Em meio a prédios e casas, uma faculdade funciona irregularmente e causa transtornos aos moradores da 713 Norte. Pelas normas de gabarito da região, o uso permitido no terreno é para a abertura de maternal, creche ou escola de ensino fundamental. Mas um colégio instalado na quadra aluga suas dependências a uma instituição de ensino superior — o que é proibido pela legislação. Com a faculdade criada sem nenhum planejamento, vieram problemas como aumento de trânsito, falta de vagas e barulho. Moradores da área querem recorrer à Justiça para tentar acabar com as aulas de ensino superior no local.
O problema começou em fevereiro deste ano, quando o Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (Uniplan) começou a alugar as salas do Colégio Monteiro Lobato, que funciona legalmente na 713 Norte. Como a escola oferece apenas o ensino fundamental, obteve alvará para abrir as portas. Segundo a Administração de Brasília, não foi concedida autorização para abertura de salas de ensino superior.
Além da destinação a escolas de maternal ou ensino fundamental, a legislação permite o uso institucional ou comunitário, desde que para o desenvolvimento de “atividades relacionadas a culto”. No caso de utilização para fins religiosos, as normas de gabarito exigem um número de vagas três vezes superior. “Eles (o Colégio Monteiro Lobato) têm alvará que permite funcionar como creche, maternal e colégio de ensino fundamental. A Administração de Brasília não concedeu alvará para que ali funcionasse uma instituição de ensino superior”, garante o diretor do Departamento de Arquitetura da Administração, Leandro Mariani.
A empresária Tatiana André, 41 anos, mora há 23, em uma casa em frente à Escola Monteiro Lobato — que sempre funcionou apenas durante a manhã e a tarde. No início do ano, ela se surpreendeu com o início das atividades noturnas. “Ninguém consultou os moradores antes de abrir uma faculdade. Além do barulho, tem comerciante que monta barraca de lanches aqui na porta e, depois, deixa uma enorme sujeira”, reclama Tatiana. “Os carros param fechando nossas garagens, o transtorno está muito grande”, acrescenta a moradora da 713 Norte.
Uso restrito
O servidor público Leonardo da Motta Oliveira percorreu vários órgãos públicos para tentar resolver o problema da faculdade que funciona em local irregular. Morador da quadra, ele diz que não houve providências até agora. “Fui à Administração de Brasília, à Agefis (Agência de Fiscalização) e até ao Ministério Público do Distrito Federal. É inadmissível que um estabelecimento funcione em local inadequado, não previsto em lei. Lutamos contra irregularidades nessa área desde 2003”, relata Leonardo da Motta.
Segundo o servidor, naquele ano, a escola Monteiro Lobato cedeu parte da sua área para uma escola de trânsito, destinada à formação de novos condutores — que ainda funciona no local. À época, a Prefeitura Comunitária da 713 Norte pediu um parecer técnico à Administração de Brasília. O documento diz que a única utilização permitida no local é para escola de ensino fundamental e pede a cassação dos alvarás de funcionamento do colégio. Os técnicos da administração constataram, à época, que a edificação ultrapassava a taxa de edificação de 60% de uso do lote, que a altura estava acima da máxima permitida e que não havia o número mínimo de vagas de estacionamento previsto em lei.
Aluguel
A diretora do Colégio Monteiro Lobato, Ana Maria de Castro Mesquita, afirma que alugou as dependências da escola apenas durante o período noturno, de segunda a quinta-feira. “Tem vários outros casos de escolas nas quadras 700 que funcionam à noite. Acho que a reclamação dos moradores é mais por conta das vagas de estacionamento, que são públicas e podem ser utilizadas por qualquer um”, explica Ana. “Além disso, essa universidade oferece mensalidades baratas e a maioria dos alunos, de baixa renda, não tem carro”, acrescenta a diretora da escola. Segundo ela, a Uniplan oferece no local cursos de tecnólogo, com duração de dois anos. Cerca de 300 estudantes frequentam a faculdade à noite, segundo a escola que aluga as dependências.
O diretor-geral do Grupo Unip, João Augusto Nasser, afirma que a legislação permite a instalação da faculdade no local. Ele diz que os advogados da Uniplan — que integra o grupo — já deram entrada com o pedido de liberação da licença de funcionamento. “Ainda estamos no prazo de entrega da documentação solicitada e estamos aguardando análise”, afirma Nasser.
Para o promotor de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF, Paulo José Leite, o servidor da Administração de Brasília que emitir um alvará para o funcionamento de uma faculdade em área residencial poderá responder por improbidade administrativa. “Os moradores estão com razão, apenas escolas de ensino fundamental podem ficar naquele local, já que elas funcionam durante o dia e têm um impacto bem menor na vizinhança do que uma faculdade”, justifica o promotor. “Pedimos providências à Agefis, para o fechamento da instituição, que está funcionando de forma totalmente ilegal”, acrescentou Paulo José. O Correio procurou o diretor de Fiscalização de Atividades da Agefis, Cláudio Caixeta, desde a última terça-feira. Mas, até o fechamento desta edição, ele não soube informar se a Uniplan já havia sido notificada ou multada.
Exigências
A Norma de Gabarito nº 144/88 rege a ocupação dos chamados lotes de ensino das quadras 700 da Asa Norte. A legislação, em vigor há 23 anos, estabelece os afastamentos mínimos obrigatórios e a taxa máxima de ocupação — que é de 60% do terreno. As escolas só podem ter térreo e mais um pavimento, com altura máxima de 8,5 metros. A norma de gabarito determina ainda a obrigatoriedade de implantação de estacionamento dentro dos limites do lote, na proporção de uma vaga para cada 300m2 de área construída. Pelo menos 15% do lote deverão ser destinados a áreas verdes.