A retomada das discussões sobre o planejamento urbano da capital federal vai trazer de volta uma antiga polêmica: a criação do Setor Habitacional Catetinho. A partir de amanhã, o governo vai começar um processo de atualização do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot). Assim, nos próximos 30 dias, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação vai recolher sugestões da sociedade, de parlamentares e de entidades de Brasília para elaborar o projeto de lei. Entre os temas que devem ser discutidos durante esse prazo, está a implantação do Setor Catetinho, suspensa por determinação da Justiça. O GDF quer promover um amplo debate sobre o assunto e vai colocar frente a frente apoiadores e opositores desse projeto.
O Plano é o instrumento que direciona o crescimento da cidade. É ele que estabelece quais áreas são rurais ou urbanas e que indica quais regiões devem ser adensadas. Pela Lei Orgânica, o Pdot tem que ser revisado a cada 10 anos. A última versão foi aprovada e sancionada em abril de 2009, pelo então governador José Roberto Arruda. Mas, como o texto recebeu mais de 60 emendas dos distritais, o Ministério Público entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade, alegando que apenas o Executivo pode legislar sobre questões relacionadas ao uso e ocupação do solo. O Tribunal de Justiça do DF acatou os argumentos e considerou ilegais todos os artigos do Plano propostos por parlamentares.
A criação do Setor Catetinho não constava do projeto de lei elaborado pelo governo local. A ideia de tirar do papel o novo bairro foi incluída pelos distritais por meio de emenda. Por conta disso, o trecho da lei que previa a implementação do novo bairro acabou considerado inconstitucional pela Justiça. A confusão em torno dessa área habitacional foi grande: ambientalistas criticaram a inclusão do Catetinho no Pdot enquanto associações de luta pela moradia brigavam para transformar o setor em realidade.
Ao anular a criação do bairro, a Justiça não entrou no mérito da sua viabilidade. Os desembargadores do Conselho Especial analisaram apenas o vício de iniciativa. Ou seja: se o projeto fosse apresentado pelo governo, em vez de ser uma proposta dos distritais, poderia ser considerado legal. É esse debate que o GDF pretende enfrentar agora, antes de decidir se inclui a criação do Setor Catetinho no novo projeto de lei sobre o Pdot , que será enviado ao legislativo local em 60 dias.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, diz que essa discussão é ;inevitável;. Ele pretende fazer reuniões para analisar especificamente a possibilidade de implantação do bairro. ;O Setor Catetinho é um local apropriado para a habitação, mas precisamos analisar com cuidado o impacto no abastecimento de água;, argumenta. ;Quero discutir esse assunto com transparência e sem tabus, reunindo todas as pessoas contra e a favor do projeto;, acrescenta.
Inconstitucional
Desde o início dos debates sobre o Pdot, o MP foi contra o projeto habitacional. A região era classificada como área de preservação de mananciais (APM), porque a Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (Caesb) capta água no local para abastecer a cidade. Foi preciso criar uma lei para revogar a existência dessa APM. Mas a legislação também foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade, apresentada pelo MP.
Enquanto a decisão que cancelou a criação do Catetinho já tramitou até a última instância, a Adin contra a lei que acabou com a APM do Catetinho ainda não transitou em julgado. Assim, mesmo que o governo decida recriar o setor, será preciso aguardar a palavra final do Supremo Tribunal Federal (STF).
A promotora de Defesa do Meio Ambiente (Prodema) Marta Eliana de Oliveira diz que vai mandar uma recomendação ao secretário Magela, ao governador Agnelo Queiroz e aos distritais para pedir que a criação do Setor Catetinho não seja sequer considerada durante as discussões sobre a atualização do Pdot. ;Nossa posição quanto a isso é muito firme, não vamos aceitar a criação de um setor habitacional em uma área tão delicada do ponto de vista ambiental. Desde 2003, estamos enviando recomendações ao governo para alertar sobre isso;, explica. ;Queremos agir de uma maneira preventiva para evitar que o assunto se transforme em uma lei passível de questionamento;, acrescenta.
Para a representante da Prodema, a alteração do Pdot deve se restringir aos itens considerados inconstitucionais pela Justiça. De acordo com a Lei Orgânica do DF, o Plano Diretor tem vigência de 10 anos e só pode ser alterado antes desse prazo se houver ;relevante interesse público;. ;No nosso entendimento, como vários artigos foram julgados inconstitucionais, é de interesse público que haja uma adequação. Várias áreas ficaram sem índices de densidade demográfica, por exemplo. Mas não acho que o governo deve alterar outros pontos que não tenham nenhuma relação com a Adin;, justifica Marta Eliana.
A área que poderia abrigar o Setor Catetinho tem quase 700 hectares. Dependendo do tipo de ocupação que fosse aprovada, a região teria até 40 mil moradores. Representantes dos movimentos de luta pela moradia pretendem participar do debate. ;Além de criar o Setor Catetinho, o governo tem que resolver se o projeto será de interesse social, com residências para a população de classe mais baixa, ou se será um bairro de classe média. Essa é uma definição importante e vamos participar das discussões para cobrar a criação de novas áreas habitacionais;, explica o presidente da Organização das Entidades Habitacionais do DF, Antônio Moraes.
Outros temas
Temas envolvendo a área de transporte, como o traçado do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), serão incluídos nos debates do Pdot. ;Há sugestões de mudanças no traçado;, afirma o secretário Geraldo Magela. Em vez de sair do aeroporto e seguir pela Avenida W3, o trem leve poderia passar pela Epia e pelo Cruzeiro e seguir pelo Eixo Monumental até o Congresso Nacional.
A criação de um novo aeroporto de cargas no DF, em Planaltina, também pode ser incluída no novo Pdot. ;Planaltina é um pouco distante, e a logística seria complicada;, comenta Juvenil Menezes, do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do DF.
Para o presidente do Sindicato das Empresas da Construção Civil, Élson Póvoa, as mudanças no plano deveriam se restringir aos artigos julgados inconstitucionais. ;O Pdot já foi exaustivamente debatido, foram mais de 100 audiências. Se decidirem refazê-lo, as discussões vão se estender até o fim do governo;, argumenta.
Consulte
Para ter acesso ao Pdot em vigor atualmente e sugerir alterações, basta entrar no site www.sedhab.df.gov.br. Todos os comentários serão analisados pelos técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação.