Bruno*, 17 anos, entrou para o mundo do crime em agosto de 2009. Sob efeito de alguns cigarros de maconha, assassinou com seis tiros um desafeto da mesma idade na QNN 1, em Ceilândia Sul. Antes de cumprir medida socioeducativa no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) pelo homicídio, confessou ter roubado duas pessoas para alimentar o vício. A triste história de Bruno se confunde com a de centenas de jovens do Distrito Federal que passaram a roubar, matar e traficar depois que se envolveram com entorpecentes. A constatação está na pesquisa Perfil do adolescente infrator, feita pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O relatório de 61 páginas, ao qual o Correio teve acesso, mostra que 64% daqueles com menos de 18 anos que praticaram atos infracionais graves confessaram fazer uso de substância ilícita.
A relação droga e crime impressionou até mesmo o promotor de Justiça e coordenador administrativo da pesquisa, Renato Barão Varalda. ;Significa que nem o Estado nem a família têm controle sobre esses jovens. Tem adolescente que chega à promotoria tão tomado pelo crack que a única solução é mandá-lo para o Caje. Essa não é a medida adequada, mas temos que fazer isso para que ele não regresse para as ruas. O melhor seria encaminhá-lo para internação, mas o DF, infelizmente, não possui estrutura para atendê-los;, disse Varalda.
O estudo (veja arte) ainda revela que meninos e meninas em conflito com a lei fazem parte de famílias desestruturadas, são reincidentes e consideram a escola pouco estimulante. A educação, aliás, não é prioridade na vida de quem trocou as brincadeiras por armas. Entre os 504 entrevistados na pesquisa, 90,5% (456) admitiram ter reprovado de ano no colégio. Para Renato Varalda, o desinteresse dos jovens pela sala de aula é motivado, principalmente, pela linguagem distante entre escola e aluno. ;A reprovação é consequência da evasão escolar. Eles se matriculam na rede pública, mas não frequentam as aulas. Essa evasão se dá porque eles não se sentem atraídos pelo que o universo escolar oferece;, afirmou o promotor de Justiça, que sugere medidas simples para a mudança de comportamento desse público.
;É possível detectar as falhas do sistema e tentar traçar estratégias, seja tornando o ambiente escolar acolhedor e atraente, seja melhorando o meio de transporte entre a residência e a escola, seja orientando os pais, responsáveis e educadores à imposição de limites e respeito aos valores e aos malefícios do uso de drogas e bebidas alcoólicas;, complementou.
* Nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Escola e família juntas
Outra informação que chama a atenção no levantamento da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do DF é a ausência da figura paterna na formação do caráter dos jovens infratores. Apenas 33,1% deles têm a companhia do pai e da mãe em casa. Nos lares carentes brasileiros, existe uma forte cultura de o homem abandonar a mulher e os filhos quando a situação financeira aperta, o que é considerado crime previsto no Código Penal Brasileiro (veja O que diz a lei).
O jovem Bruno, personagem do início da reportagem, faz parte desse universo. Criado sem pai, ele acredita que a autoridade masculina poderia ter mudado seu destino. ;Não adianta querer me mudar agora que virei bandido. Ele tinha que ter feito isso quando eu era moleque, porque a gente sempre respeita mais o homem dentro de casa. Talvez com as broncas do pai, eu teria arrumado um emprego, tivesse estudado, não tinha me envolvido com coisa errada;, resignou-se Bruno.
A coordenadora da área de juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais do Rio de Janeiro, Miriam Abramovay, concorda que a presença do pai contribui para a construção de uma família mais sólida, mas acredita que esse não é o fator primordial para os jovens infratores. ;Não podemos sempre relacionar a ausência do pai aos delitos. Hoje, não existe apenas a família tradicional. Inúmeros lares são formados apenas por pai e filho, mãe e filho etc.;, opina a educadora, reforçando que a principal vacina contra o crime é a educação.
;A escola não sabe dar a resposta a esse jovem. Não tem uma linguagem que alcance a cultura juvenil. Ela tem o papel de construir o perfil dessa juventude, de proteger, e isso deve ser feito com as famílias. Porém esse diálogo com os pais não existe. Enquanto essas relações (família e escola) não se tornarem próximas, não haverá mudança;, avalia Abramovay, autora do livro Revelando dramas, descobrindo degredos, sobre a violência nas escolas do DF.
Grande parte dos menores infratores ouvidos pela Promotoria da Infância estacionou no ensino fundamental (55%), mesmo com idade para estar no ensino médio. A maioria (43 no total) cursa ou parou na 6; série do ensino fundamental. Outros 35 desistiram ou estão matriculados na 5; série.
Sem uma base escolar, planos para o futuro são metas distantes. Quase 30% afirmaram que não sonham com uma vida melhor. ;Eles são muito realistas. Têm consciência que, devido ao estilo de vida que levam, dificilmente vão mudar. Tem também o fator da aceitação da sociedade depois que eles cumprem a medida. Tudo isso é culpa das políticas públicas miseráveis que temos no nosso país;, criticou Miriam Abramovay.
O que diz a Lei
O artigo 244 do Código Penal Brasileiro trata como abandono material, com punição de até quatro anos de reclusão, aquele que ;deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho;. Já o artigo 246 pune com até um mês de cadeia e multa quem ;deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar;.