Roberta Machado
postado em 13/04/2011 07:44
Os prejuízos na Universidade de Brasília (UnB) devido à forte chuva do último domingo vão além de móveis e de equipamentos eletrônicos. Professores e alunos dos departamentos mais atingidos pelo temporal ; a maioria fica no Instituto Central de Ciência (ICC) Norte ; contabilizam as perdas imateriais em meio a muita água e lama. Um balanço parcial aponta que acadêmicos perderam dados de pesquisas encerradas ou em andamento, gravações em fitas cassete, textos, trabalhos finais, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Desde domingo, eles correm contra o tempo para tentar salvar outros documentos e evitar que o estrago seja maior. As aulas no ICC voltam hoje na parte não afetada pela inundação. Alunos das salas destruídas serão remanejados para outros locais.O Instituto de Ciências Humanas, que abriga os cursos de geografia, história e filosofia, foi um dos mais danificados pela chuva, os ventos de até 75km/h e a queda de granizo. O Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (Ciga), o Centro de Documentação Geográfica Milton Santos e o Departamento de Geografia foram tomados pela água. Computadores, móveis e livros boiavam por todo o ICC. ;Todos estão muito atônitos com tudo isso. Foi um choque e ainda estamos nos reorganizando. Vai demorar para termos a real dimensão de tudo o que foi perdido;, lamentou o professor Fernando Sobrinho, chefe do departamento de geografia.
;Nossa maior perda foi o centro de documentação. Era um local para apresentações de trabalhos, reuniões, aulas e foi inaugurado em setembro do ano passado;, citou. Além disso, todo o acervo a geografia estava guardado nesse espaço. Lá, a perda foi de 100%, garantiu Sobrinho. ;Até choramos quando vimos a situação;, contou a professora Marli Sales. Entre os documentos perdidos havia monografias, dissertações de mestrado, periódicos e livros acumulados por mais de três décadas. Sobrinho contabiliza perda de aproximadamente 3 mil obras.
Nos próximos dias, os funcionários do departamento continuarão o trabalho de levantamento e de possível recuperação do patrimônio perdido. A partir de então, identificar quais desses trabalhos contam com cópias na Biblioteca Central da UnB. Para o professor Rafael Sanzio, parte das perdas intelectuais sofridas na enchente poderia ter sido evitada com a devida preparação. ;Temos históricos de situações como essa, mas nunca com essa magnitude. Com certeza, algo já deveria ter sido feito para auxiliar o processo de drenagem, não só do câmpus, mas da Asa Norte;, criticou.
Fernando Sobrinho corre contra o tempo para tentar recuperar documentos que ainda estão nas salas atingidas. Mas ele disse que a ação precisa ser rápida, antes que a água destrua o que ficou. ;Cada vez que vou à UnB é uma tristeza a mais. A vida acadêmica é uma construção de anos, de muitos investimentos, trabalhos e dinheiro público e, de repente, você olha e só enxerga entulho;, desespera-se. ;Tivemos um prejuízo histórico para o departamento. Doações de materiais, obras raras, registros históricos do pensamento geográfico, tudo foi embora;, lamentou.
Perdas e danos
A força da água também deixou algumas salas da pós-graduação em antropologia da UnB destruídas. O coordenador do curso, José Pimenta, ainda faz um balanço do material perdido entre computadores, livros e pesquisas. ;São muitos dados e trabalhos de campo, que não temos como atribuir valor, além de difíceis de recuperar;, disse. Um dos pontos mais atingidos foi em uma sala de estudos dos alunos. ;Um espaço bem tradicional, onde o estudante pode estudar, trabalhar, trocar informações, que contribui muito para a qualidade do curso. Sentimos muito essa perda;, lamentou.
E foi nessa sala que a aluna de doutorado em antropologia Yoko Nitahara, 32 anos, moradora de Sobradinho, voltou ontem para tentar recuperar algum material. ;Toda a minha vida acadêmica está naquela sala;, desesperou-se. À tarde, a estudante conseguiu entrar no local onde guardava dados de pesquisas de campo, livros e documentos sobre o trabalho que realiza desde a graduação. Entre muita água, ela conseguiu recuperar alguns textos. ;Peguei fitas cassetes com algumas entrevistas que gravei, mas não sei se elas estragaram. Por sorte, meus livros não molharam e eu consegui pegar alguns textos que preciso ler nesta semana;, contou.
Muitos professores do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) também passaram os dias contabilizando os prejuízos provocados pela chuva de domingo. ;Houve perdas de paredes, armários e alguns documentos;, lamentou o diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Face), Tomás de Aquino Guimarães. Durante os próximos dias, a equipe vai tentar separar o entulho dos arquivos ainda legíveis. ;Conseguimos recuperar os papéis de seleção de candidatos a mestrado e algumas teses a serem defendidas;, enumerou. Segundo Guimarães, ainda não é possível destacar o tamanho do prejuízo intelectual sofrido pelo programa.
A interrupção dos trabalhos, mesmo por pouco tempo, também representou prejuízos irrecuperáveis em outros departamentos da universidade. A sala onde funcionava a UnBTV está fora do ar desde domingo, quando muitos aparelhos ficaram sob a água da chuva ; entre eles um projetor, que parou a mais de 100 metros do departamento. ;Não parei para fazer conta do prejuízo. Estou preocupado em assegurar a integridade do equipamento;, ressaltou o diretor da UnBTV, Armando Bulcão. Até ontem, a equipe da emissora universitária se concentrava em retirar o que ainda funciona do subsolo da UnB. ;Parece que o essencial está garantido. Ainda temos uma emissora, só falta o lugar seguro para transferir o acervo e transmitir o quanto antes.;
O reitor da UnB, José Geraldo Sousa Junior, lamentou os estragos na universidade. ;A perda imaterial é inestimável. Mas ela tem, por outro lado, a garantia de que as inteligências que construíram aqueles valores estão com um acumulado daquelas informações, e isso pode ser refeito. Algumas coisas podem ser restauradas;, acredita.
Depoimentos
;Não tenho como quantificar as perdas. Perdemos materiais, equipamentos de suporte, mas isso tudo ainda está sendo mensurado. Perdemos 30 anos de trabalhos de ex-estudantes, assim como quase 20 anos de mestrado. É uma pesquisa inestimável. Não dá para avaliar ainda quais pesquisas estão guardadas nessas máquinas. Mas estão em risco ao menos 20 anos de trabalhos que incluem o monitoramento do crescimento urbano de Brasília, um acervo imenso do mapeamento dos territórios quilombolas, paisagens do cerrado e expansão da agroindústria. É um quadro difícil, nos coloca a pensar nos riscos que sofrem as pesquisas, no que a universidade produz de conhecimento para servir à sociedade. As próprias dissertações de mestrado têm ajudado sobretudo para o planejamento urbano e dão suporte ao governo, que sempre usa essa base de informações.;
Rafael Sanzia, professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB)
;Muito equipamento foi perdido com a força da água que invadiu o ICC. Só soube de uma vez que a chuva provocou estragos como esse na UnB, que foi em 1973, mas, naquela época, a universidade estava começando. É claro que não estávamos esperando por isso. A parte mais afetada do ICC foi o subsolo, onde estão três laboratórios do Instituto de Letras, a UnBTV, a rádio e outros departamentos do programa de pós-graduação. Em dois laboratórios do instituto, a água entrou, mas, graças a Deus, os equipamentos não foram atingidos. Estávamos muito preocupados porque, em um laboratório, havia alguns equipamentos do curso de pós-graduação, aparelhos de videoconferência para esses cursos que ministramos para os surdos. Os equipamentos de fonética e de fonologia também não foram afetados. A água não chegou a esse nível. O laboratório de línguas indígenas também foi preservado. A maioria dos equipamentos também estavam desligados.;
Maria Luiza Ortis, diretora do Instituto de Letras