Cidades

25% dos adolescentes internados no DF praticaram homicídios, segundo MP

Mas promotores e GDF divergem quanto à necessidade de internação em casos de crimes menos graves

postado em 10/03/2011 07:00
Um em cada quatro meninos e meninas detidos nas três unidades de ressocialização do Distrito Federal ; Centro de Internação de Adolescentes da Granja das Oliveiras (Ciago), Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) e Centro de Internação de Adolescentes de Planaltina (Ciap) ; responde por homicídio. Ao todo, são 481 menores de 18 anos sentenciados e internados, dos quais 116 foram condenados por assassinato e outros 40 por latrocínio (roubo com morte). Na detenção provisória, dos 135 jovens aguardando sentença judicial, 10 são acusados de mortes intencionais e outros dois por latrocínio. Os dados são da Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Crimes como tráfico de drogas e furto aparecem, cada um, como a causa da internação de 5% dos apreendidos ; porte de armas representa 10%. Na última semana, o governo local anunciou mudanças no sistema socioeducativo do DF, como a criação de cinco unidades de internação: em Sobradinho, Brazlândia, Gama, São Sebastião e Santa Maria. Para que o plano seja colocado em prática, no entanto, o GDF pediu à Justiça um prazo de dois anos, tempo em que o Caje, que teve o funcionamento condenado judicialmente, deve permanecer recebendo jovens e crianças. Atualmente, a unidade comporta quase o dobro da lotação. São 311 adolescentes no local, mas o limite é de 160. Para tentar desafogar o sistema, uma das medidas anunciadas pela Secretaria da Criança é diminuir a aplicação de penas de internação no DF, prezando por medidas como a semiliberdade e a liberdade assistida (leia O que diz a lei).

Representantes do governo local argumentam que 43% dos adolescentes internados, segundo a estatística da pasta, respondem por crimes contra o patrimônio. Nesses casos, defendem que muitos poderiam ser submetidos à reeducação em liberdade. ;Boa parte dos adolescentes nessa situação poderiam estar sendo atendidos em outras medidas, não precisavam estar internados. Sabemos que a população quer respostas, mas essa sede por internar não soluciona o problema;, explicou a coordenadora do sistema socioeducativo da Secretaria da Criança, Ludmila de Ávila.

Prioridades
O promotor do MPDFT Renato Varalda reclamou da posição do GDF. Segundo ele, a situação não pode ser encarada de maneira simplista. ;Crimes contra o patrimônio são gravíssimos. Envolvem a utilização de armas de fogo. Além disso, em casos de roubo, por exemplo, só recomendamos a internação após reiteradas práticas de outros atos infracionais ou em razão do descumprimento pelo jovem de medidas em meio aberto ou semiaberto, impostas em outros processos;, garante.

A ideia divulgada pela atual gestão do governo de que se prioriza na capital do país a medida socioeducativa de internação de adolescentes é criticada em nota pública, assinada por dez promotores da Justiça Infracional de Brasília e de Samambaia. ;Os promotores de Justiça sempre zelaram pela criteriosa aplicação do princípio da excepcionalidade da referida medida, requerendo-a apenas nos casos graves, tais como latrocínio, homicídio, roubo, estupros ou ainda em outros casos graves em que há reiterada repetição na prática de ato infracional;, indica o documento.

De acordo com Varalda, as unidades de internação realizam relatórios em que há a análise psicossocial dos adolescentes, permitindo que o contexto pessoal, familiar e social deles sejam examinados pelo juiz antes do decreto da internação definitiva. ;Respeitamos a excepcionalidade da medida e, por isso mesmo, só a aplicamos quando necessário. Essa é a realidade do DF. Se a sociedade quer autores de roubos soltos pelas ruas é ela que deve se pronunciar quanto a isso, e não o governo;, defendeu.

O secretário da Criança, Dioclécio Campos, discorda dos promotores. Segundo ele, a diminuição da internação, em se tratando de adolescentes, é uma tendência mundial. ;Estamos usando muito essa alternativa no DF. Temos que dar prioridade para as medidas de meio aberto. Claro que há a necessidade de internação, mas essa ideia de que a maioria dos jovens responde a crimes que justificam esse tipo não corresponde à realidade;, disse o dirigente. De acordo com o órgão, 88 adolescentes cumpriram penas em semiliberdade no DF em 2010, enquanto outros 2.223 estiveram em liberdade assistida.

Investimento
Há orçamento para a construção de quatro centros de internação no DF. A previsão é que cada um custe aos cofres públicos cerca de R$ 12 milhões. Um quinto estabelecimento que atenderá 40 meninas em conflito com a lei será custeado com a ajuda do governo federal. O edital de licitação deve ser publicado em abril. As obras estão previstas para julho. Se tudo ocorrer dentro do planejado, a expectativa do governador Agnelo Queiroz é entregar as unidades no fim do primeiro semestre de 2012.

Mecanismo de defesa
Para especialistas em segurança pública e em medidas socioeducativas para adolescentes, o sistema de internação do DF gera polêmicas. Para Vicente Faleiros, professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Católica de Brasília, existe uma defasagem entre o que é determinado pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o que se estabelece no DF. ;A internação não pode acabar. Ela é um mecanismo de defesa da sociedade e também do próprio adolescente, que acaba ameaçado pelo meio no qual se envolveu. Em alguns casos, é preciso a colocação de um limite forte para o jovem, mas a internação deve ser uma medida de contenção e reeducação. Não basta ser apenas um depósito nem as ações governamentais ficarem limitadas à construção de prédio;, avalia.

Faleiros considera que a tendência judicial pela internação é uma realidade muitas vezes forçada pela falta de atitude governamental. ;Trata-se de uma tendência entre a maioria dos juízes internar. Mas, se não há política de meio aberto para o magistrado encaminhar, o que ele vai fazer?;, questiona.

O especialista em segurança pública da UnB Antônio Flávio Testa também destaca a falta de opções socioeducativas, mas avalia que a internação é insubstituível em alguns casos. ;Se não há políticas alternativas sobra para o sistema internar. Além disso, creio que em alguns casos não há possibilidade de recuperação. Um adolescente que já matou sete pessoas é irrecuperável;, avalia Testa. Para ele, o governo deveria investir em políticas de prevenção no lugar de um único esforço pela reeducação. ;Existem alguns casos que são passíveis de recuperação, mas, na maioria das vezes, o que vemos são episódios de reincidência;, considera.

; Colaborou Saulo Araújo

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