O fim das fronteiras entre as diferentes cidades não é um fenômeno restrito ao quadrilátero do Distrito Federal. O crescimento rápido do Entorno transformou a capital do país em uma enorme região metropolitana, que inclui pelo menos 10 municípios vizinhos, além das cidades brasilienses. Em algumas partes desses limites, é difícil distinguir onde começa o DF. Até mesmo quem vive próximo a esses extremos geográficos faz confusão sobre onde se delimita cada área.
A fusão mais visível fica entre Santa Maria e o município goiano de Valparaíso. A dona de casa Francisca de Miranda Gouveia, 78 anos, vive no Distrito Federal. Mas os vizinhos do outro lado da rua têm o endereço em Goiás. Entre eles, há uma distância de menos de 5 metros. A comunidade da área está acostumada com a dificuldade para explicar os endereços. Os equívocos são comuns.
Quando vai explicar onde mora, Francisca usa Valparaíso como referência. Por conta da proximidade com a cidade goiana, ela enfrentou dificuldades de acesso a serviços públicos. ;Uma vez, teve um roubo na minha rua e, quando fui chamar os policiais, eles disseram que não poderiam atender o chamado. Disseram que não poderiam entrar em outro estado. Mas a placa na porta da minha casa diz que moro no Distrito Federal, em Santa Maria;, reclama.
Os vizinhos da frente enfrentam as mesmas dificuldades. A dona de casa Regilane Araújo Cerqueira, 29 anos, vive em Valparaíso. Mas nem a distância irrisória com o Distrito Federal serviu como garantia da chegada da infraestrutura pública. A rua que divide as residências de Regilane e Francisca não tem asfalto e, frequentemente, vira um mar de lama. ;Não sei se é o governo do DF ou de Goiás, mas alguém precisa melhorar isso aqui;, afirma a dona de casa.
A rotina de Regilane Cerqueira revela como os moradores do Entorno são dependentes do Distrito Federal. O marido dela trabalha no Ministério da Justiça. Quando o casal precisa levar as filhas ao hospital, é em Brasília que eles buscam atendimento médico. ;Aqui falta tudo. A situação no DF é muito melhor. Acho até que, se a nossa rua passasse a ser considerada como parte de Santa Maria, haveria uma boa valorização;, arrisca.
Investimentos
Diretor de Gestão de Informações da Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan), o economista Júlio Miragaya lembra que a junção de cidades vizinhas é decorrência do crescimento e representa um fenômeno registrado em várias metrópoles brasileiras. ;Mas o que diferencia Brasília é que aqui, as cidades cresceram em direção ao centro da capital. No Rio de Janeiro, por exemplo, a região metropolitana cresceu a partir do centro;, comenta Miragaya. Isso é consequência do fato de Brasília ter surgido como uma unidade polinucleada.
;Mais importante do que dizer se esse processo de conurbação é bom ou ruim são as medidas adotadas para minimizar os problemas decorrentes desse fenômeno. É preciso investir na ampliação do transporte público de massa, não só no quadrilátero do Distrito Federal, mas também nos municípios do Entorno;, comenta o diretor de Gestão de Informações da Codeplan. ;O Brasil tem 12 grandes áreas metropolitanas, e duas do Centro-Oeste são justamente as que mais crescem. A área metropolitana de Brasília cresce duas vezes mais rápido do que a média brasileira. Assim, os problemas se agravam muito mais rapidamente e o desafio de solucioná-los é ainda maior;, comenta o especialista (veja arte).
Expansão
Entre as cidades que estão completamente conurbadas, é difícil encontrar espaços vazios. Em Vicente Pires, a antiga colônia agrícola deu espaço para grandes condomínios. Poucos produtores rurais persistem no local. Lindauro Matos Macedo, 28 anos, mora em uma chácara com a mulher e trabalha no cultivo de hortaliças. Do meio da plantação, ele avista os arranha-céus de Águas Claras. ;Está cada vez mais difícil encontrar área para a gente produzir. Tudo virou prédio e condomínio;, afirma o produtor.
A pressão deve continuar e se agravar. Em alguns municípios do Entorno, o ritmo de crescimento da população chega a um impressionante percentual de 7% ao ano. Mas especialistas avaliam que o ritmo migratório diminuiu nos últimos anos. ;Pelo menos 150 mil pessoas deixaram de vir para o DF na última década;, estima o economista Júlio Miragaya.
A professora do Departamento de Estatística e Diretora do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB), Ana Maria Nogales, explica que, apesar da redução do ritmo de crescimento populacional, a demanda por moradia vai continuar ; o que vai motivar a expansão urbana. ;Temos visto novos arranjos familiares, com o crescimento do número de famílias unipessoais, ou seja, com uma pessoa só. Essa é uma característica de Brasília e das grandes cidades. As famílias estão encolhendo;, explica.
Ana Maria, que também é especialista em demografia, explica que o DF deve ganhar mais 1,5 milhão de moradores nos próximos 20 anos. ;Considerando a área metropolitana, o número de habitantes deve ficar em torno de 4,5 milhões e 5 milhões. É preciso planejar o atendimento a essa demanda desde já, para planejar como vamos garantir que essa população tenha qualidade de vida;, acrescenta. ;Para isso, teremos que pensar em cidade mais compacta, que propicie a redução dos deslocamentos;, finaliza.