Cidades

Bombeiros colecionam histórias de partos assistidos em locais inusitados

Roberta Machado
postado em 16/05/2011 07:19
Há três anos, grávida do segundo filho, a diarista Francisca Maria de Souza Silva, 27 anos, manteve a calma quando sentiu as primeiras contrações durante uma manhã, cinco dias antes do esperado. ;Pensei que daria tempo. Ajeitei tudo, arrumei a bolsa dele, tomei banho, parecia que ia passear;, conta. Livre das preocupações típicas de uma mãe de primeira viagem ; a primogênita é Maria, hoje com 10 anos ;, não percebeu que o estouro da bolsa era o sinal de que o menino queria nascer logo, sem esperar por preparativos. Quando o socorro chamado pelos vizinhos chegou, não havia mais como ir ao hospital. O bebê nasceu ali mesmo, em casa.

Francisca nasceu em situação semelhante, com o auxílio de uma parteira. Mas, em tempos modernos, ela não estava preparada para passar pelo mesmo que sua mãe. A cama do seu quarto não oferecia a mesma segurança de um leito de hospital. Por isso, os socorristas tiveram de transportá-la para uma maca. ;Senti muita dor e eles me pediam calma. Confiei neles o tempo todo, fiquei segura. Meu marido estava desesperado. Me alegrei demais, não sei o que seria de mim se não fossem eles;, contou a doméstica. Em menos de uma hora, nasceu Daniel. Depois, mãe e filho foram levados ao hospital, onde foi constatado que o parto improvisado não deixou consequências graves.

Essa é a história de apenas uma das inúmeras mães atendidas pelo Grupamento de Atendimento de Emergência Pré-Hospitalar (Gaeph),do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). Por falta de assistência médica ou por acaso do destino, as parturientes têm de confiar a vida de seus recém-nascidos às mesmas mãos que resgatam vidas em perigo todos os dias. Sem escolha, elas abrem mão do conforto de um hospital em troca da dureza do chão ou do aperto de uma viatura ; onde não têm direito a cesariana ou a anestesia, mas contam com todo o talento e o apoio incondicional dos socorristas.

O sucesso do parto de Francisca deve-se exclusivamente à preparação e à experiência dos bombeiros chamados à sua casa naquela manhã. O sargento Wellington Corrêa, 35 anos, perdeu as contas de quantas crianças vieram ao mundo por suas mãos em 15 anos de serviços prestados na ambulância do GAEPH, quase todos bem-sucedidos. Apenas um dos partos feitos por ele terminou de forma insatisfatória: o nascimento de um bebê de cinco meses, que não pôde ser salvo quando chegou ao hospital.

Não fosse pela presença dos socorristas na casa de Fátima, o pior também poderia ter ocorrido a Daniel. ;O parto demorou um pouco mais que os outros. O bebê estava roxo, com duas voltas de cordão umbilical em volta do pescoço. Mas eu cortei o cordão e ele chorou normalmente. Graças a Deus, hoje ele está bem;, emocionou-se o socorrista.

Formação
Antes de ajudar em resgates ou nascimentos, qualquer bombeiro precisa passar por um curso de formação de socorrista, que conta com uma matéria específica sobre partos. Além de aprender os procedimentos necessários em uma emergência, os profissionais trabalham a preparação emocional indispensável para lidar com a pressão de atuar em um nascimento em condições impróprias.

Em 24 anos de serviço, o sargento José Siqueira Pinto, 45 anos, teve 16 nascimentos sob sua responsabilidade. O número, considerado alto, deve-se ao lugar onde o bombeiro trabalhava no início da carreira: o antigo quartel localizado próximo à Barragem do Rio Descoberto, na BR-070, fazia o papel de hospital para muitas mães de Águas Lindas que não tinham mais a quem recorrer. ;As crianças nasciam ali ou na estrada, dentro de veículos. Já chegamos a fazer quatro partos em um mês. Com o tempo, você acaba pegando mais confiança, acreditando mais no seu serviço;, conta o bombeiro.

Na prática, o profissional aprende a lidar com situações que fogem do manual. Além das dificuldades normalmente relacionadas a um trabalho de parto, os socorristas do Corpo de Bombeiros ainda têm de trabalhar sem a estrutura apropriada de um hospital, em situações emergenciais e imprevisíveis. ;Às vezes, a viatura não está no quartel, falta material, mas o bombeiro precisa ser criativo. Tem de improvisar maca, lençol, atadura. A população aposta na gente, não podemos demonstrar fraqueza;, afirma.

Sufoco
Distantes de um leito com acesso a uma equipe médica, esses profissionais conduzem nascimentos em espaços apertados e muitas vezes insalubres. Há menos de um mês, o sargento Fernando Jerson da Silva, 43 anos, foi chamado às 7h para atender uma parturiente em um endereço no mínimo estranho: um gramado na 410 Sul. Mas o bombeiro garante que o nascimento ; o décimo segundo sob sua responsabilidade ; não foi difícil. Quando ele chegou ao local, a moradora de rua já havia dado à luz com o auxílio de populares. ;Já tive alguns bem mais complicados. Já fiz parto em casa, na rua e em viatura. Nós não fazemos distinção de pessoas nem de local. Se há uma vida, temos de ajudar ;, ensina o socorrista.

Já não bastasse o sufoco de fazer um parto na rua ou em uma ambulância, Fernando já teve de lidar com casos inusitados, como um carro que atolou a caminho do hospital, ou quando uma viatura se envolveu em um acidente enquanto transportava duas parturientes. ;Quando eu estava cortando o cordão umbilical, a viatura bateu na traseira de um carro depois de escorregar na terra da pista. Uma das mães na viatura nem viu o que aconteceu; a outra se assustou e arranhou o meu braço todo, pedindo socorro;, lembra o socorrista.

Mas ele também se recorda que hoje o trabalho dos bombeiros é mais fácil que no passado. Em tempos de menos equipamentos, profissionais em menor quantidade e treinamento não tão evoluído quanto o de hoje, o jogo de cintura era fundamental para sair de situações complicadas. ;A gente pega o paciente na rua e não tem como fazer exame. Precisamos definir tudo ali na hora. Antes, o parto ainda era algo bem mais improvisado, precário;, avalia. Mas, independentemente da estrutura e da tecnologia, não há equipamento que substitua a coragem e o empenho desses heróis.

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