postado em 19/04/2011 07:06
Por Silvestre GorgulhoBrasília;51 se mostra quinta-feira aos brasilienses, numa belíssima exposição que inaugura o Espaço Cultural da Câmara Legislativa. Há um acervo de primeira grandeza, história didaticamente contada, fotos, a maquete itinerante e duas novidades que vale destacar. O espaço dedicado à Fundação Oscar Niemeyer tem uma peça exclusiva feita por Oscar quando trabalhava na Argélia. É um ;rolinho;, como um pergaminho, onde o mestre das curvas faz o Estudo de formas ; E assim nasce a arquitetura. Belíssimo! Outro destaque é uma apresentação power-point sobre os todos os trabalhos de Niemeyer mundo a fora.
Maquete é como bonsai. Para se admirar na altura dos olhos. E esta nova maquete complementa a antiga que está no Espaço Lucio Costa, na Praça dos Três Poderes. O artista-construtor das duas maquetes é o mesmo: Antônio José Pereira de Oliveira. Pedimos a Antônio José que inserisse três pontos essenciais, ausentes na maquete antiga: o Aeroporto JK ; referência para os turistas ;, a barragem do Lago Paranoá e a Torre de TV Digital, seguramente o novo point turístico dos próximos 50 anos.
E como nasceu a maquete antiga, esta que está no Espaço Lucio Costa? É interessante saber. Nasceu, assim, por acaso. Em 2 de outubro de 1987, com o então governador José Aparecido de Oliveira, acompanhado por dona Sarah Kubitschek e pelo urbanista-inventor Lucio Costa, visitamos o Paço Imperial no Rio de Janeiro. Houve surpresa e admiração, me lembro bem, quando o diretor do Paço, Paulo Sérgio Duarte, nos mostrou a maquete do centro histórico do Rio de Janeiro. Uma obra de arte! Naqueles arroubos normais, do Dr. Aparecido, ele vai ao telefone e liga para o Marcos França, diretor da Novacap. Ordenou: ;Dr. Marcos, você, que é arquiteto e artista, por favor, acerte hoje mesmo ; eu disse hoje mesmo ; com o Antônio José e faça uma maquete de Brasília. Marcos, eu quero essa maquete para festejar Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. A missão é sua!”.
Missão impossível. Daí a 65 dias ; em 7 de dezembro ;, Brasília foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. E sem maquete. Por mais que o Marcos França quisesse e fizesse, milagres ainda não estavam em seu currículo. A gestão pública já é difícil. Mas a pressa e a burocracia são inimigos de qualquer sonho não devidamente planejado.
O sonho não acabou. E o tempo passou. Marcos França, com todas as dificuldades, fez o dever de casa. E, em 15 de dezembro de 1988, era inaugurada a maquete de Brasília no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com as presenças do dr. Lucio Costa, do arquiteto Alcides da Rocha Miranda (pintor, desenhista e pesquisador do patrimônio), do Ferreira Gullar (primeiro secretário de Cultura de Brasília) e do ministro da Cultura, José Aparecido de Oliveira. Isso mesmo, Zé Aparecido tinha deixado o governo de Brasília, sob pressão, para não ver extinto o Ministério da Cultura.
A maquete só veio para Brasília em 1989. Foi exposta, primeiro, no Salão Negro do Congresso Nacional. No final daquele ano, a maquete foi participar da 3; Bienal de Arquitetura de Buenos Aires. Foi de caminhão, teve problemas na fronteira e chegou praticamente quando havia terminado a Bienal.
Em 1990, a maquete de Brasília fez parte da Feira Brasileira de Indústria e Comércio de Praga, uma mostra organizada por Márcio Cotrin, então secretário de Cultura do GDF. Em 1991, Oscar Niemeyer projeta o Espaço Lucio Costa, que foi construído pela Fundação Bradesco, a pedido do Zé Aparecido. E a maquete ganha seu endereço definitivo em 27 de fevereiro de 1992, quando Lucio Costa completou 90 anos. Brasília deu em vida ao seu criador, um espaço eterno no coração do seu coração: a Praça dos Três Poderes.
Agora, nos seus 51 anos, Brasília inaugura este novo e nobre espaço cultural da cidade. Tudo começou quando Danielle Athayde e eu conversamos com o deputado Chico Leite e ele falou com o presidente da Câmara, deputado Patrício, que imediatamente encampou a ideia. Foi um esforço grande. Em 10 dias foi armada a exposição. A boa vontade de muita gente ajudou construir este projeto. Os brasilienses, sobretudo os 20 mil alunos que vão participar, durante dois meses, de uma programação didática paralela à mostra, vão poder sentir na própria pele e ter leves arrepios, como eu tive na primeira vez que li Clarice Lispector sobre Brasília: ;Brasília é para se adivinhar e que cada um rale cotovelos, joelhos e alma para tentar decifrá-la, e nessa tentativa aprender a amá-la;.
A tentativa é justamente amar uma cidade que, neste meio século de vida, para o bem ou para o mal, mostrou ser a síntese do Brasil. Diversidade cultural, forma de fazer política, educação deficiente, aumento no consumo de drogas, ocupação irregular do solo, má distribuição de renda... Sim, o Plano Piloto tem o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Mas logo ali, em Águas Lindas, a pouco mais de 30 quilômetros, está um dos mais baixos IDH do país. E não foi por outro motivo que estourou, em 25 de janeiro, a revolta da população de Santo Antônio do Descoberto, vizinho de Águas Lindas.
Conhecer e entender a cidade hoje, saber e captar todos os conflitos, divergências, debates e ações que contam a história da sua construção é a melhor forma de planejar e plantar uma Brasília melhor. Um legado nos foi deixado. Um legado nós também temos que deixar.
Clarice Lispector viveu aqui em 1962. É de Clarice a mensagem final: ;Quero esquecer de Brasília, mas ela não deixa. Que ferida seca. Ouro. Brasília é ouro. Joia. Faiscante. Tem coisa sobre Brasília que eu sei, mas não posso dizer, não deixam. Adivinhem!”
Silvestre Gorgulho é jornalista