postado em 24/05/2011 09:50
Brasília ; A Justiça do Distrito Federal tenta esclarecer um caso que envolve a diretora de uma escola pública e uma criança cigana e que acabou afetando uma comunidade de 150 pessoas na zona rural de Planaltina, a cerca de 40 quilômetros de Brasília. Registrada em 14 de abril de 2010, a denúncia ficou parada durante mais de um ano na Polícia Civil do Distrito Federal. Na semana passada, o delegado responsável enviou as informações colhidas para o Juizado Especial Criminal de Planaltina, que decidirá se abre processo penal contra a diretora ou arquiva o caso.Na última sexta-feira (20/5), o juizado encaminhou o inquérito para análise da Promotoria de Justiça de Planaltina, que elaborou parecer e encaminhou o documento conhecido como termo circunstanciado ao fórum da cidade no mesmo dia. Como a vítima é uma criança, hoje com 10 anos de idade, o inquérito correrá em segredo de Justiça.
No dia 13 de abril de 2010, uma aluna cigana, à época com 9 anos, presenciou a diretora da escola na qual estudava reunir um grupo de crianças, na hora do recreio, e pedir para que elas não se aproximassem dos ciganos acampados na área ao lado. Segundo relato da menina, incluído na ocorrência policial, a diretora afirmou que os ciganos ;arrancavam olho, cabeça, pernas e braços, cozinhavam e comiam;. Para mostrar quem eram os ciganos, a diretora apontou para Olívia Camargo do Amaral, avó da aluna de 9 anos.
No dia seguinte, a família da criança foi à 31; Delegacia de Polícia de Planaltina registrar ocorrência sobre o episódio. A presidenta da Associação dos Ciganos Calons do Distrito Federal, Marlete Pereira de Queiroz, assinou o documento uma vez que a mãe da menina é analfabeta.
Apesar de o caso ter ocorrido há mais de um ano, a Polícia Civil só começou a colher os depoimentos há duas semanas, um dia depois de a reportagem da Agência Brasil ter ido à delegacia para pedir informações sobre o andamento das investigações.
Segundo o líder da comunidade, Elias Alves da Costa, as cinco crianças ciganas que frequentavam a escola deixaram de ir às aulas depois do episódio. ;Ela [a criança de 9 anos] não quis ir mais para a escola, ficou com medo. Depois, a gente conversou com a diretora, mas ela disse que não fez nada.;
Em entrevista à Agência Brasil, a diretora Rosângela Falcão negou qualquer ato de discriminação. ;Eles disseram que eu falei que cigano arrancava olho, arrancava braço, isso não aconteceu;, afirmou. Ela contou ainda que, ao tomar conhecimento de que havia uma ocorrência policial envolvendo seu nome, foi à delegacia espontaneamente por considerar ;uma coisa muito grave;.
Segundo Rosângela, o grupo de ciganos ocupou parte da área interna do colégio e usava a água destinada à comunidade escolar. ;Uma das barracas estava ao lado janela da professora e a fumaça ia toda para a sala;, reclamou a diretora, que permanece no cargo.
Ela disse ter fotos que comprovam a sua versão de que os ciganos ocuparam parte da área pertencente à escola. Entretanto, alegou que essas imagens estavam com a vice-diretora, afastada por problemas pessoais.
A professora Cristina Ribeiro, que prestou depoimento à polícia no dia 11 de maio, também nega que a diretora tenha feito qualquer ofensa aos ciganos ou proibido as crianças de se aproximar da comunidade. ;Foi um dia normal e todo mundo da escola se surpreendeu quando chegou uma denúncia tão grave como essa. As aulas foram dadas normalmente durante os dias em que os ciganos [alunos] estiveram nas salas de aula;, contou a professora, que é responsável por acompanhar as crianças na hora do recreio.
De acordo com a Administração Regional de Planaltina, os ciganos tinham autorização para permanecer acampados no terreno ao lado da escola por 90 dias. O então administrador da cidade, Manoel Abadia Sobrinho, disse que enviou uma equipe ao local assim que soube do episódio. Segundo ele, os funcionários não encontraram nenhuma ilegalidade com relação à permanência dos ciganos no terreno.
;Eles ocuparam sempre o lado externo da escola, apesar de estarem perto da cerca. Não chegou ao meu conhecimento que tenham ocupado a área interna;, disse o ex-administrador.
Há cerca de oito meses, a comunidade deixou o acampamento em frente à escola e se mudou para um assentamento no Córrego do Arrozal, área rural de Planaltina.
A assessora parlamentar Marta Pinto, que acompanhou todo o conflito até que os ciganos deixassem o terreno ao lado da escola, confirmou a versão do ex-administrador. ;Segundo verifiquei, estavam muito perto do colégio, mas depois da cerca;, disse Marta, que à época era assessora da deputada distrital Érica Kokay (PT-DF), hoje deputada federal.
Na esfera judicial, os próximos passos incluem audiências nas quais devem ser ouvidas a mãe da menina, autora da denúncia, e a diretora do colégio. Após essas audiências preliminares, caberá ao juiz decidir se arquiva o caso ou reenvia à Promotoria de Justiça da cidade.
No caso de a promotora oferecer a denúncia, será instaurado o inquérito judicial. Da mesma forma que o juiz, a promotoria pode recomendar o arquivamento do caso. O inquérito policial foi encaminhado pelo delegado Élio Carafelli como investigação em aberto, sem qualquer tipificação de crime.
A denúncia também foi encaminhada pela Associação dos Ciganos Calons do Distrito Federal à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF). A seção de protocolo informou que o ofício foi encaminhado ao presidente da OAB-DF, Francisco Queiroz Caputo Neto, no dia 15 de abril de 2010, mesma data em que foi entregue. A Comissão de Direitos Humanos, no entanto, não soube informar à reportagem o andamento das apurações.