O Papai Noel está muito atrasado. Cerca de 20 mil entregas que deveriam ter sido feitas em dezembro do ano passado em todo o país ainda não chegaram ao destino. A estimativa do site Reclame Aqui revela um drama cada vez mais comum no dia a dia do consumidor e ainda sem solução. Na extensa lista de desculpas das empresas, sobram críticas a fornecedores, a quem transporta a mercadoria e até para as condições das rodovias brasileiras. A demanda concentrada no período de festas, que poderia justificar o descumprimento dos prazos, parece não ser o problema. O desrespeito ao calendário transformou-se em prática comum do comércio em todo o país, como demonstram as estatísticas estaduais.
No Distrito Federal, segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), foram registrados 6.526 atendimentos de clientes insatisfeitos com as compras realizadas tanto na web, quanto em lojas físicas ao longo de 2010. O número é 33,2% maior do que o registrado em 2009. De janeiro até a primeira quinzena de abril, quase 2 mil reclamações e consultas foram feitas à instituição. De acordo com o órgão, não é possível afirmar que as companhias estejam despreparadas para lidar com o público e organizar a distribuição dos produtos. O número exagerado de reclamações estaria relacionado ao aumento do consumo, a partir da recente ascensão das classes C e D, ao acesso facilitado ao crédito e à dilatação dos prazos de pagamento.
O criador do site Reclame Aqui, Maurício Vargas, aponta outros motivos. Segundo ele, a venda de produtos indisponíveis em estoque pode estar no centro do problema. ;Quando a loja pede sete dias, esse prazo é para acionar o fornecedor, que geralmente atrasa. Estamos acostumados a dizer que 2010 foi o ano do varejo. Foi mesmo fantástico, mas este ano precisa ser o da logística. Caso contrário, há riscos de o comércio deixar de funcionar;, explica.
O maior volume de denúncias registradas em todo Brasil, por meio do site, trata dos pedidos feitos em lojas virtuais. Os contratempos dos consumidores que realizaram compras on-line somam 75% dos comentários e desabafos registrados no portal. Esse número representa, apenas de janeiro a março deste ano, um total de 40 mil clientes desrespeitados em todo o país. Em segundo lugar, aparecem as lojas de móveis planejados, seguidas pelos magazines e por lojas físicas tradicionais. De maneira geral, 65% dos produtos comprados conseguem ser entregues dentro do prazo. Os outros 35% acabam extrapolando a data prevista.
Os sem-presente
No caso da agente de viagens Camila Avelar Mafra, foram necessários três meses de espera para, finalmente, pôr as mãos no notebook comprado em 18 de dezembro. A encomenda seria para presentear o filho, Gabriel, no Natal. Além da demora, a confusão foi tão grande que a empresa Americanas.com nunca chegou a entregar a remessa. Camila foi pessoalmente à transportadora para resolver o problema. ;Foram vários e-mails e telefonemas sem nenhuma resposta sobre a situação da compra. Fui ao Procon, pediram 30 dias para resolver a questão e nada. Quando o computador chegou na transportadora apareci lá com meus documentos e peguei o produto. A loja nunca me ligou para tentar amenizar a situação;, lamenta.
Para a consumidora, seria fundamental que as firmas encarassem o processo com mais seriedade. ;Eu testei o sistema antes, comprei livros e DVDs, nunca houve problema. Mas, depois dessa, eu nunca mais indico o site para ninguém. Também estou à procura de um advogado e vou entrar com processo;, assegura.
O servidor público Mateus Ribeiro Teston enfrentou situação semelhante. No início de fevereiro, comprou no cartão de crédito uma TV de LED. O produto era um presente de casamento e o custo total foi rateado por outros seis amigos. O prazo de 10 a 15 dias assegurado pelo Ponto Frio para a entrega venceu. A partir daí, as insistentes ligações para o SAC da empresa não levaram a nenhuma solução. ;Eu me arrependi completamente. Cada ligação durou mais de meia hora e só depois de um mês consegui cancelar a compra;, lembra.
Teston acredita que teria sido mais fácil comprar em uma loja física, com pronta entrega. ;O valor foi pago, mas o estorno no cartão ainda não foi feito e eu tive de comprar outro presente, assumindo novo débito. Agora, eu sempre encomendei produtos de fora do país e nunca teve erro. Acho que são as empresas brasileiras que não respeitam o consumidor;, avalia.
Dicas
; Entre em contato com a empresa ainda no primeiro dia de atraso e se intere da situação.
; Dependendo do problema, que estiver atrapalhando a entrega, vale reavaliar a compra.
Pode ser mais vantajoso cancelar o pedido e procurá-lo em outra loja.
; Se o consumidor se sentir lesado, ele deve recorrer ao Procon, ainda que cancele a compra.
; Verifique se a empresa é tradicional, se cumpre os contratos. Uma forma de checar esses detalhes é consultar o Procon antes mesmo de efetuar o pagamento.
; Se for desrespeitado não volte a comprar na loja e não indique aos conhecidos. Mudança no comportamento pode influenciar a postura das empresas.
; Todo consumidor tem direito de receber o dinheiro de volta. A devolução deve ser imediata e cabe ao cliente decidir se aceita um prazo maior para a devolução.
; Se a demora for muito longa, o preço do produto pode ter caído no mercado. O consumidor não é obrigado a aguardar a entrega depois de vencido o prazo.
; Se houver pressa para receber a compra, prefira ir a uma loja física e retirar de imediato.
; Pergunte sempre se o item está disponível em estoque.
Quando depende da entrega do fornecedor, os prazos podem se estender.
Projetos de lei
preveem sanções
Ao menos dois projetos sobre entrega de produtos, elaborados neste ano, tramitam na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal. O primeiro, de autoria do deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ), sugere a obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço público agendarem hora para o atendimento aos usuários.
O limite permitido para atraso seria de uma hora. Depois deste período, as firmas estariam sujeitas a sanções cabíveis, como pagamento de multas. O projeto inclui telefonia fixa, móvel, energia elétrica, TV por assinatura, acesso à internet, gás canalizado, abastecimento de água e coleta de esgoto.
Outro texto, de João Dado (PDT-SP), teve o relator escolhido na última quarta-feira, Eli Corrêa Filho (DEM-SP). O projeto amplia para todo país o que funciona hoje em São Paulo: obrigação de fornecedores de bens e serviços fixarem data e turno para a entrega de produtos ou visita técnica.