Cidades

Duas das vítimas de PMs presos pela Polícia Federal morreram em operação

À época, os autores das execuções tiveram apoio do comando da corporação

Renato Alves
postado em 01/05/2011 05:19
Filho exemplar, sempre presente na missa de domingo, Wagner da Silva Moreira, 21 anos, não tinha inimigos, vícios, muito menos problemas com a polícia. O patrão gostava tanto dele que o buscava de carro, em casa, toda manhã. Afinal, o rapaz montava tubos de PVC com uma precisão e velocidade raras. Deixava o trabalho de lado somente aos domingos para encontrar os parentes no acampamento Sonho Real, no Parque Oeste Industrial. A área da periferia de Goiânia é ocupada por cerca de 3 mil famílias de sem-teto desde o começo de 2004. E foi justamente numa dessas visitas que Wagner encontrou a morte.

Na manhã de 16 de fevereiro de 2005, cerca de 1,8 mil policiais militares, muitos com armas letais, entraram no Parque Oeste Industrial para expulsar os ocupantes. A Justiça havia ordenado a devoluçãoo do terreno ao dono. Os PMs cumpriram a ordem, mas deixaram 14 feridos e dois mortos, Wagner e Pedro Nascimento da Silva, ambos de 27 anos. Os militares ainda prenderam 800 pessoas por suposta resistência à desocupação. Violência desmedida motivada por vingança, segundo investigação da Polícia Civil e do Ministério Público de Goiás (MPGO). Uma resposta à agressão sofrida por um sargento da corporação um dia antes.

Wagner, no entanto, nada tinha a ver com a confusão do dia anterior. Ele havia ido ao acampamento de carro, em 16 de fevereiro, para tirar de lá parentes, incluindo os pais e duas irmãs. Ao ver os homens do batalhão de choque entrarem, o rapaz correu para fora do terreno e ficou em frente ao galpão de uma empresa. Mas ele e outras pessoas acabaram abordadas por uma equipe da PM. Atendendo determinação dos militares, todos passaram a caminhar em fila indiana.

Mesmo cumprindo a ordem, homens e mulheres começaram a apanhar dos militares. Wagner reclamou, falou que estavam saindo em paz da invasão. Levou um golpe de cassetete e caiu. Foi levantado pela camisa e atingido por um tiro nas costas. O disparo ocorreu por volta das 9h30, mas só às 15h uma equipe da PM o deixou no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Com a bala alojada em seu pescoço e após perder muito sangue, Wagner morreu logo em seguida.

Já Pedro da Silva, no momento em que PMs cercavam Wagner, estava em uma barricada, distribuindo bandeiras brancas a outros ocupantes do Parque Oeste Industrial. Ele tinha um barraco na invasão. Com a entrada da tropa de choque, alguns invasores bateram palmas e passaram a cantar o Hino Nacional. No entanto, os PMs os surpreenderam com violência, lançando bombas de efeito moral e atirando. Assustado, Pedro virou-se para correr, mas acabou atingido na região lombar. Morreu no local.

Testemunhas
Dalvina não acompanha a investigação da morte do filho: O episódio sangrento do Parque Oeste Industrial foi acompanhado por dezenas de jornalistas e reconstituído pelo MPGO e pela Polícia Civil, com base em fotografias e filmagens, inclusive feitas do helicóptero de uma emissora de TV, além do depoimento de mais de 200 testemunhas das agressões dos policiais. Mas a PM e o governo goiano nunca puniram os homens flagrados espancando e executando os invasores. Aliás, alguns até foram promovidos.

De acordo com a ação do Ministério Público, à qual o Correio teve acesso na íntegra, no início de fevereiro de 2005, a Polícia Militar começou a execução de um plano para desocupar a área, em cumprimento a ordem judicial. Denominada Operação Inquietação, ela durou seis dias e tinha como objetivo diminuir a resistência dos ocupantes e promover a saída de alguns moradores.

Na ação, além de alguns moradores lesionados, na madrugada de 15 de fevereiro de 2005, foi ferido gravemente um tenente da PM. A cúpula da Secretaria de Segurança Pública e o comando da Polícia Militar goiana decidiram fazer, no dia seguinte, a desocupação da área invadida, com autorização para os praças usarem armas de fogo letais, além dos oficiais.

Do efetivo usado na desocupação, 767 policiais portavam armas de fogo, sendo pistolas 9mm, .40, .380, revólveres calibre .38 e espingardas calibre .12. Assim, por volta das 8h30 de 16 de fevereiro de 2005, cerca de 1,8 mil policiais chegaram na ocupação. Às 9h15 iniciaram a remoção. ;A entrada do Grupamento de Choque e do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) foi violenta, com policiais usando camuflagem no rosto e com a tarjeta identificadora escondida;, destaca trecho da ação do MPGO.

Sem negociação
Não houve tentativa de mediação com os invasores, no intuito de uma saída espontânea e pacífica da área. Pelotões entraram na invasão desferindo tiros de balas de borracha e letais, e lançaram bombas de efeito moral contra os invasores, que revidaram com paus, pedras, coquetéis molotov, esferas de metal e fogos de artifício. Mas, diante da superioridade do armamento policial, os sem-teto fugiram, formando um grande tumulto.

O capitão Alessandri e outros integrantes do 3; Batalhão Tarefa, incluindo o 1; tenente Eduardo Bruno, decidiram fazer uma varredura em uma área fora da invasão e depararam com várias pessoas acuadas em um galpão. Entre elas estava Wagner Moreira, o rapaz morto com um tiro nas costas. Para a Polícia Civil e o MPGO não resta dúvida de que a bala saiu da arma do capitão Alessandri, um dos 19 presos na Operação Sexto Mandamento, realizada pela Polícia Federal há dois meses e meio.

Por medo, os pais de Wagner Moreira nunca procuraram a PM ou a Polícia Civil para saber o andamento das investigações. Contrataram um advogado somente oito meses após a morte do jovem. ;Só fui a uma audiência no fórum. Quando vi o PM que matou meu filho, tremi e desmaiei. Nunca mais quis saber daquilo. A gente só tem a perder mais ainda;, conta a mãe de Wagner, Dalvina Mendes da Silva França, hoje com 47 anos, que mora de aluguel com as duas filhas na capital goiana. Já os familiares de Pedro da Silva deixaram Goiânia e Goiás após sofrerem ameaças de morte por cobrar da PM uma punição aos militares responsáveis pela morte dele.

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Marcelo Mendonça da Silva
Desapareceu em 17 de fevereiro de 2005, em Aparecida de Goiânia, após ser abordado por uma equipe do serviço reservado da PM.

Rodrigo Dias Barco
Executado por PMs em março de 2005. Foi morto, de joelhos, com três tiros no pescoço e três no peito.

Murilo Soares Rodrigues e Paulo Sérgio Pereira Rodrigues
Desapareceram em 22 de abril de 2005, em Aparecida de Goiânia, após abordagem da Rotam.

Hélio Barbosa da Silva
Sumido desde 3 de junho de 2005, após abordagem do serviço reservado da PM, em Luziânia.

Rones Dias
Desapareceu em 7 de dezembro de 2005, em Goiânia, após prestar depoimento sobre o assassinato de duas pessoas em que os suspeitos eram policiais militares.

Fábio da Costa Lima
Desapareceu em 4 de janeiro de 2006, em Goiânia, após ser colocado à força em um carro da Rotam.

Luiz Antonio Ferreira de Azara
Executado em casa, em Goiânia, por policiais militares, em 27 de janeiro de 2006.

Cristiomar Pereira dos Santos
Sumiu em 23 de janeiro de 2007, em Senador Canedo, após ser abordado pela Rotam.

Roniel Ubiratan Martins
Desapareceu em 23 de janeiro de 2007, em Senador Canedo, após abordagem da Rotam.

Gustavo Silveira do Nascimento
Sumiu em 6 de junho de 2007, em Goiânia, após abordagem de uma equipe do serviço reservado da PM.

Marcone Nascimento
Foi visto pela última vez em 6 de junho de 2007, em Goiânia, após ser abordado por uma equipe do serviço reservado da PM.

Sóstenes Freitas Lino
Desapareceu em 18 de outubro de 2007, em Goiânia, após abordagem de policiais.

Célio Roberto Ferreira de Souza
Em 11 de fevereiro de 2008, na capital do estado, foi abordado pela Rotam. Nunca mais foi visto.

Camila Lagares de Lima
Sumiu em 8 de abril de 2009, em Goiânia, após abordagem de policiais da 28; CIPM.

José Eduardo Ferreira
Desapareceu em 10 de maio de 2009, em Formosa. Sua ossada foi encontrada seis meses depois, em uma cisterna cavada em uma área residencial do município.

Higino Carlos Pereira de Jesus
Retirado de casa e executado com 28 tiros, em Alvorada do Norte, em 24 de fevereiro de 2010. Policiais militares de Formosa foram indiciados pelo crime.

Pedro Nunes da Silva Neto
Dois dias após a morte do primo Higino de Jesus, ele foi sequestrado por oito homens armados, em Alvorada do Norte, e colocado em em uma viatura do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) do Batalhão da PM em Formosa.

Cleiton Rodrigues
O adolescente de 16 anos foi levado com Pedro no camburão do GPT. Ambos nunca mais foram vistos.

Brunno Elvys Lopes e Adriano Souza Matos
Desapareceram em 22 de novembro de 2010, em Goiânia, após abordagem de uma equipe do Batalhão
de Choque da PM.

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