Não existe uma definição sobre o que faz uma mulher ser mulher. Apesar de todos os padrões conhecidos e de alguns comportamentos rotulados como femininos, é possível dizer que ser mulher é surpreender. Pouco importa se ela faz isso de saia ou de calças, com ou sem salto alto. Os dilemas começam logo na infância. Algumas brincam com bonecas, outras preferem carrinhos.
Há aquelas que sonham com o casamento, planejam cada momento. Mas existem também as que vivem felizes a solidão. Impossível prever. No Dia Internacional da Mulher, o Correio presta uma homenagem a elas. A seguir, você vai conhecer as histórias de oito mulheres moradoras do Distrito Federal. De perfis, idades, realidades e classes sociais distintas, elas contam um pouco das dores e delícias de habitar o universo feminino.
Mulheres de diferentes faixas etárias relatam as dificuldades e as conquistas que tiveram ao longo das décadas. Dos 8 aos 85 anos, elas mostram sua força. Desde as pequenas Laís, 10, e Maria Luísa Madureira, 8, que adoram se enfeitar e já sabem usar o charme, até a artista plástica e escritora Maria Lygia Rodrigues, 85, uma senhora que precisou ser forte para se impor em um tempo em que ser artista não era atividade recomendada para moças de família.
Precursoras como Lygia abriram caminhos. Hoje, a juíza Vanessa Garcia Lemos, 36 anos, pode exercer a profissão sem se deixar abalar pelos preconceitos. Há também quem tenha encontrado a própria feminilidade em Brasília, como a sérvia Linda Milovic, 56. ;Ser feminista é legal, mas ser mulher é muito melhor;, garante. Intrínseco a elas é o sentimento de enfrentar o que der e vier e o de não querer ser qualquer coisa que não mulher. A assessora da Presidência da República Márcia Brandão, 59 anos, que o diga. ;A coisa de que sinto mais orgulho na minha vida é ter conquistado o meu lugar. Se tivesse de voltar atrás, teria feito tudo igual.;
Luta
Há 154 anos, 129 operárias entraram em greve para protestar contra as péssimas condições de trabalho em uma fábrica de tecidos em Nova York. Reprimidas violentamente pela polícia, as manifestantes foram trancadas no local e morreram carbonizadas em decorrência de um incêndio. O 8 de Março começou a ser comemorado em 1910. O objetivo é lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, assim como promover ações para extinguir a discriminação e a violência contra elas.
Infância - As iniciantes
As meninas são primas, mas parecem irmãs. As mães de ambas engravidaram uma na sequência da outra e, solteiras, decidiram morar juntas. No apartamento onde elas vivem, em Taguatinga Norte, tudo transpira feminilidade. Há batons, perfumes e acessórios cor-de-rosa espalhados por todos os lados. Viver nesse ambiente despertou em Laís e Maria Luísa pensamentos de gente grande, sem perder a inocência.
As duas sabem, porém, dosar a superficialidade. ;A mulher é importante por tudo o que representa: é mãe, esposa, trabalhadora e merece respeito;, diz Laís, que quer ser médica quando crescer. Maria Luísa diz que pretende seguir a carreira de bióloga ou veterinária.
As pequenas já perceberam que nem tudo é fácil no mundo feminino. ;Eu fico pensando naqueles probleminhas que só as mulheres têm, sabe?;, diz Maria Luísa, sem entrar em detalhes. Laís, que é tão vaidosa quanto a prima, afirma ter medo da tensão pré menstrual (TPM). ;Para mim é tendência para matar;, brinca, baseada na experiência de morar com a mãe e a tia, respectivamente, as professoras Gláucia Madureira, 32 anos, e Glauciê Madureira, 27.
Aos 20 anos - A segura
Quando se olha no espelho, a moradora do Recanto das Emas Ananda Martins de Sousa gosta do que vê. As queimaduras deixadas por um grave acidente sofrido na infância não parecem abalar a autoestima da jovem.Os cabelos loiros são muito bem cuidados e as unhas, estão sempre feitas.
Aos 2 anos, Ananda dormia em uma rede, no Maranhão, sua terra natal, quando uma irmã dela deixou que uma lamparina entrasse em contato com o pano. As chamas alastraram-se rapidamente. A menina teve queimaduras de segundo e terceiro graus em todo o corpo, inclusive no rosto. Devido à gravidade dos ferimentos, teve o braço esquerdo amputado.
Depois do acidente, a família da menina mudou-se para Brasília com o objetivo de tratá-la no Hospital Sarah Kubitschek. Até os 16 anos, Ananda era uma adolescente tímida. Hoje, a autoconfiança surpreende. Ela adora sair para dançar. ;O importante é ser segura. Não sinto a rejeição das pessoas. Nunca fui de outro jeito, só sei ser assim;, revela. Ananda cursa faculdade de letras francês na Universidade de Brasília (UnB). Ainda não tem namorado. Paixão, por enquanto, só pela vida.
Aos 30 anos - A determinada
Ao entrar na sala de audiência, no Fórum de Santo Antônio do Descoberto (GO), todos se surpreendem com Vanessa. À primeira vista, muitas pessoas ficam impressionadas com a beleza e a juventude da juíza. Ela não se incomoda.;Já vivi algumas situações engraçadas. Certa vez, uma advogada chegou ao fórum procurando o magistrado. Quando fui recebê-la, ela me disse: ;Benzinho, eu quero falar é com o juiz;. Eu respondi: ;Só tem eu, se servir...;;, diverte-se.
Nascida em Goiânia (GO), a magistrada ocupa o cargo desde 2002. Iniciou a carreira aos 27 anos, após ser aprovada em concurso público. A primeira comarca foi a de Cidade Ocidental. Logo de cara, teve que lidar com casos extremos de violência.
Ela precisou impor respeito, sem abrir mão da vaidade. ;Uma mulher precisa demonstrar duas vezes mais competência que um homem para conseguir o que quer. Às vezes, tem de ter mão de ferro;, explica. Ela é conhecida no Entorno por ser linha- dura. Mas quem a conhece sabe que ela é puro bom humor. ;Quando entro no presídio para fazer visita, todos os presos vestem a camisa, fazem fila e ficam de cabeça baixa. Não ouço nenhuma gracinha;, diz.
Aos 40 anos - A supermãe
Quem acompanha as atividades diárias de Cleunice Bohn de Lima tem a sensação de que o dia dela é mais longo que o comum. Com ela, sempre foi assim. A necessidade de ajudar em casa fez com que começasse a trabalhar aos 12 anos em um sindicato de uma cidade do interior do Paraná. Desde os 16 anos, concilia as responsabilidades com filhos, estudo e a compulsão pelo trabalho. Nas duas primeiras vezes em que engravidou, não chegou a tirar 15 dias de licença-maternidade.
Mudou-se várias vezes de cidade, teve profissões diversas, casou-se por três vezes. Mãe de dois meninos, Francis e Christian, ela sonhava com uma garotinha. Aos 42 anos, ela descobriu que gerava Giovanna. Quando a caçula nasceu, foi diagnosticada com síndrome de Down. A vida, focada no trabalho, mudou. Ela pediu demissão e passou a ter como objetivo de vida o desenvolvimento da filha. A evolução da criança se deve à incansável e integral dedicação da mãe. ;Eu tenho a obrigação de fazer com que a minha filha se desenvolva ao máximo.; Ela já faz planos para voltar a trabalhar. ;Com o tempo, as coisas também ficam mais fáceis. Não há nada de que eu tenha medo.; Ninguém duvida.
Aos 50 anos - A descobridora
Nunca é tarde para aprender e Linda Milovic, 56 anos, é um exemplo disso. Nascida em Belgrado, quando a Sérvia ainda era parte da Iugoslávia, antes de desembarcar no Brasil, ela sempre teve uma ideia muito diferente do que é ser mulher. Há quase 10 anos, ela e o então marido mudaram várias vezes de país na tentativa de escapar da guerra civil que desmembrou a Iugoslávia em cinco nações.
Em terras tupiniquins, ela repaginou seus conceitos. Era carnaval quando ela chegou por aqui. ;Fiquei chocada com tanta liberdade, com o assédio. Aos 50 anos, me descobri;, diz. Aos poucos, ela foi incorporando hábitos locais. Para ela, ser mulher é melhor e mais fácil no Brasil, onde ;somos mais valorizadas em todos os sentidos;.
Apesar de nunca ter abandonado os ideais feministas, reviu conceitos. ;Ser feminista é legal, mas ser mulher é muito melhor. Você precisa aprender e valorizar isso;, argumenta Linda.
Linda não teve filhos, é separada e atualmente tem um namorado. Não pensa em se casar novamente. Sente-se confortável com a liberdade e com a experiência adquirida ao longo dos 56 anos de vida.
Aos 60 anos - A valente
Não se deixe enganar pela pouca estatura de Márcia Brandão. No ano em que completa 60 anos, ela deixou a aposentadoria de lado para trabalhar como assessora no Palácio do Planalto que, pela primeira vez na história, é comandado por uma mulher. ;Comecei a trabalhar na campanha de Dilma Rousseff porque tinha o sonho de ver uma mulher presidente do Brasil;, explica.
A família católica de Sete Lagoas (MG) pouco pôde fazer contra os ímpetos de liberdade de Márcia. ;Comecei a namorar muito cedo. A minha personalidade fazia com que as pessoas da cidade achassem que eu tinha o ;nariz empinado;;, conta.
Assim que teve chance, pegou carona com a irmã casada e mudou-se para Brasília. Em plena ditadura, na década de 1970, encontrou seus pares em um grupo de estudantes de comunicação da Universidade de Brasília, responsáveis pela produção de um jornal cultural clandestino.
Desde então, engajou-se em lutas sociais e pelos direitos da mulher. ;Homens e mulheres são diferentes, mas não na capacidade nem nos sonhos. Acho que temos que ser tratados de maneira igual;, diz.
Aos 70 anos - A independente
Se tem algo que Maria de Lourdes não suporta é que tentem controlá-la. Paraibana, nascida em João Pessoa, a viúva mãe de três filhos não permite que ninguém influencie suas decisões. Há oito anos, perdeu o marido. Três anos depois, começou a namorar um vizinho. Um dos filhos quis impedir o romance. Maria não aceitou. ;Onde já se viu filho querer mandar em mãe? É machismo demais. Ele teve de aceitar.;
Maria sempre trabalhou, diferentemente de várias amigas da mesma geração, que eram donas de casa, por imposição dos maridos. Com o novo relacionamento, a nordestina descobriu os prazeres de um amor moderno. ;Ele mora na casa dele e eu na minha. Amor sem ter que lavar cueca é muito melhor.; Maria é 10 anos mais velha que o namorado atual, José Pereira Lima, 60 anos.
Os dois se conheceram na Associação dos Idosos de Taguatinga, fundada por ela, quando ela ainda nem tinha passado dos 50 anos. É uma visionária, sempre pensando no futuro. ;Tenho uma saúde muito boa. Montei a associação para ajudar quem não teve a mesma sorte. Sinto-me realizada. Posso dizer que minha vida sempre foi muito feliz. O segredo é manter-se na atividade.;
Aos 80 anos - A vanguardista
Maria Lygia Rodrigues tem vários dons. Quem não conhece a história dela, ao saber que ela é artista plástica e poetisa, pode pensar que, quando mais jovem, ela era a típica moça prendada. A verdade é que ela tropeçou no preconceito e nos ;bons costumes;. ;Quando me matriculei no curso de belas artes, em Niterói (RJ), meu pai ameaçou me expulsar de casa;, conta. Nos idos de 1940, mulheres artistas não eram bem vistas pela sociedade. Ela não se importou. A insistência compensou: ela está prestes a lançar o décimo livro e conquistou um sem número de prêmios de arte. ;Não queria ser homem de jeito nenhum. Se eu reencarnar, quero voltar mulher.;
Sorte da artista ter encontrado um marido como Luiz Rodrigues. ;Ele me apoiou em tudo. Chegou a ficar contra a própria família;, relembra. E, sendo bom exemplo de um grupo de mulheres vanguardistas do século 20, ao se casar com Rodrigues ela comungou a tradição e o avant guard. Combateu o machismo e cultuou a liberdade. Nada disso a impediu de ser esposa e mãe. ;Ganhei o maior prêmio de loteria ao me casar com ele. Luiz Rodrigues foi minha âncora na vida. Quanto à maternidade, é um complemento maravilhoso;, diz.