As fraudes no Transporte Urbano do DF (DFTrans) são numerosas e diversificadas. Há evidências de desvios de dinheiro em convênio para beneficiar deficientes, na compra de móveis, em contratos de informática e agora descobriu-se mais uma porta que se manteve aberta para as falcatruas na autarquia do governo local. Trata-se de um suposto esquema de direcionamento na contratação de guinchos pelo órgão oficial. Os indícios de irregularidades motivaram a instalação de mais uma sindicância interna. As investigações ainda estão em andamento, mas até agora os auditores rastrearam roubo de R$ 1,1 milhão no serviço de reboque terceirizado pelo DFTrans.
Em três linhas de apuração, o comitê de sindicância já identificou o destino de R$ 5,3 milhões desviados de parcerias feitas sob o pretexto de contribuir para o bom funcionamento da autarquia, cuja missão é garantir transporte público eficiente e seguro. Até agora, o grupo de auditores aponta 10 responsáveis, entre ex-gestores do próprio DFTrans e empresas contratadas pela autarquia. Entre os supostos envolvidos está Themistocles Eleutério. Ex-diretor operacional do órgão, ele é investigado no processo que apura os termos do negócio mantido entre o DFTrans e a empresa Auto Assistência Araújo e Silva. Themistocles foi quem formulou o projeto básico desse contrato.
O convênio entre o DFTrans e a Auto Assistência tinha como objeto a prestação de serviços de guincho para a remoção de carros e vans que faziam transporte pirata na cidade. A parceria com a firma, de propriedade de Isaías Lourival da Silva, se dava por meio do pagamento de diárias. O menor valor era fixado em R$ 600 e o maior, em R$ 900. A fatura integral era contabilizada mesmo que o tempo demandado para o reboque fosse mínimo. Se o trabalho durasse meia ou o dia inteiro, o valor cobrado era cheio.
A comparação com o sistema operado em outros contratos semelhantes no Brasil foi usada como método para avaliar a conduta no caso do DFTrans. Apurou-se, assim, que a rotina de pagamentos à empresa de guincho que atuava na autarquia do DF era flagrantemente favorável ao fornecedor, uma vez que nos demais convênios o acerto de contas se dá por meio do cálculo da quilometragem percorrida e do tempo de serviço demandado.
O mais curioso é que, apesar de o convênio ter normas convidativas do ponto de vista do fornecedor, apenas uma empresa, a Auto Assistência Araújo e Silva, participou do processo de licitação. Em 2009, pagou-se R$ 1,3 milhão para a firma de guinchos. Mas a empresa ainda reivindica outros R$ 400 mil de serviços supostamente prestados e não quitados. Os repasses minguaram após o escândalo da Caixa de Pandora e as sucessivas mudanças de governo. Em auditoria, o Tribunal de Contas do DF, no entanto, localizou repasse de R$ 60 mil à Auto Assistência referentes a serviços não realizados, apesar de o gestor do contrato na época, o gerente de Fiscalização da Diretoria Operacional Pedro Jorge Brasil, ter atestado a realização dos guinchos. A sindicância em curso no DFTrans aponta que dos R$ 1,3 milhão pagos, apenas R$ 200 mil teriam lastro nos atendimentos em prol da autarquia.
Mortes
Duas mortes tornam as histórias de corrupção no DFTrans ainda mais sombrias. Em meio ao processo de cobrança da firma Auto Assistência ao DFTrans, o dono dessa empresa, Isaías Lourival da Silva, foi assassinado com dois tiros no rosto. O crime ocorreu em 2 de março do ano passado em Goiânia (GO). Três meses depois, a Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH) concluiu que a morte do empresário teria sido encomendada pelo então gerente da firma, Fernando Batista da Silva. A motivação apontada no inquérito policial seria uma traição provocada por ganância. Segundo as investigações, Fernando teria encomendado a morte do sócio por R$ 40 mil.
A morte de Isaías deixa uma lacuna no processo de sindicância que apura as irregularidades do esquema do guincho no DFTrans. Assim como no caso das apurações sobre o convênio firmado entre o Centro de Assistência Social às Pessoas Portadoras de Deficiências do DF (Casped) e a autarquia. Reportagem do Correio publicada na última semana mostrou as evidências do desvio de R$ 2,9 milhões do contrato que aparentemente traria benefícios para servidores com necessidades especiais. Ex-presidente da Casped, Leni Justino também morreu no ano passado, por complicações de saúde. Pouco tempo antes de falecer, no entanto, Leni havia dado detalhes em depoimento de como ocorria o esquema de corrupção do qual ela própria funcionou como peça-chave.