Cidades

Comunidade da Estrutural reclama de campo de futebol que virou lixão

O SLU alega que há risco à saúde

postado em 06/04/2011 07:00
Crianças carentes fizeram cartazes na tentativa de sensibilizar os responsáveis pelo local. Entre as mensagens de amor ao esporte, apelos para que o campinho volte a ter a função anteriorAs faixas penduradas em frente à Associação Viver, na Quadra 15 da Estrutural, demonstram indignação com o fim de um dos únicos espaços de lazer da comunidade, um campo de futebol que ficava ao lado da instituição e acabou transformado em lixão. O terreno, de acordo com o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), pertence ao órgão e era usado sem permissão. Ali, pessoas de todas as idades jogavam bola, em um dos projetos sociais comandados pela entidade. Agora, nas paredes, há frases de protesto: ;Nosso direito ao lazer não é lixo!” e ;Queremos nosso campo de volta!”

Há mais de 14 anos, o local era utilizado como campinho de futebol. Antes, segundo representantes da Viver, o lugar estava abandonado. ;Nós cortamos a grama, colocamos as traves e deixamos as crianças e as pessoas da comunidade jogarem futebol ali. A Estrutural é totalmente carente de lazer. Temos uma quadra, na área central, mas ela está toda detonada;, afirmou a coordenadora da associação, Fabiana Ribeiro.

A mudança ocorreu por volta de 15 dias. Um caminhão carregado de terra e de entulho despejou o material no terreno, tomando conta do antigo campo improvisado. As crianças da instituição correram para avisar aos professores. O presidente da entidade tentou conversar com um funcionário do SLU responsável pelo aterro da Estrutural, que fica ao lado da Viver, mas não conseguiu negociar. ;O terreno estava vazio. Demos uma função social a ele. Agora, o SLU vem e joga entulho, lixo, tudo ali. Nossa preocupação é que, com isso, ratos e baratas comecem a invadir a Viver;, explicou Fabiana.

O SLU informou, por meio da assessoria de imprensa, que o terreno pertence ao órgão e não pode ser usado para um fim diferente do de depósito de lixo. Afirmou também que, ao jogar futebol ali, as crianças eram expostas ao risco de contaminação. Ainda segundo o SLU, o local, antes da lei que prevê a incineração de lixo hospitalar, foi usado como aterro para esse tipo de resíduo perigoso. ;Usamos o campo durante 14 anos e nunca ocorreu um acidente. Nunca vimos esse lixo;, rebateu Fabiana.

O diretor de operação do SLU, Delival Lemos de Souza, afirmou não ter sido procurado por representantes da Viver. ;Encomendei uma avaliação do terreno e há gases e chorume naquele local. Não é adequado para as crianças brincarem. Aquele espaço estava tomado pelo mato, nunca foi usado como campo de futebol. Mas o SLU está aberto ao diálogo.; De acordo com eles, o material que está no lote será usado para melhorar as vias de acesso ao lixão.

Trabalho infantil
Inconformadas, as crianças fizeram cartazes na tentativa de sensibilizar os responsáveis pelo terreno. Escreveram mensagens de amor ao esporte. Mas não adiantou. ;Ninguém quis nos receber para falar do assunto. Não há negociação com o governo;, lamentou a coordenadora. Na tarde de segunda-feira passada, representantes da Viver procuraram o Ministério Público do DF em busca de ajuda. ;Promovemos projetos culturais e esportivos para mais de 400 crianças em situação de risco. Tiramos muitas delas do lixão, em situação de trabalho infantil, com esse atrativo da diversão;, disse Fabiana.

A maior parte dos atendidos na Viver é filho de catadores de lixo. Na entidade, eles recebem reforço escolar, oficinas de música, dança, teatro e circo, além de refeições. Com a interdição do campo, as aulas de futebol ficam prejudicadas. A associação improvisou um novo espaço, pequeno demais para tantos alunos, que jogam bola descalços, porque falta dinheiro para comprar chuteiras. Há no local grades enferrujadas. ;A decisão da empresa pública gera sérios riscos às crianças, uma vez que lixo e entulho estão sendo depositados em uma área extremamente próxima à entidade;, constatou o presidente da Viver, Coracy Coelho.

A situação do campo não é a única dificuldade enfrentada ali. Caminhões que deveriam trafegar por fora da Estrutural, no anel viário, para chegar ao aterro sanitário, desrespeitam a determinação do governo e circulam internamente o dia todo. O Departamento de Trânsito (Detran) tem feito campanhas para conscientizar os motoristas e reforçou a fiscalização. As ruas são estreitas, e as crianças correm soltas. O risco de acidentes é grande. O Correio presenciou na segunda-feira o momento em que um caminhão de lixo bateu na traseira de um carro ao deixar o lixão, no meio da tarde. Ninguém se feriu. ;No fim das aulas, temos que pedir a um educador para atravessar a criançada até o outro lado da rua. Não tem sequer faixa de pedestre;, reclamou Fabiana.

Dependência
Sem hospital e nenhuma estrutura de recreação, a Estrutural tem, em média, 45 mil habitantes, 60% com até 18 anos, de acordo com dados da administração regional. Boa parte dos moradores sobrevive do que vem do lixão, onde são depositadas 2,5 mil toneladas de resíduos todos os dias.

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