postado em 22/04/2011 07:05

Depois de duas décadas de tradição, a Via-Sacra de Taguatinga não será realizada este ano. Segundo os organizadores, a Câmara Legislativa não votou a tempo as emendas parlamentares que destinariam verba para o evento, programado para o período de hoje a domingo, no Taguaparque. Dessa forma, não foi possível montar a estrutura necessária para o espetáculo, que envolve mais de 300 atores e atrizes. Outros setores do governo também haviam prometido ajudar, mas falharam em cima da hora. Era esperado um público de mais de 20 mil pessoas, como nos anos anteriores.
Com isso, o coordenador do evento religioso em Taguatinga, Ademir Pereira da Silva, não teve outra saída a não ser cancelar o evento, na noite de ontem. Ele chorou ao dar a notícia às pessoas que trabalharam pelo projeto. Não seria possível montar as arquibancadas, nem contar com o sistema de som e de iluminação. As fantasias, porém, já estavam prontas, sendo passadas para ficar impecáveis no fim de semana.
A mudança de planos provocou comoção geral. ;Seria uma humilhação muito grande levar essas pessoas que trabalharam tanto e nosso público para um lugar sem a menor estrutura;, queixou-se Ademir. Este ano, a festa cristã teria como tema Paixão pela paz: plante essa semente. Mães que perderam os filhos para a violência foram convidadas a representar a Pietà, famosa imagem de Michelangelo, que mostra Nossa Senhora com o corpo de Jesus, já sem vida, nos braços.
Em atos inseridos no espetáculo, elas leriam textos sobre os filhos, enquanto apareceriam fotos deles projetadas em um telão. Falariam da esperança em um mundo com menos agressividade e mais amor. ;A intenção era mostrar como a dor foi transformada em luta. Essas mães estariam ali para pedir que aquilo não se repetisse mais;, explicou o coordenador.
Unidas pela paz
Entre as participantes especiais da Via-Sacra, estaria Cristina Del Isola, mãe de Maria Cláudia, morta em 2004, dentro da própria residência da família, pelo caseiro. ;Fica dentro da gente um misto de decepção e tristeza. Mais uma vez, nossas autoridades nos dizem que nada representamos para elas;, avaliou Cristina. Ela acompanhava de perto a organização.
Cristina convidou para a apresentação Maria José Nolasco, mãe de Pedro Nolasco, assassinado em 2005, aos 18 anos no Guará. Ainda estariam presentes Eliene Audrey Arantes Correa, que teve a filha Mariana morta no mesmo ano, pelo próprio marido da garota; e Franciana Rosal, mãe de Paulo Roberto Rosal, morto com um tiro ao sair de uma festa, em 2007. Ao todo, foram 14 reuniões, desde o começo do ano, para discutir ideias com os participantes.
Apesar da frustração, Ademir ainda planeja uma caminhada pela paz, em comemoração ao Dia de São Francisco de Assis, comemorado em 4 de outubro. ;Nossa Via-Sacra seria um ato pela paz, independentemente de religião. Nossa intenção era lembrar Cristo, citando os cristos atuais, como Maria Cláudia e tantos outros que perderam a vida dessa maneira lamentável. Queríamos falar em nome de todos que se sentem agredidos em seus direitos, por não poderem andar na rua sem medo;, resumiu.
As mulheres que não se intimidaram diante da violência seriam o diferencial da apresentação deste ano. Abriram a sua vida pessoal e aceitaram falar sobre as perdas. ;Essa é uma bandeira muito forte. Durante a preparação ocorreu muita coisa boa, em termos de mobilização. Os momentos com essas mães foram de extremo crescimento para todos nós. Não vamos nos lamentar. Vamos seguir em frente;, defendeu Ademir.
Além das mães, organizações não governamentais, como a de ciclistas Rodas da paz, e órgãos como o Pró-vítima, de auxílio às vítimas de brutalidade contribuíram para o evento. ;Ainda podemos fazer muito. Não vamos desanimar. A dor se transforma em força. É isso que deve ficar. É o mais importante nessa história toda;, concluiu o organizador da Via-Sacra de Taguatinga.