postado em 15/05/2011 10:00
Madrugada de quinta-feira em Ceilândia Norte. Enquanto a maioria dos moradores dorme, dezenas de usuários de drogas perambulam pelas ruas. Debilitados pela ingestão excessiva de entorpecentes, muitos nem reagem à aproximação de equipes da Polícia Civil. Armados, os agentes da 24; Delegacia de Polícia revistam pessoas, fazem perguntas e ouvem respostas desconexas de homens, mulheres e adolescentes maltrapilhos. Um pouco mais lúcida que os demais colegas, uma adolescente reclama da qualidade das pedras de uma droga vendida pelos traficantes da região. ;As últimas oito que fumei tinham gosto de gasolina;, contou. O protesto da dependente química é reforçado por um jovem de 23 anos. ;Estou com gosto de óleo na boca até agora. Já mudei de mão (de fornecedor), mas sempre vem uma pedra batizada com querosene;, disse.
[SAIBAMAIS]Os depoimentos reforçam o que muitos policiais, médicos e sociólogos sabiam: o óxi chegou ao Distrito Federal. Descoberta ainda na década de 1980, no Acre, a substância é fisicamente parecida com o crack, mas com poder de destruição três vezes maior que a droga mais popular do Brasil. A mistura do oxidado, como também é chamado, leva a pasta base de cocaína, cal virgem, querosene ou gasolina e solução de bateria.
No DF, os traficantes se valem da falta de informações mais detalhadas sobre a novidade, além da semelhança com o crack, para vender o produto ao preço da tradicional pedra feita de pasta base de coca, bicarbonato de sódio e água. No Acre, onde o óxi tomou conta, a unidade é comercializada a R$ 2. Nas periferias de Brasília, não sai por menos de R$ 5. ;Os traficantes do DF encontraram um filão. Com 1kg de pasta base, eles produzem 3kg de crack e 10kg de óxi. Eles estão triplicando o lucro, porque vendem o óxi como se fosse crack. Na verdade, estão vendendo gato por lebre;, explicou o delegado-chefe da 24; DP, Hailton Cunha, que comandou a operação de combate às drogas acompanhada pelo Correio.
Oficialmente, no entanto, a capital federal ainda não registrou nenhuma apreensão de óxi. Isso porque o Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do DF, responsável por periciar todas as substâncias recolhidas nas ruas, não desenvolveu uma metodologia para diferenciá-lo do crack, mesmo as pedras revelando composições químicas diferentes. O quadro é tão preocupante que o IC abriu em 2011 quatro protocolos para estudar as propriedades das pedras suspeitas.
Para as autoridades policiais do DF, enquanto os testes não forem concluídos, é cedo para admitir que o óxi invadiu Brasília. ;É preciso cautela ao falar sobre esse tema. Percebo que existe um pouco de fantasia em cima disso tudo. O crack tem vários tipos. Não dá para apreender pedras e sair dizendo por aí que é óxi. O mais prudente é esperar que as análises do IC comprovem que ela realmente existe e se instalou no DF;, ponderou o diretor da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), delegado Luiz Alexandre Gratão.
Combate
Diferentemente do DF, o Acre deu início a uma campanha contra o entorpecente. Segundo o secretário de Polícia Civil daquele estado, Emilson Farias, o óxi é mais consumido na capital Rio Branco que o crack. A única pesquisa existente para medir a letalidade do óxi foi feita pelo Ministério da Saúde com 100 usuários do Acre no ano passado. O resultado assustou os envolvidos no trabalho. Um terço dos entrevistados morreu antes de completar um ano de consumo reiterado de óxi.
De acordo com Emilson Farias, o primeiro registro de apreensão do entorpecente ocorreu há 17 anos, mas não havia tanto alarde como nos dias atuais. ;O óxi não é uma nova droga. Talvez as pessoas não soubessem diferenciá-lo do crack. A polícia do Acre vem se reaparelhando, modernizando a sua gestão e atacando o tráfico na fronteira com força. Temos ciência do problema, mas estamos combatendo;, frisou.
Na parte Sul da maior e mais populosa cidade do DF, Ceilândia, também há relatos de apreensão de óxi. Há cerca de 40 dias, policiais da 15; Delegacia de Polícia, em Ceilândia Centro, prenderam quatro traficantes com 30 pedras que, em princípio, seriam de crack. Experientes em flagrantes do comércio desse tipo de entorpecente, os agentes estranharam os aspectos da substância. Segundo o chefe da unidade policial, delegado Fernando Fernandes, as pedras apresentavam coloração mais amarelada que o crack, exalavam forte odor de querosene e esfarelavam caso fossem apertadas com força. ;O crack tem uma tonalidade amarelada, quase branca. É mais consistente e não tem um cheiro tão forte;, detalhou.
Em fevereiro, a 24; DP também prendeu um traficante que carregava uma substância diferente. A detenção do criminoso ocorreu na QNN 3, uma das quadras mais perigosas da cidade e onde dezenas de usuários acendem seus cigarros de crack dentro de bueiros, como revelou o Correio em uma série de reportagens publicadas em setembro do ano passado. O delegado Hailton Cunha contou que, na ocasião da prisão do bandido, o viciado sabia que estava ingerindo algo mais forte que o crack. ;Ele já tinha fumado duas e estava com outra no bolso. Disse que só estava fumando óleo e que aquilo não era crack. Realmente, a pedra tinha um forte cheiro de gasolina, o que não é comum no crack;, avaliou.
Fronteira
Em junho do ano passado, as polícias Federal e Militar e a Guarda Nacional montaram a Operação Sentinela no Acre para vistoriar a fronteira do Estado. Os militares e agentes uniram as forças para combater o narcotráfico, a venda de armas, a passagem de veículos roubados e outros crimes nos limites do Peru e da Bolívia. Só do lado peruano, são mais de 1,5 mil quilômetros de fronteira. Do lado boliviano, mais 600km.