Quando criança, o contador de histórias Maurício Leite, hoje aos 57 anos, enfileirava as cadeiras de casa no quarto e fingia que ali estavam sentados alunos. Ele era o professor. Sentia felicidade em apresentar à plateia seus conhecimentos. Anos mais tarde, Maurício tornou-se um verdadeiro educador. Cursou magistério em sua terra natal, Cuiabá (MT), e foi ao Rio de Janeiro estudar teatro.
Queria unir duas paixões: encenação e leitura. Maurício também tinha planos de difundir o prazer que vem dos livros, mostrar a cada vez mais gente que é possível viajar, mesmo quando há limitações para sair do lugar, e abrir a mente para a vida. Para conseguir esse resultado, era preciso mobilizar as pessoas desde a infância.
No caminho da realização desse desejo surgiu a ideia da mala do livro, pensada por Maurício, que começou a passear por aldeias indígenas de Mato Grosso, na Ilha do Bananal. Ele percorria os lugares mais distantes, sem acesso à cultura, para contagiar meninos e meninas com arte. A mala azul viajava %u2014 e continua viajando %u2014 carregada de pelo menos 30 exemplares.
São livros de todos os tamanhos, cores e formatos. Quando a mala se abre, a surpresa é geral. Há livros que se parecem com caixas, enquanto outros, minúsculos contam histórias de amor. Para Maurício, surpreender é fundamental. Alguns dos exemplares que ele transporta são dobráveis. Enquanto a criança abre a publicação, vai descobrindo um bicho novo, uma palavra ou um mundo inédito. Tudo isso acompanhado do poder de interpretação de Maurício %u2014 que inventa vozes para os personagens e canta.
Maurício não carrega somente livros em português: traz alguns em chinês, francês, italiano. "É preciso ampliar o conceito de leitura. Se uma criança vê as figuras, se surpreende, entende a mensagem, conhece algo novo, ela leu", explica o educador. Ele não usa a expressão "hábito de leitura" e explica o porquê: "Um hábito é algo que você pode ter e deixar de ter. A leitura não deve ser uma obrigação, mas um prazer". Ele dispensa ainda o uso de diminutivos, como "Chistorinha" e "Clivrinho", para falar com as crianças.
Este ano, Maurício foi o único brasileiro indicado a uma importante premiação na Suécia voltada à literatura infantil, o Prêmio Astrid Lindgren Memorial (Alma). Se vencer, levará para casa mais de 800 mil euros, o equivalente a aproximadamente R$ 1,8 milhão. Atualmente, Maurício está em Brasília, onde fica até o fim deste mês. Passará uma temporada no Colégio Arvense, na 914 Norte, para contar suas histórias e montar uma bebeteca %u2014 biblioteca para bebês. Ele pretende ainda ministrar cursos para professores de escolas públicas do DF, além de participar de eventos relacionados à leitura.
Brasília foi a última cidade onde Maurício morou antes de sair do país. Hoje, ele vive em Portugal. Cinco anos se passaram desde a última visita dele ao Brasil. "Voltei este ano porque fiz uma proposta ao colégio e a outras entidades e ela foi aceita. Não tive convite." Em sua passagem por Brasília, Maurício visitou assentamentos em Samambaia e em São Sebastião, regiões administrativas que começavam a surgir, com sua mala encantada.
Início
O educador não se lembra exatamente de quando começou a contar histórias infantis de seu jeito tão peculiar. "Eu conto histórias desde que era criança." Inicialmente, viajava somente dentro do Brasil. Depois de trabalhar com a então primeira-dama Ruth Cardoso, surgiu a oportunidade de se apresentar na África.
Tal proposta, à época, destoava de seus planos. %u201CEu queria morar em Nova York. Apesar de ter nascido na área rural, me tornei um ser urbano, apreciador de arte, cinema, museus. Fiz uma proposta ao Palácio do Itamaraty para levar meu trabalho para os Estados Unidos, mas, quando viram a mala azul, eles (os funcionários do Itamaraty) tiveram a ideia de me enviar à África. Era bem diferente do plano inicial, mas aceitei.%u201D
No continente africano, Maurício conheceu uma realidade triste, a de campos minados e conflitos armados. "Eu pedia: me leve ao pior lugar". Queria viver isso, aprender com a situação. Havia poucos recursos, então eu levava meus bonecos feitos de meia, os livros, para aquelas crianças às quais nada chegava." Ao retornar ao Brasil, Maurício retomou o trabalho em favelas e comunidades carentes. Onde houver alguém disposto a voltar seu olhar para os livros, lá estará ele, disposto a facilitar os caminhos prazerosos da leitura.
Homenagem
O prêmio foi lançado em 2002 pelo Conselho Sueco das Artes, em memória da escritora que criou a famosa personagem Pipi das Meias Altas. Destina-se a homenagear, anualmente, escritores, ilustradores
e entidades de todo o mundo que promovam a literatura infantil.
O que mais desperta sua atenção nos livros?
Gabriela Feitosa,
9 anos
;Ler é divertido, quando não é difícil. Mesmo sem ter figuras, um livro pode ser muito divertido. A gente aprende novas palavras. Se alguém conta a história, também é bom, porque fica bem explicado;
[FOTO2]Gabriel Simões,
9 anos
;Gosto de ler porque vou aprendendo e conhecendo coisas. Adoro todo tipo de livro, seja ele de criança, de adulto ou infantojuvenil. Só não leio livros de bebê, porque é pouco interessante. No meu aniversário, ganhei O pequeno príncipe, em 3D. Amei;
Maria Clara Sales,
10 anos
;Quando a gente lê, entra em outro mundo. Vê a história de pertinho. Pode ser ainda mais legal que ir ao cinema, porque no livro a gente imagina as histórias do jeito que quiser, pode criar também;