Cidades

Após 14 anos, segurança no uso das faixas de pedestres perde força

Desde 1997, 77 pessoas morreram ao passar sobre as listras brancas. Detran reconhece que faltam campanhas educativas

Adriana Bernardes
postado em 01/04/2011 07:00

Há exatos 14 anos, os brasilienses decidiram dar um basta ao desrespeito aos pedestres. A partir de uma campanha que se tornou exemplo para o Brasil, ficou claro entre a população e as autoridades de segurança que a faixa seria um território seguro para a travessia de qualquer pista. Mas, com o passar do tempo, o respeito às linhas brancas perdeu força. As exceções estão cada vez mais frequentes e, com elas, as mortes sobre o equipamento de segurança. A falta de campanhas educativas, de fiscalização e, consequentemente, de punição têm manchado de sangue um dos orgulhos brasilienses.

Desde que foi criada, em 1997, a imprudência ou a fatalidade resultaram na morte de 77 pessoas sobre a faixa. Ao longo do ano passado, o Departamento de Trânsito (Detran) contabilizou sete vítimas, o terceiro pior resultado nos últimos 14 anos. E 2009 entrou para a história como o que mais registrou mortes sobre a faixa, totalizando 11 casos.
É verdade que há 14 anos havia cerca de 600 faixas pintadas, e a frota candanga era de 523 mil veículos. Atualmente, são aproximadamente 4,5 mil equipamentos de segurança e 1,2 milhão de carros. Mas, independentemente desse aumento, o fato é que diariamente condutores e pedestres são flagrados em atitudes de desrespeito mútuo. Em dois dias, a reportagem fotografou maus exemplos no Plano Piloto, em Sobradinho e na DF-290, na altura de Santa Maria. Também é evidente a falha do poder público em garantir a manutenção dos equipamentos. Muitos estão apagados ou mal sinalizados. Há casos em que os motoristas estacionam sobre elas ou ao longo do meio fio. Essa atitude atrapalha, assim, a visão de quem trafega pela via.

]Em Sobradinho, os guarda-sóis de ambulantes escondem a placa de sinalização da travessia de pedestre localizada entre o Bloco 9 da Quadra Central e uma agência do Bradesco. O estacionamento nas vagas regulamentadas e em fila dupla fazem com que os condutores não percebam que o pedestre vai iniciar a travessia. O construtor Rodrigo Fernandes, 29 anos, se queixa da sinalização, mas destaca também a falta de atenção de quem dirige. ;As placas são colocadas muito próximas das faixas. Quando você vê, está em cima do pedestre. De modo geral, as pessoas respeitam. Quando isso não acontece, não é por mal. Às vezes, falta atenção;, avalia.

Falhas
Diretor-geral do Detran, José Alves Bezerra afirma que a faixa de pedestres ainda é respeitada em Brasília, fato medido por uma pesquisa do órgão (veja matéria na página ao lado). Mas reconhece que, nos últimos anos, faltaram campanhas educativas. Uma das apostas do órgão para reduzir as mortes é um novo modelo de faixa. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) autorizou a pintura de seis deles para testar a eficácia. Os resultados serão avaliados por um ano e, se forem positivos, a faixa desenvolvida por técnicos do Detran, da Polícia Militar, do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e por peritos de trânsito da Polícia Civil será adotada em todo o país.

A diretora de Estatísticas do Detran, Ana Rita Speziale, explica que esses modelos estreantes ; pintados em frente à Fundação Hemocentro, na Asa Norte, e entre o Hotel Bonaparte e a Embratel, no Setor Hoteleiro Sul ; são chamativos. Cada detalhe foi desenvolvido após a análise das causas de atropelamentos fatais sobre as faixas. ;O ziguezague e as tartarugas afunilam a pista e obrigam o motorista a reduzir a velocidade. A faixa amarela ao longo do meio fio e na pista tem 16 metros, melhorando a visibilidade;, detalha. Na calçada, há uma área pintada de vermelho com uma seta ou o sinal de vida.

Na Asa Norte, em frente à Fundação Hemocentro, nem mesmo o novo modelo garantiu a prioridade de passagem para a estudante Rayssa Sion, 31 anos. Pelo menos dois motoristas seguiram direto apesar de ela ter acenado com a mão a intenção de atravessar. ;Uns param, outros, não. E é muito comum eles (os condutores) ficarem acelerando o carro ou buzinando para a gente correr;, relata a moradora de Taguatinga.

Em outras vezes, a imprudência é do pedestre. Nesse mesmo local, pelo menos quatro pessoas atravessaram a via fora da faixa, apesar da proximidade com o equipamento de segurança. Atitudes que contrariam as normas de circulação do Código de Trânsito Brasileiro (leia arte na página 27) e potencializa o risco de acidente e de morte. As justificativas são sempre as mesmas: a pressa. ;Nossa, me desculpe, mas estou sem tempo. Foi por isso que cortei caminho;, justificou um homem.

Acordo de paz

Especialista em educação de trânsito, Eduardo Biavati, da Em Trânsito Consultoria, morava em Brasília quando a faixa foi implantada. Segundo ele, a grande vitória da campanha foi estabelecer uma zona livre e de segurança máxima para quem faz a travessia. ;Ter 4,5% dos pedestres mortos justamente sobre os pontos onde todos selamos um acordo de paz é um péssimo sinal. Estamos diante de uma evidência muito clara de uma inação. O nosso pacto foi de intolerância à morte de pedestres na faixa;, lamenta.
Na avaliação de Biavati, o aumento da frota e das faixas não pode ser argumento para o crescimento das estatísticas. ;Deveríamos ter investido mais em campanhas para educar os novos usuários e manter a consciência dos condutores daquela época. Mas a gestão do trânsito não foi capaz de manter a disseminação desse pacto de segurança;, critica.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação