O descaso com a saúde vai além dos hospitais da rede pública do Distrito Federal. Atrasos, falhas e demora nos atendimentos também alcançam as emergências dos centros clínicos privados da capital do país. O Correio percorreu seis instituições particulares na Asa Sul, na Asa Norte e em Taguatinga e conferiu o clima de insatisfação entre doentes e familiares que procuram clínicos gerais e especialistas em prontos-socorros. Em todas as unidades, os pacientes enfrentam filas de espera. Alguns pálidos, febris e com fortes dores pelo corpo se angustiam enquanto aguardam a chamada da senha.
No geral, essas pessoas perdem até cinco horas para que um médico faça o diagnóstico da doença. Às vezes, enfrentam três filas até conseguir ficar diante de um profissional da saúde: uma para preencher a ficha, outra para a triagem com enfermeiros e uma terceira para receber a atenção do clínico. São clientes que pagam duas vezes por um serviço básico: na hora do imposto e na opção por um plano de saúde.
A comerciante Maria Bárbara Pereira, 52 anos, sofreu com os problemas na rede particular. Preocupada com o estado de saúde do filho, Mateus, 12, a moradora de Ceilândia correu na semana passada até Hospital Anchieta, em Taguatinga. Retirou a senha às 10h30 e sentou-se ao lado do menino, que reclamava de febre. O bilhete informava que havia mais de 30 pacientes à frente ; os números são chamados por um painel eletrônico. Uma hora depois, eles ainda aguardavam o atendimento. Impaciente, a mulher media constantemente a temperatura do garoto. Resmungava o atraso em voz baixa. Levantava para esticar as pernas e sentava-se novamente. A proximidade com a hora do almoço os deixava ainda mais irritados.
Mateus teve de comer salgados fritos numa lanchonete, refeição inadequada para uma criança com sintomas de baixa imunidade. ;Vai ter que ser isso, né? Fazer o quê? Estamos presos aqui sem saber quando seremos recebidos. São apenas dois pediatras para atender as 12 crianças que estão na nossa frente;, revoltou-se Maria Bárbara. Ela e Mateus deixaram o hospital só às 16h. ;O médico disse que ele está com sinusite e inflamação na garganta. Ele me atendeu às 14h, mas pediu para fazer uma radiografia, que também demorou;, contou, insatisfeita. ;É um absurdo. Se fosse para esperar desse jeito, teria ido ao hospital público de Ceilândia.;
O drama da comerciante é parecido com o vivido por Mônica Patrícia Soares de Andrade, 38 anos. A representante comercial deixou o Recanto das Emas, onde mora, para ter uma consulta em Taguatinga na manhã da última terça-feira. Com sintomas de infecção renal, ela aguardava sentada nas cadeiras da sala de emergência. ;Tem mais de uma hora que estou aqui. Me sinto lesada. É uma demora inexplicável. Pagamos por um serviço e acabamos tendo que nos sujeitar a isso;, disse. ;O atendimento particular está se comparando ao caos dos postos públicos do DF;, avaliou.
Reação
Insatisfeitos, pacientes inconformados reagem à demora. No Santa Helena, na Asa Norte, a equipe do Correio flagrou uma mãe exaltada exigindo que o filho fosse atendido logo. ;Já faz mais de uma hora que estou esperando. Ele está com febre, precisa de cuidados;, gritava.
Cenas parecidas se repetiram em pelo menos três hospitais da Asa Sul. No Hospital das Clínicas, iniciou-se uma discussão depois que um funcionário trocou as senhas manuais pelas automáticas. Um erro na hora de redistribuir as numerações deixou uma senhora no fim da fila, atrás de pessoas que chegaram depois dela. Além disso, doentes denunciaram atrasos, falta de comprometimento dos empregados ao fornecer medicamentos e demora em todos os setores. ;Por ser véspera de feriado, o atendimento está tranquilo, mas, geralmente, esperamos muito mais;, pontuou na última terça-feira a servidora pública Maria Euli Rosa de Jesus, 47 anos.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é responsável por regulamentar o atendimento médico dos planos de saúde, mas não interfere no atraso dos atendimentos emergenciais. A assessoria de imprensa do órgão informou que não há uma legislação específica para regular um tempo ideal de espera para pacientes em pronto-socorro. Com isso, nos hospitais percorridos pelo Correio ; Anchieta, Santa Luzia, Santa Lúcia, Santa Helena, Prontonorte e Hospital das Clínicas de Brasília ;, vigora o bom senso.
É assim que os 614 mil beneficiários de planos de saúde no DF têm recebido orientações médicas nos últimos meses nos hospitais privados. Além disso, eles dividem espaço com pacientes que arcam com as despesas. O número de usuários de planos de saúde, por exemplo, já foi maior. Em 2007, havia 664,5 mil conveniados (leia quadro). Em 2008, caiu para 624 mil. Em 2009, para 615 mil. ;O preço dos planos de saúde subiu demais e essa pode ser uma das razões para a queda nas adesões;, arriscou o presidente da Associação dos Médicos, Hospitais e Clínicas de Brasília, Joaquim de Oliveira. ;O reflexo da saúde pública, que é ruim, também pode interferir na demanda dos hospitais privados.;
Privado
Confira a quantidade de beneficiários de plano de saúde no Distrito Federal:
2010 614.175
2009 615.941
2008 624.670
2007 664.500
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)