Naira Trindade
postado em 05/03/2011 07:00
Tradicionais centros comerciais do Distrito Federal, as feiras populares amargam o abandono. Construídas para abrigar vendedores de produtos regionais e camelôs, esses comércios carecem de infraestrutura, abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica. Na maioria delas, dezenas de bancas permanecem fechadas durante a semana por falta de fregueses. Só algumas conseguem levar os consumidores às lojas. Para piorar a situação, o Governo do Distrito Federal (GDF) suspendeu a revitalização ; prometida em 2009 ; de pelo menos 10 feiras. Segundo a assessoria de imprensa da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), cada processo passa por uma ;varredura;, sem previsão de retorno ou de início das obras. Sujeira, ratos, mau cheiro, goteiras, barracas sem padronização, buracos no piso e até riscos de choques elétricos nos postes de iluminação interna tumultuam a rotina dos frequentadores em quase todas as 38 feiras permanentes espalhadas pelo Distrito Federal. Além delas, há outras 26 itinerantes e shoppings populares, somando 64 ao todo. Em vez de abrigar histórias e disseminar culturas, como ocorre no Mercado Modelo de Salvador (BA), na Feira Hippie de Belo Horizonte (MG) ou na Feira de Confecções de Goiânia (GO), os centros comerciais do DF se tornaram exemplos de descaso público. Com infraestrutura deficitária e sensação constante de insegurança, as feiras perdem diariamente freguesia e caem no esquecimento popular. ;Nosso cartão-postal está abandonado;, reclamou Terezinha Brito, da Associação da Feira Permanente de Santa Maria.
Improviso
O Correio percorreu cinco dos principais pontos tradicionais do Distrito Federal. Na primeira parada, um improviso ganhou certa ;permanência;. Em Sobradinho, o que era para durar seis meses ultrapassou 18: três vezes mais. Na quadra central, os tapumes escondem o chão de terra batida, coberto pela estrutura metálica erguida sobre uma área de 5.890 metros quadrados. A feira deveria abrigar 339 boxes, com tamanhos variados para bancas de alimentação, verduras, produtos de informática e confecções.
O projeto inicial garantia três restaurantes, banheiros masculino, feminino e para portadores de necessidades especiais, fraldário, depósito, lixeira e espaço para oficina de artesanato com mezanino.
O custo da reforma seria de R$ 5,2 milhões (R$ 4,8 milhões do projeto inicial mais o aditivo de R$ 400 mil da mudança dos feirantes para outro endereço). As promessas começaram em fevereiro de 2009, quando o então governador José Roberto Arruda (sem partido) anunciou a construção das feiras de Sobradinho II, Itapoã, Santa Maria, além de revitalizações nas do Cruzeiro e do Gama. Em cada endereço, haveria uma sala para a administração e outra para a associação, assim como espaços para equipamentos de prevenção e combate a incêndio. Longe do sonho prometido, o presidente da Associação da Feira Modelo de Sobradinho, Paulo Jorge Fernandes, trabalha numa sala improvisada de 3m de cumprimento, construída com chapas de madeira em um canto improvisado.
Os espaços reservados aos vendedores da feira de Sobradinho oferecem de tudo. Roupas, calçados, brinquedos, verduras, peixes, carnes, produtos importados e originários do Nordeste, artigos religiosos. No local, quando chove, a água que escorre na lona furada, molha a roupa que enfeita os manequins e suja a mercadoria. Na banca ao lado, a chuva escorre pelo poste de iluminação deixando-o eletrificado. ;Nosso público não aceita mais essa situação e as vendas caíram em cerca de 50%. Os comerciantes passam dias sem vender.;
Na feira de Sobradinho, há aproximadamente 260 bancas. O número é inferior ao existente no antigo endereço, porque alguns comerciantes se recusaram a aceitar as condições impostas. ;Nos colocaram num terreno íngreme. Quando chove, a enxurrada desce e invade minha loja;, reclamou o comerciante Alexandre Dias, 26 anos, que diz ter perdido mercadoria por causa da água. ;A construção da nova feira tinha conclusão prevista para abril de 2010, mas, desde que Arruda saiu, as obras paralisaram;, esclareceu Paulo Fernandes.
A revitalização do espaço comercial é de responsabilidade da empresa Danluz Engenharia, dos sócios Daniel Nunes da Silva e Jonas Félix dos Santos. O engenheiro responsável pela obra, José Rodolfo Rodrigues de Castro, justificou o atraso com as interdições que ocorreram no local. ;Tivemos que fazer algumas alterações que não eram compatíveis com o projeto. Depois, precisou-se adequar com as exigências do Corpo de Bombeiros Militar. Foram mais de 143 dias de interdição;, explicou.
A empresa retomou as obras e parou novamente depois. Desta vez, a interrupção se deu por falta de pagamento. ;Há seis faturas atrasadas no valor de R$ 1,5 milhão. As últimas duas notas que recebemos no valor de R$ 500 mil eram de 14 de dezembro de 2009. O contrato prevê a paralisação da obra por parte do contratado;, afirmou. Segundo José Rodolfo, um novo pedido de prorrogação de 120 dias para conclusão da obra está em andamento.
Prejuízo
A imagem é sombria e desoladora. Apesar de a placa na entrada avisar que a Feira Permanente de Samambaia Norte abre das 8h às 18h, de terça a domingo, às 15h30 de uma quarta-feira, as lojas desobedeciam ao anúncio. Dona de uma loja de calçados, Sebastiana Carneiro, 64 anos, abaixava às portas depois de passar o dia sem vender nenhum par de sapatos. ;Se não tivesse trazido comida de casa, meu prejuízo seria maior. É como se eu estivesse pagando para trabalhar;, contou a moradora da cidade.
Na tradicional feira ; existente há 18 anos ; , dos 342 boxes, pelo menos 55 permanecem constantemente lacrados há tempos, segundo a presidente da Associação dos Feirantes, Luzia Fernandes. ;O regulamento determina obrigatoriedade de abertura das lojas de quinta-feira a domingo. Mesmo assim, muitos não abrem as portas. Com grande parte dos lojistas de portas fechadas, a associação alega não conseguir arrecadar dinheiro suficiente para manter as luzes acesas, e os comerciantes ficam durante o dia às escuras. ;Passamos o dia sem iluminação;, reclama Ana Cleide Alves, 35 anos, que também vende calçados. Distante dos olhares de órgãos fiscalizadores, os donos de boxes seguem uma legislação própria de convivência. Vendem ou sublocam os espaços entregues pelo governo, derrubam paredes, aumentam os cômodos, tudo sem serem incomodados.
A movimentação comercial na Feira Popular do Gama destoa das demais. Localizada no centro da cidade, a feira consegue conquistar fregueses pela variedade de produtos ofertados. Apesar de o piso ser antigo e estar quebrado, o investimento de R$ 3,4 milhões na troca da cobertura garantiu uma circulação tranquila dos consumidores. A autônoma Rosa Maria Nazarro, 34, aproveita a diversidade do comércio com o filho Arthur. ;Vim comprar um brinquedo e acabei trazendo-o para ver as aves e os peixes;, disse. ;As feiras do DF estão inacabadas, na verdade, não tem nenhuma concluída. Em algumas fizeram coberturas, mas não fizeram pisos;, concluiu Francisco Valdenir Machado Elias.