postado em 27/02/2011 12:18
Quando observada de dentro do salão de eventos de uma igreja de Taguatinga, toda quinta-feira, às 15h30, a vida parece menos passageira. É nesse espaço amplo, cedido pela Paróquia São José, na Praça do Bicalho, que dezenas de idosos redescobrem o sabor de cada dia. A fórmula da felicidade experimentada ali é simples. A boa vontade de uma professora de dança somou-se ao desejo dos alunos de viver de um jeito novo. Uma vez por semana, todos esquecem as preocupações e deixam a leveza ditar o ritmo.Os passos são de uma modalidade especial, a dança sênior, criada na Alemanha, para atender às necessidades de quem já chegou à terceira idade ou tem problemas de locomoção (veja Para saber mais). Estilos musicais folclóricos, polca, quadrilha, valsa e muitos outros ritmos fazem parte da trilha que embala os passos dos idosos. Familiares, eventualmente, têm autorização para acompanhar a aula. As coreografias podem ser feitas por quem está de pé ou sentado, a depender da canção.
Os movimentos têm a função de exercitar as articulações. Decorar os passos é um treinamento eficiente para melhorar a memória e a concentração. Tudo isso sem perder a elegância. Alunos levam chá, café e biscoitos para a hora do intervalo. Nascem amizades e as conversas têm efeito de terapia. A atividade é parte do projeto Alegria de Viver, que oferece ainda noções de capoeira, mas em outro dia e horário, com profissionais diferentes.
A igreja autorizou a professora de geografia aposentada Cibele Figueiredo, 52 anos, moradora de Taguatinga, a usar o salão para ensinar os passos aos idosos da comunidade. Tudo de graça. Há três anos, Cibele conheceu a dança sênior em um centro de saúde do qual ela era voluntária. ;Fiquei encantada com aquilo. É uma dança muito especial, totalmente elaborada para os idosos. Os bons efeitos são nítidos. A dança vai muito além de dançar e ensina como envelhecer com saúde, qualidade;, afirmou.
Atualmente, há quase 50 pessoas matriculadas. Nem todas são assíduas, devido a problemas de saúde, consultas médicas e outros compromissos. ;Não temos uma chamada para controlar presença, regularidade. O importante é vir quando sentir vontade;, explicou Cibele. A aula dura uma hora e meia, contando com o intervalo e a oração no fim das atividades, como forma de um agradecimento a Deus, independentemente de qualquer vínculo religioso dos participantes.
Não faltam relatos para comprovar que, ali, a dança é como um bálsamo. Quem vê a disposição do funcionário aposentado do Governo do Distrito Federal João Severino de Araújo, 83 anos, não imagina, mas ele se curou, recentemente, de um câncer na bexiga. Chegou a perder a alegria que lhe é característica. Mas conseguiu recuperar a vontade de viver, com tratamento médico, carinho da família e apoio do grupo de dança. ;Para mim, estar aqui é beleza pura. Lembrei minha juventude, quando eu gostava de dançar uns forrós. Conheci muita gente, pessoas diferentes de mim. Renovei tudo;, contou.
Virada
Até a família de João sentiu os efeitos. ;A mudança na vida dele foi radical. Ele estava com problemas nas articulações, quieto. Uma pessoa como meu avô, acostumada a ser sempre útil, ativa, chega a essa idade e muitas vezes fica deprimida. Mas não precisa ser assim. Minha satisfação é ver meu avô gostando de viver, extrovertido;, afirmou a neta de João, Mariana Araújo, 24 anos. ;Eles criaram os filhos e agora precisam se divertir;, resumiu Rosa Araújo, 56, filha do aposentado.
Quando Silvia Rodrigues Tomaz, 74 anos, perdeu o marido, meses atrás, pensou que a vida acabaria. Descobriu, porém, outras possibilidades para ser feliz. Encontrou amizade, carinho e muita diversão no grupo de dança sênior. ;Eu saio de casa com dores nas pernas, nas juntas, nas costas, desanimada. Quando chego aqui, tudo passa. Saio outra pessoa. Volto boazinha. Antes da dança, eu me achava sozinha. Consegui superar as amarguras da vida;, relatou.
Assim como Silvia, as outras colegas são vaidosas. A maioria se arruma para ir à aula como quem segue rumo a um baile. Maquiagem, roupa bonita e sapatos confortáveis não podem faltar. ;Me sinto bem aqui. Até o médico gostou quando comecei a frequentar;, afirmou Orcalina Alves de Barros, 72 anos. ;Saio daqui me sentindo mais leve;, disse a elegante Maria do Carmo da Silva, 85. Joana Dias, 75, completa: ;Tenho mais memória e força, depois da dança;.
Dedicação
Cibele Figueiredo não cobra nada pelas lições. Quando era professora da Secretaria de Educação, tinha pouco tempo livre para dedicar aos pais, que já eram idosos. A educadora viu o casal envelhecer em casa sem muitas opções de passatempo. ;Eu ficava muito triste, porque não tinha o tempo que gostaria de ter para eles. Pouco depois da morte dos meus pais, eu me aposentei. Senti uma vontade enorme de me dedicar ao voluntariado, especialmente com pessoas mais velhas.;
Hoje, Cibele faz pelos pais dos outros o que não pôde fazer dentro da própria família. ;Me sinto muito bem quando vejo a mudança na vida dessas pessoas. E a dança pode ser praticada por qualquer pessoa, independentemente da idade. É divertida.; A instrutora precisa de voluntários para ajudá-la a cuidar da turma, pois, atualmente, trabalha sozinha.
;Qualquer pessoa pode ajudar. Seria uma boa experiência também para alunos de educação física, fisioterapia;, sugere. O projeto é uma boa troca de conhecimento entre jovens e aqueles que têm muitas histórias para contar. Enquanto dançam, os alunos reforçam para si mesmos e para quem os observa a certeza de que já viveram muito. Mas isso não é tudo. Apenas o suficiente para aprender a nunca se separar do riso, que os acompanha até a cena final do espetáculo de estar vivo.
Quer aderir?
Atualmente, a turma de dança sênior está completa. Mas quem quiser informações deve ligar para Cibele: 8128-9883 e 3597-3401. A professora também capacita novos instrutores de dança.
PARA SABER MAIS
No início, crianças
A alemã Ilse Tutt criou a dança sênior nos anos de 1990. A motivação veio da própria família. Tutt dedicava-se à dança para crianças. Certo dia, a sogra dela perguntou por que não dançar com a outra geração. Tutt quis experimentar. Anos depois, segundo registros oficiais da criação desse estilo, ela disse: ;Existe um meio mais bonito e eficiente de ativar idosos do que a dança sênior?
Os rostos alegres e cheios de vitalidade são um documento vivo;. Tutt morreu em 11 de julho de 1997. Antes disso, viu seu método se espalhar pelo mundo, até chegar ao Brasil, 15 anos atrás.