postado em 02/05/2011 06:00
Manhã de quarta-feira. A sala de desembarque do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek está lotada. Casais de namorados, familiares e amigos distribuem abraços apertados de quem não se vê há muito tempo. Mas o saguão não tem espaço somente para saudade e demonstrações de afeto. Há quem passe o dia por lá na tentativa de faturar à custa da ilegalidade. Pelo menos 15 pessoas aproveitam o fluxo ininterrupto de gente no local para fazer transporte irregular em carros particulares. Vão ao terminal durante a semana inteira à procura de passageiros.
Os ;laçadores;, como ficaram conhecidos na região, agem em meio aos policiais militares e aos fiscais do Governo do Distrito Federal. Chegam ao aeroporto por volta das 10h. Sentam-se nos bancos próximos à floricultura e observam o movimento. Um deles aborda pequenos grupos de pessoas recém-chegadas de viagem e oferece saídas para qualquer lugar da cidade. Uma corrida para a área central de Brasília sai, em média, a R$ 30, contra os R$ 37 cobrados pelos taxímetros oficiais.
A maioria dos passageiros recusa a oferta anunciada pelos clandestinos. Quando não encontram pelo saguão gente disposta a se arriscar por uma pequena economia, os ;laçadores; saem em direção à parada de ônibus do aeroporto. O ponto fica bem perto, em frente à ala de desembarque. A reportagem flagrou vários deles durante a caçada de passageiros. ;Não gosto desse negócio de táxi pirata. É muito perigoso, nem sei quem é ele;, disparou um homem, que preferiu não se identificar e recusou uma saída promocional por R$ 25 até a Rodoviária do Plano Piloto.
O convencimento de alguém que tope entrar no automóvel de um estranho exige paciência. Um dos ;laçadores; começou as abordagens às 11h. Conversou com casais, grupos de amigos e jovens sozinhos. Depois de duas horas, achou três homens prestes a embarcar em um ônibus convencional. Bastou um rápido bate-papo e eles mudaram de ideia. O trio ouviu as instruções e seguiu o condutor pirata a uma pequena distância até seu carro, um Palio Weekend branco, parado ao longo do meio-fio depois do estacionamento pago. O mesmo veículo voltou a circular pelo aeroporto e apanhou mais uma pessoa no início da tarde.
Despachante
Em alguns casos, há um ;laçador; encarregado somente de ludibriar quem acaba de descer dos aviões que pousam no terminal. Se a tentativa de persuasão der certo, ele telefona para o colega que vai atuar como motorista e encaminha os passageiros para o lado de fora do saguão. O comparsa chega com rapidez à pista, para o veículo, espera o embarque das pessoas e, em segundos, parte em direção ao destino informado minutos antes pelo celular.
O modo de ação dos piratas se reinventa com frequência e dribla a fiscalização. O diretor técnico do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), Ricardo Leite, explica que o aliciamento tem várias vertentes. ;Em lugares como o aeroporto, tem um despachante que fica só por conta do gerenciamento dos passageiros. O nível de organização está cada vez maior e ocorre também na Rodoviária do Plano Piloto e no Recanto das Emas;, exemplifica.
Como no aeroporto o trânsito de pessoas não para, os ;laçadores; aproveitam para disputar com os meios legais de transporte. ;É uma competição, em especial com os táxis. Essa situação se arrasta desde o ano passado;, afirma Ricardo Leite. Segundo ele, apesar das dificuldades logísticas, como falta de veículos e até de combustível, o DFTrans não abandonou a fiscalização. ;O transporte pirata tem aumentado no DF. Mas as operações continuam;, afirma o diretor.
O nível de organização está cada vez maior e ocorre também na Rodoviária do Plano Piloto e no Recanto das Emas;
Ricardo Leite, diretor técnico do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans)
O que diz a lei
A Lei n; 239, de 10 de fevereiro de 1992, lista dispositivos para o gerenciamento do transporte público no DF. A regulamentação ficou por conta da Lei n; 953, de 13 de novembro de 1995. O artigo 28 do documento, que dispõe sobre o transporte irregular de pessoas, caracteriza como fraude a prestação de serviço, público ou privado, de coletivos de passageiros, de forma remunerada. As penalidades para o motorista flagrado em situação ilegal incluem multas de R$ 2 mil a R$ 5 mil e a apreensão do carro. O condutor ainda pode ser obrigado a fazer cursos de reciclagem indicados pelos órgãos de trânsito.
Apesar de constante em áreas em que o transporte pirata é comum, como a Rodoviária do Plano Piloto, a fiscalização ainda apresenta resultados tímidos. De janeiro a março deste ano, apenas 25 carros foram flagrados na ilegalidade em todo o DF (veja quadro abaixo). No aeroporto, nem a presença constante dos fiscais do governo e dos policiais do 1; Batalhão de Trânsito da PM (BPTran) consegue inibir o trabalho dos ;laçadores;.
Os integrantes da corporação têm a tarefa de controlar o tráfego na região e coibir casos de estacionamento em locais proibidos e desrespeito às faixas de pedestres. O comandante do BPTran, tenente-coronel Jorge Cronenberger, afirma desconhecer ;oficialmente; a atuação dos piratas no aeroporto. ;A principal função dos policiais é coordenar o trânsito, mas se constatarem qualquer indício, eles fazem a autuação;, garante. O oficial ressalta que quem presenciar os ;laçadores; em ação deve denunciá-los aos policiais.
O chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização do DFTrans, Nelson Leite Júnior, diz que o transporte irregular é um problema grave no Distrito Federal. ;Quem conduz o veículo não tem o preparo adequado nem reúne as condições técnicas necessárias;, alerta. (LT)