Cidades

Traficantes vendem crack em tendas na Asa Norte

postado em 31/05/2011 07:15
Morador da SQN 110 mostra o local onde, à noite, vê o comércio de entorpecentes. Ele também já testemunhou o assalto a uma mulher
A ousadia dos traficantes de drogas do Distrito Federal não tem limites. Em diversos pontos da Asa Norte, muitos deles passaram a montar barracas para vender crack e cocaína com mais conforto. A Polícia Militar está atenta ao mais novo tipo de comércio de entorpecentes num dos bairros nobres de Brasília, mas admite ser difícil combater essa modalidade de crime. Fingindo-se de moradores de rua, eles erguem o abrigo de madeira e lona, geralmente entre as 21h e as 22h de quinta-feira a domingo, e desmontam o acampamento antes do dia amanhecer.

Na SQN 110, a venda de substância ilícita mudou a rotina de moradores e comerciantes. Depois que uma tenda passou a ser instalada com frequência no gramado próximo ao Bloco I, o trânsito de pessoas diminuiu. Morador da região, Jorge (nome fictício), já presenciou uma mulher sendo assaltada às 6h quando passava em frente à barraca do tráfico. ;Eles estavam desmontando (a barraca). A moça passou e eles levaram a bolsa dela. Não deu para ver direito, mas parece que carregam facas. O fato é que essa quadra ficou mais perigosa depois que esse pessoal começou a andar por aqui;, contou.

Ele revela que até carros luxuosos costumam parar próximo à tenda improvisada. Motoristas entregam o dinheiro, pegam a droga e partem. A operação dura poucos segundos. No total, quatro traficantes ;sendo uma mulher; são os responsáveis por comandar a distribuição das pedras e do pó aos usuários. O ponto escolhido pelos criminosos é estratégico. Fica próximo a uma área cercada por blocos de concreto. No local deveria ser erguido um edifício, mas a obra nunca saiu do papel. Dentro do cercado, de acordo com moradores, são escondidos drogas, objetos roubados e até armas. ;Eles jogam tudo aí dentro. Roubam um som de carro, deixam aí no meio do mato e voltam para buscar dois, três dias depois;, relatou um comerciante que preferiu não revelar a identidade.
Carro da PM passa diante de flanelinhas: possível disfarce de traficantes
Na hora em que o Correio percorria a quadra, a presença de agentes do Instituto de Criminalística (IC), órgão da Polícia Civil do DF, chamou a atenção. Os policiais periciavam o restaurante do empresário Gustavo Gonçalves de Oliveira. O estabelecimento, que fica na SQN 109 ; em frente ao local onde é montada a barraca ; foi arrombado na madrugada. Os ladrões levaram quase todo o estoque de bebidas importadas, carnes nobres e até chicletes e balinhas. O prejuízo estimado por Gustavo ultrapassa R$ 1,5 mil. Nem mesmo o sistema de segurança com câmeras e alarmes inibiu os bandidos.

Para Gustavo, os autores do furto a sua loja são os mesmos que passam as noites vendendo drogas na quadra. ;Tem cliente que a gente precisa acompanhar até o carro, porque eles (os assaltantes) ficam disfarçados de flanelinhas e ameaçam quem não dá dinheiro. Tenho quase certeza que foi essa turma que entrou no meu restaurante", afirmou. Coincidência ou não, no momento em que os policiais estavam no restaurante, todos os vigias de carros desapareceram do estacionamento e só retornaram depois que os agentes foram embora.

Alta potência
O crack tem um grande poder de gerar dependência, pois a fumaça chega ao cérebro com velocidade e potência extremas, causando problemas respiratórios agudos, incluindo tosse, falta de ar e dores no peito. Doenças psiquiátricas como psicoses, paranoia, alucinações e delírios também podem ocorrer.

Problema disseminado
Não são apenas os moradores da Asa Norte que perdem território para as drogas. Em Ceilândia Norte, usuários de crack chegaram, literalmente, ao fundo do poço. Em setembro do ano passado, o Correio mostrou, em uma série de reportagens, a rotina de dezenas de viciados que fumavam pedras de crack dentro de bueiros na QNN 13. Perto dali, a situação era igualmente desoladora. Numa obra inacabada apelidada de Castelo de Grayskull; uma referência ao desenho animado He-Man; o consumo de entorpecentes era constante. Depois das matérias veiculadas, a Administração Regional da cidade cercou a área e tapou os bueiros.

No Centro de Taguatinga, o problema se repete. Não é preciso ir muito longe para se deparar com traficantes e usuários perambulando pela Praça do Relógio e seus arredores. A PM tem intensificado o trabalho na região, mas admite dificuldade em coibir a presença deles. Na Asa Sul, não é diferente. Nas quadras 408, 206 e 110, entre outras, crianças, jovens, homens e mulheres não se intimidam com a presença de policiais. Eles são revistados e, mesmo sob forte efeito de drogas, são liberados, pois a legislação brasileira não considera o usuário um criminoso.

Conflito entre as corporações
O comandante do 3; Batalhão de Polícia Militar (Asa Norte), tenente-coronel Leonardo Santana Rodrigues, confirma que o tráfico de drogas em barracas não é uma peculiaridade da SQN 110. De acordo com o oficial, o fato de os moradores de rua traficarem entorpecentes dificulta o trabalho da polícia. ;Hoje, lidar com o morador de rua é uma barreira quase intransponível. Não posso interferir no direito de ir e vir desse morador de rua, mas posso interferir no de permanecer. Quando fazemos operações conjuntas para retirar essas barracas, encontramos drogas, mas é difícil caracterizar como sendo um traficante;, explicou o comandante.

Um entrave para uma investigação mais rigorosa sobre os traficantes da região é o mal-estar que isso pode causar com os colegas da Polícia Civil, responsáveis legais pelo trabalho de apuração de crimes. ;Para eu levar um cidadão com droga para a delegacia e dizer que ele é traficante, eu tenho que filmar, fotografar e reunir provas de que ele não é um simples usuário. Se eu não fizer isso, posso ser acusado de abuso de autoridade. Porém, esse serviço pode ser interpretado como se eu estivesse entrando na seara dos colegas da Polícia Civil;, disse Santana, que afirma receber diariamente uma média de seis reclamações relacionadas a problemas com moradores de rua.

Policiamento ostensivo
Atualmente, a Asa Norte conta com efetivo de 90 policiais patrulhando as quadras durante o dia e 40 à noite. A barraca que vende drogas é apenas a ponta de um problema que parece sem fim. Balanço divulgado pela Secretaria de Segurança revelou que, em 2010, as apreensões de pedras de crack triplicaram em relação a 2009. A polícia retirou das ruas 35,6kg do entorpecente, contra 11,9kg recolhidos no ano anterior. Isso representa um aumento de 199,15%. Os números mostram ainda um crescimento de 29,25% nas apreensões de cocaína.

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