A falta de segurança para atravessar alguns trechos da BR-040 em Valparaíso (GO) coloca em risco a vida de crianças e adolescentes. As pessoas que precisam passar pela rodovia para estudar, comprar alimentos no supermercado, visitar a casa de um amigo ou apenas chegar até a parada de ônibus temem ser atropeladas, principalmente na altura do Km 7. O Correio esteve ontem no mesmo local em que Maria Ester de Holanda, 9 anos, morreu ao ser atingida por um Santana na última segunda-feira. Em três horas, a reportagem flagrou jovens e adultos expostos a tragédias.
Pela terceira vez na semana, moradores da região fecharam a via em forma de protesto. Ontem à noite, cerca de 400 pessoas bloquearam os dois sentidos da pista. Tocaram fogo em pneus e em pedaços de madeira. O fechamento durou duas horas. Teve início às 19h, e a rodovia só foi liberada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pela Poliícia Militar de Goiás por volta das 21h. Manifestantes enfrentaram as autoridades de segurança, mas ninguém foi preso. Segundo o major Alberto Carlos da Silva, da PM, dois policiais ficaram feridos, um na mão e outro na cabeça.
O estudante Anderson Mendes de Brito, 11 anos, é uma das crianças que passa diariamente pelas duas pistas da BR-040 para chegar até a escola. Morador do bairro Ipanema, ele demora até 30 minutos no percurso até a o colégio, localizado no Bairro Etapa 2. ;Costumo ir e voltar com o meu irmão mais velho. Quando a minha mãe pode, me leva. Sinto medo de atravessar essa estrada, porque é muito perigosa. Se aqui tivesse uma passarela eu só passaria por ela;, afirmou.
A mãe do garoto, Adriana Mendes, 29 anos, liga todos os dias na escola para saber se os filhos chegaram bem. Dona de casa, ela nem sempre consegue acompanhar os mais velhos. ;Fico com o coração apertado. As autoridades competentes precisam tomar uma providência para melhorar a segurança do local. Uma passarela seria a solução para esse problema;, sugeriu.
Passarela
Quem também se arrisca todos os dias para levar os dois netos ao colégio é a dona de casa Andrelina Gonçalves de Miranda, 57 anos. Luiz Felipe Campelo e Jonathan Campelo, ambos de 7 anos, não desgrudam das mãos da avó enquanto caminham pela BR-040.
Andrelina conta que demora até 40 minutos para fazer a travessia do bairro Ipanema até o Etapa 2. ;Nestes 10 anos que moro em Valparaíso, presenciei vários acidentes. Por isso, morro de medo de passar por essas pistas. São muito inseguras, e os carros passam em alta velocidade;, explicou.
A estudante Aline Resplandes, 13 anos, também coloca a vida em risco ao atravessar a rodovia para chegar à escola. Moradora do bairro Marajó, a adolescente caminha pelas duas vias para alcançar a instituição de ensino, que fica no bairro Esplanada 5. ;Corro um risco enorme passando por aqui. Além disso, chego atrasada todos os dias, porque o movimento de carros é muito grande. Só uma passarela poderia melhorar essa situação. O governo precisa tomar uma providência, porque, se isso não ocorrer, mais pessoas vão morrer aqui;, alertou.
Segurança
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Trânsito (Dnit) de Goiás informou na terça-feira, por meio de nota, que vai instalar seis quebra-molas na via, além de fazer a sinalização a partir do próximo fim de semana.
Meninas estudiosa e cheia de planos
Maria Ester de Holanda, 9 anos, acordou na última segunda-feira às 7h21, após a mãe, Luzia de Holanda, 28, avisar que ela estava atrasada para a escola. Estudante do 5; ano do ensino fundamental, a menina tomou banho e vestiu a roupa separada na noite anterior: uma blusa branca estampada com uma bicicleta e uma calça jeans comprada no fim de semana. Antes de sair, no entanto, Luzia pediu à filha que vestisse o uniforme, pois a direção do colégio havia avisado que os alunos não poderiam ficar sem a farda. Depois de atender ao pedido da mãe, a criança correu até o portão, jogou um beijo e gritou: ;Tchau, mamãe, se cuida, que estou indo para a escola. Deixa que eu te ajudo com as coisas de casa quando eu chegar.;
Ester voltou para casa às 12h10, ofegante. Deixou a mochila no sofá de casa e tirou o uniforme para vestir a roupa separada. Em seguida, a mãe pediu que ela fosse até o supermercado comprar carne moída, pois só tinha para o almoço arroz, feijão e ovo. Era a primeira vez que ela saía de casa para atravessar o Km 7 da BR-040, em Valparaíso (GO), sem a companhia de um adulto.
Incomodada com a demora da filha, Luzia caminhou até o portão de casa, onde uma vizinha apareceu e avisou que a garota havia sofrido um acidente. ;Não acredito até agora que ela morreu. Penso na falta que ela vai me fazer. De repente, minha filha viajou e nunca mais vou encontrá-la;, lamentou.
Boas notas
Segundo Luzia, Ester era muito estudiosa e no ano passado ganhou uma boneca de presente, porque tirou as melhores notas da turma. ;Ela queria ser professora ou pastora evangélica;, disse. ;Espero que o governo tome providências para melhorar a segurança dessa rodovia. Quantas Esterzinhas vão precisar perder a vida para que algo seja feito?;, questionou.
Para a avó materna, Maria de Holanda, 46 anos, a neta era meiga, doce e companheira. Segundo Maria, ela adorava brincar de boneca, mas estava começando a deixar os brinquedos de lado para se preocupar mais com a aparência. ;Quando estive depressiva, a Esterzinha sempre esteve do meu lado. Eu a amo mais até que meus próprios filhos;, contou.
Na escola, a criança tinha o carinho dos colegas, e os professores sempre elogiavam o comprometimento com os estudos. A estudante Aline Fernandes, 13 anos, costumava encontrar com Ester nos intervalos e no fim da aula. Elas percorriam o mesmo caminho de volta para casa. ;Ela era bem legal e tranquila. Sempre foi educada, simpática e boa de aula;. (AT)