A analista de sistemas Patrícia Medova, 38 anos, planejou, há mais de um mês, a festa da filha em um barco. Imaginava que os amigos da criança, que completa 11 anos, se divertiriam muito ao passar uma tarde em uma embarcação no meio do Lago Paranoá. Metade do valor do bufê, assim como a confraternização para 30 meninos e meninas, no valor de R$ 1,2 mil, já estava pago desde abril. Mas os planos mudaram com o naufrágio do Imagination. No dia seguinte à tragédia, Patrícia e o marido, Paulo Mafine, decidiram cancelar o barco e optaram por uma festa convencional, em uma pizzaria. Tiveram sorte: apesar de o contrato informar o contrário, a empresa contratada topou devolver o dinheiro. ;Nós confiamos no proprietário, mas não tinha mais clima. Nenhum pai autorizaria o próprio filho a ir. Eu não deixaria a minha ir se fosse outra festa;, afirma Patrícia.
A decisão do casal é apenas um exemplo do que as empresas do setor vêm sentindo no bolso. A Netuno Serviços Náuticos teve 12 cancelamentos de programas para o fim deste mês e o próximo. Dos quatro previstos para o fim de semana, não sobrou nenhum. O prejuízo já passa de R$ 16 mil, fora o bufê, cobrado à parte. O dono do negócio, José Carlos Andrade, está preocupado. ;O contabilista disse para mim: ;Carlos, hora de tomar atitude, rever a quantidade de funcionários. Não tem mais passeios para cobrir as despesas ou os custos de manutenção;, lembra o proprietário. Por mês, são gastos R$ 15 mil para manter os oito barcos da empresa em perfeito estado de segurança. ;Eu tenho 12 funcionários e 15 anos de mercado. Em todo esse tempo, nunca tive nenhum acidente. Nem mesmo tive que usar o extintor de incêndio;, diz.
Desafio
O único evento que seria realizado durante a semana pelo barco Mar de Brasília não ocorreu ontem. O passeio ecológico com alunos de um colégio particular da capital foi cancelado em cima da hora. Nos fins de semana, são realizados tours para quem quer conhecer Brasília pela vista do lago. No último caso, não há cancelamentos, pois os passeios são abertos a todos que comparecem ao local de partida do barco. Mas a expectativa é que, no próximo mês, o movimento diminua.
O desafio das empresas agora é resgatar a confiança do brasiliense. ;Num passeio que ainda conseguimos fazer na terça-feira, todos perguntaram pelo colete e fizeram questão de ouvir com atenção as instruções de segurança, o que não acontece sempre;, lembra Inês Servioli, que trabalha com o marido no barco Netuno. ;As embarcações são feitas para flutuar sempre. A gente precisa mostrar que o problema não é o barco, mas aquele barco;, defende José Andrade, em referência ao Imagination.
Outra empresa que não recebe um centavo desde o acidente é a do barco Happy Day. Isso porque a embarcação está sendo usada pelo Corpo de Bombeiros, a Marinha e a Polícia Civil como base de apoio no resgate das vítimas do Imagination. ;Eu vim para ajudar e acabei ficando para dar uma força;, conta o dono, José Felipe João Júnior, que, além de não receber, está arcando com os custos dos funcionários e do diesel do gerador de energia. Um evento programado para o Happy Day para depois de amanhã ; uma reunião de fiéis de uma igreja ; está mantido.
Entrave à expansão
Na avaliação do diretor náutico da Agência de Turismo Receptivo de Brasília (Abare), Edimilson Figueiredo, o setor, que já não é forte na economia local, sofreu mais um revés com a tragédia. ;Para sair dessa, será necessário o governo investir em infraestrutura e a mídia mostrar que existem muitas empresas sérias no mercado;, afirma o empresário, que teve oito passeios cancelados desde o naufrágio do Imagination, a maioria envolvendo passeios ecológicos e culturais com escolas.
No DF, 14 empresas fazem turismo náutico, de acordo com a Abare. Figueiredo acredita que a atividade é subaproveitada, ainda tendo muito espaço para crescer. Segundo o diretor, os empresários têm condição de transportar 750 pessoas ao mesmo tempo. ;Com seis passeios diários de duas horas, seria possível transportar 90 mil pessoas por mês;, calcula.
Os argumentos a favor da segurança da embarcação onde ocorreria a festa do marido não foram suficientes para convencer a enfermeira Ana Maria Cavalini, 54 anos, de que não haveria problemas em fazer uma confraternização-surpresa para o homem com quem vive há 10 anos. Todos os convidados tinham sido chamados para o evento, que ocorreria amanhã. ;Mas aí ligou um casal amigo mostrando que até iria, só que tenso. Depois, outros telefonaram para dizer que não sabiam nadar. E aí minha enteada falou que ia, mas não levaria a neta dele (do marido). Acabei desistindo;, conta Ana Maria.
Outro grupo que deve demorar a pisar em barcos novamente são os funcionários e diplomatas da Embaixada Americana em Brasília. Um grupo de 75 pessoas que trabalham na representação diplomática fez uma confraternização no Imagination no último dia 20, dois dias antes do naufrágio. ;Ninguém notou nada que pudesse dizer que o barco estava comprometido;, afirma uma pessoa que esteve na festa e não quis se identificar. A organização da festa não envolveu oficialmente a embaixada.
Fique atento
O que checar para garantir uma festa ou passeio seguro pelo Lago Paranoá:
; Salva-vidas devem estar presentes pelo menos na quantidade exata de passageiros e tripulantes, em um local visível e de fácil acesso. Eles precisam ser homologados pela Marinha com um selo
; Extintor de incêndio dentro do prazo de validade
; Boias circulares vermelhas. Catamarãs como o Imagination devem ter ao menos duas, que servem para resgate caso alguém caia na água. Durante uma situação de naufrágio, apenas a boia dá apoio a quatro pessoas.
; Radio VHF. Com ele, é possível contato instantâneo com a Marinha e outras embarcações nas proximidades em caso de perigo
; Luzes de sinalização. Pela regra náutica, durante a noite, o barco precisa manter uma luz vermelha no lado esquerdo. No direito, verde. E atrás, branca. Além de garantir visibilidade noturna, servem como orientação para que o comandante saiba a posição da outra embarcação, de modo a evitar choques e saber quem tem preferência na navegação
; A Caderneta de Identificação de Registro (CIR) deve ser portada pelo condutor-comandante e pela tripulação (garantindo que estão prontos para lidar com qualquer situação)
; Registro da embarcação na Marinha. A documentação oficial do barco explicita o número de passageiros permitidos e quantos marinheiros são necessários
; O Certificado de Segurança da Navegação (CSN) é emitido pela Marinha e indica que o barco passou por vistoria de uma empresa credenciada. O prazo de validade do documento é de quatro anos
; Âncora. Se o motor falhar ou ocorrer pane elétrica, é ela que vai garantir que o barco não saia à deriva.
; Embora não sejam obrigatórios, botes ou lanchas de apoio na embarcação podem ser considerados um diferencial de segurança.