Cidades

Sobreviventes do Imagination contam momentos de terror dentro do barco

postado em 29/05/2011 08:00
Mônica pediu para a tia comprar o ingresso com o cartão de crédito: nunca havia pisado em um barcoUma semana depois da maior tragédia da história do Lago Paranoá, os sobreviventes relembram o terror vivido na noite do dia 22. Pesadelos, depressão e tristeza passaram a fazer parte da rotina de quem quase perdeu a vida no naufrágio. Ao Correio, alguns deles relembraram os terríveis momentos que antecederam o resgate. São histórias impressionantes como a da bancária Larissa Cristina Ribeiro, 25 anos, que, mesmo sem saber nadar, boiou por mais de 40 minutos até a margem de uma casa na QL 14 do Lago Sul. ;Não nado, mas sei boiar. Quando eu vi que estava sozinha, pensei: ;Ou eu me acalmo, ou morro;. Graças a Deus eu tive sangue frio para flutuar até chegar a um lugar seguro;, contou.

O técnico automobilístico Ismael Belo Mousinho, 49 anos, foi outro que escapou por milagre. Ele chegou a ser sugado pela água quando o Imagination afundou. Ficou submerso, calcula, por cerca de 1 minuto, até conseguir tirar a cabeça da água e respirar. Nadador experiente, quase morreu vítima do desespero das pessoas. ;Todo mundo que não sabia nadar segurava em mim. Toda hora eu era surpreendido por alguém me puxando para o fundo. Tive que bater em muitos para me largarem. Não tinha mais forças para suportar muito tempo. Aprendi com essa experiência que existem três leis: a da gravidade, a civil e a lei da sobrevivência. E era nessa última lei que eu estava enquadrado naquele momento;, disse Ismael.

A auxiliar administrativa Mônica Araújo de Moraes, 21 anos, é prima da menina Ester de Araújo, 10, que morreu no acidente. A jovem quebrou um braço na hora em que o barco começou a virar. Mesmo com os movimentos comprometidos, nadou até chegar a um bote. ;Não sei como consegui nadar com o braço quebrado. Só senti dor na hora em que meu sangue esfriou. São coisas que a gente só é capaz de fazer quando está entre a vida e a morte;, disse.

Primeira vez à bordo

A maioria dos ocupantes do barco naufragado na noite do domingo passado não faz parte dos abonados acostumados a passear no Lago Paranoá em modernas e luxuosas lanchas e veleiros. Muitos desfrutavam daquele cenário pela primeira vez na condição de passageiros. Até então, só entravam em embarcações para servir os endinheirados moradores da classe média alta brasiliense. Alguns dos náufragos pegaram dinheiro emprestado para pagar o passeio. Outros compraram roupas novas e foram ao salão de beleza. Tudo para passar a grande noite com estilo.

Entre os convidados da fatídica festa estavam cozinheiros, garçons, copeiros, trabalhadores formais e informais que apenas queriam se divertir com amigos e familiares. Moradores de Recanto das Emas, São Sebastião, Paranoá, Cidade Ocidental (GO) e outras cidades ; em quilometragem e realidade ; distantes do Lago Sul, que viram um momento tão especial se transformar na mais traumática lembrança.

A auxiliar administrativa Mônica Araújo de Moraes, 21 anos, moradora do Paranoá, pediu para a tia comprar o ingresso de
R$ 65 com o cartão de crédito. A dívida será paga mês que vem. Para curtir a festa no Imagination, ela gastou quase R$ 200 com roupas. Também fez questão de arrumar o cabelo e pintar as unhas no salão de beleza. Todo o investimento ficou nas águas do Lago Paranoá, quando o barco superlotado afundou. ;Eu estava muito empolgada. Era a minha primeira vez num barco. Comentava como ia ser com amigas, levei máquina para tirar foto, mas o passeio, que era para ser um dos melhores da minha vida, se transformou no meu mais terrível pesadelo. Até hoje não consigo dormir sem ouvir gritos das pessoas desesperadas. Uma cena horrível;, contou Mônica.

A professora Magali Araújo de Moraes, 21 anos, moradora da Cidade Ocidental (GO), também era outra que estava radiante com a possibilidade de pisar numa embarcação pela primeira vez na vida. Ela, inclusive, presenteou o marido e a filha com ingressos para a festa. ;Estava muito curiosa. Queria sentir a sensação de estar navegando. Meu marido não queria ir, mas eu comprei a entrada dele e fiz uma surpresa. Era para ser um dia especial, de confraternizar com a família. Pena que acabou dessa forma tão triste;, comentou a docente, que leciona em escolas particulares de Taguatinga e da Ocidental.

Ismael Belo Mousinho
49 anos, técnico automobilístico, morador da Cidade Ocidental
;Entrei no barco com minha esposa e minha filha e ninguém conferiu nossos nomes na lista nem pediu os ingressos. Achei estranho logo de cara. Quando pediram para irmos para a direita, pensei: ;Vai afundar;. Em questão de segundos, tudo ficou inundado. Não deu tempo de tirar a jaqueta. O barco me sugou para o fundo. Muita gente se agarrou em mim. Estou todo arranhado. Não tinha mais forças para suportar muito tempo. Aprendi com essa experiência que existem três leis: a gravidade, a civil e a lei da sobrevivência. E era essa última lei que eu estava obedecendo. Tentei segurar numa corda, mas ela arrebentou, depois procurei me apoiar no pedaço do barco, mas afundou também. Já estava desistindo de lutar, sem forças. Já tinha pedido a Deus para me levar em paz, quando apareceu uma embarcação que já estava lotada. Não consegui subir, mas pelo menos fiquei apoiado. Vi uma mulher boiando com o rosto dentro d;água. Puxei-a pelos cabelos e vi que ela já estava morta, com os olhos arregalados. Com certeza foi a imagem mais marcante dessa tragédia. Deito e logo vem o rosto dessa moça. Estou depressivo e com problemas para dormir, e até hoje nenhum responsável nos procurou para saber se estamos bem. Isso é revoltante.;

Larissa Cristina Lopes
25 anos, bancária, moradora do Varjão
;Quando eu ouvi o pessoal gritando para todo mundo ir para a direita, achei estranho e fiquei assustada. Não demorou muito e a água invadiu o barco. Minha reação foi correr para a ponta e sair de perto das pessoas. Pensei: ;Eu não sei nadar. As pessoas vão se agarrar em mim e vou morrer com elas;. Fiz a única coisa que eu sei na água, que é boiar. Quando o barco afundou, já estava longe da maioria dos passageiros. Procurei manter a calma, pensar em Deus e ficar boiando até o resgate chegar. Tive a serenidade de tirar minhas botas, que já estavam bem pesadas. Fui assim até a correnteza me levar para perto de uma casa. Quando estava perto da margem, uma lancha passou e me resgatou. Fui uma das últimas a chegar aonde estavam os outros sobreviventes justamente porque fui parar muito longe. Eu nasci de novo com essa experiência. Estou casada há seis anos e não tenho filhos. Procurava sempre melhorar financeiramente, ter uma casa bonita. Agora, vejo que isso não é o mais importante na vida de uma pessoa. A família, sim, é o bem mais sagrado. Hoje, minha prioridade número um é engravidar.;

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