licitação, mas vou buscar meus direitos;, avisou.

Há dois anos, Altair José Gomes, 45, inaugurou uma loja de presentes no Polo de Modas. Investiu R$ 20 mil para dar início ao negócio. Para manter as portas abertas, paga R$ 1,7 mil por mês de aluguel. Ontem, ao saber das ações que o governo pretende adotar, ficou preocupado. ;É uma frustração muito grande. Se o dono não comprar o lote, o jeito vai ser pegar a mercadoria e ir embora para casa;, disse. Antes da chegada de Altair, funcionava no local uma loja de confecção. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, somente 20% dos 470 lotes do espaço criado para abrigar fábricas de vestuário mantêm a atividade original.

Programa suspenso por três meses
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O Pró-DF nasceu em 2003 e, desde então, passou por diversas reformulações. Entre os benefícios vigentes estão o financiamento de até 70% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com juros reduzidos e 15 anos de carência; isenções referentes aos impostos sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Predial e Territorial Urbano (IPTU), com redução da base de cálculo de até 100%; concessão de terrenos com descontos de até 95% nos preços dos lotes fornecidos pela Terracap; além de linhas de crédito com juros abaixo dos cobrados pelo mercado. No fim do mês passado, o governador Agnelo Queiroz (PT) suspendeu por 90 dias a concessão de lotes por meio do programa, alvo de constantes denúncias. O governo informou que a suspensão foi necessária para fazer um pente-fino nos contratos. Com isso, os 383 processos de concessão analisados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico em 2010 serão revistos. Os processos de 273 terrenos aprovados serão auditados. A suspensão poderá ser prorrogada por mais 90 dias.