Uma decisão judicial pode colocar em risco as comemorações deste ano da tradicional Festa do Divino de Pirenópolis. O Juiz Sebastião José da Silva, da Comarca da cidade goiana, atendeu a uma solicitação do Ministério Público e estabeleceu uma série de restrições ao "mascarado", figura típica e central da festa. O motivo seria o aumento de crimes cometidos por pessoas fantasiadas durante a festa.
As celebrações religiosas da 193; Festa do Divino começam na próxima sexta-feira (3/6), com uma novena, e vão até 14 de junho, com eventos culturais e shows. Os mascarados saem às ruas nos três últimos dias da festa, quando também ocorrem as tradicionais cavalhadas. O mascarado é uma figura irreverente, que satiriza situações sociais e personagens políticos e o anonimato é parte central na composição do personagem.
Caso a decisãojudicial seja mantida, os mascarados de Pirenópolis ameaçam não fazer o cadastro e não ir às ruas na Festa do Divino deste ano, como forma de protesto.
O que diz a sentença
De acordo com a sentença judicial, expedida no dia 10 de março, a partir deste ano será obrigatório o cadastro de todas as pessoas que queiram participar da Festa do Divino trajando a tradicional fantasia de máscara de boi e roupas coloridas e brilhantes. Ao fazer o cadastro junto à secretaria de cultura municipal, os foliões receberão uma espécie de adesivo com o logotipo da Prefeitura e uma numeração.
Os mascarados terão ainda horário e local específicos para sair às ruas. Segundo a sentença, qualquer mascarado que for flagrado fora do Centro Histórico da cidade ou fora do horário permitido (6h às 18h30), poderá ser autuado pelas polícias Civil e Militar por desobediência. O mesmo acontece com quem estiver sem o adesivo de identificação.
Caso de polícia
A justificativa para a implementação da medida é o aumento dos crimes cometidos nos últimos anos durante a Festa do Divino por pessoas fantasiadas. A delegada da Polícia Civil de Pirenópolis, Dra. Geinia Maria Etherna, cita furtos, agressões e atentados ao pudor como os crimes mais frequentes cometidos sob o anonimato das máscaras.
Segundo a delegada, as investigações de um homicídio cometido em 2009 permanecem sem conclusão devido à dificuldade de identificação do suspeito, que usava máscara no momento do crime. "A nossa intenção é intimidar a ação destas pessoas que deturpam o espírito da festa e da figura dos marcarados e se aproveitam para cometer crimes e perturbar a ordem pública", afirmou a delegada.
Tradição ameaçada
Pouco mais de um ano após o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) ter elevado a Festa do Divino de Pirenópolis ao status de Patrimônio cultural imaterial brasileiro, o que aconteceu em 15 de abril de 2010, a festa tem sua identidade ameaçada. Esta é a opinião de Daraína Pregnolatto, coordenadora do ponto de cultura Guaimbê, na cidade de Pirenópolis. Daraína encabeça o movimento contrário à sentença judicial que, segundo ela, descaracteriza e criminaliza a figura dos mascarados.
Daraína sugere outras medidas que poderiam ser tomadas para resolver os problemas relacionados aos mascarados. "A ação policial geralmente é bruta, autoritária e violenta. É preciso preparar os policiais para lidar com os mascarados, assim como promover ações educativas para valorizar a festa, a figura do mascarado e conscientizar a população."
Tradição de família
Rawston Barbosa da Veiga sai há 13 anos de mascarado na Festa do Divino. "Cresci vendo meus tios e meu pai fantasiados. O mascarado é a alegria do povo, ele brinca com todo mundo, pede comida, bebida, dinheiro pra combrar cachaça, tudo num clima de festa. Com 13 anos minha mãe me deixou sair também", conta Rawston. Ele faz parte de uma "turma", ou seja, um grupo de mascarados. A turma de Rawston tem 250 mascarados do tipo catulé, que saem com roupa social e máscara de pano. "As máscaras de boi são feitas de papel, machuca o rosto e dificulta a visibilidade", explica.
Nem sempre é o mascarado quem comete crimes, explica Rawston. "Se alguém me der um tapa na cara e eu for na polícia, é capaz de eles me prenderem", conta. Rawston critica também o adesivo proposto pela prefeitura. "Qualquer um pode mandar fazer igual, a lona de banner é um material simples, dá pra fazer em Anápolis. Se eu me cadastro e alguém comete um crime com meu número nas costas, como fico?".
Com a proximidade da festa do Divino, turmas de mascarados se mobilizaram e tentam uma audiência com o Ministério Público para solicitar a retirada da ação civil pública que originou toda a polêmica. "O que propomos é a carteirinha dos mascarados, com nome, endereço, foto e a turma, pra ser apresentada junto com um documento de identidade. Também seria feito um cadastro, mas sem ter que grudar um adesivo de quase 30 centímetros na fantasia", explica.
Pouca adesão
O cadastramento dos mascarados foi iniciado na última segunda-feira (29/5) e até esta quarta-feira (1/6) apenas 16 pessoas procuraram o posto montado na delegacia da cidade, a maioria para efetuar o cadastro de crianças. Em cada dia de festa, pelos menos 1.200 mascarados saem às ruas de Pirenópolis. Além da delegacia, outro posto de cadastramento foi montado pela secretaria de turismo na Companhia de Polícia Militar da cidade.