Cidades

Ex-artista circense ganha a vida se equilibrando em um cabo de aço

postado em 08/06/2011 08:00
Dedicação, habilidade e lesões: o equilibrista treinou embaixadinhas durante um ano para conseguir se manter firme na corda bamba e realizar o espetáculo que garante a renda familiarLindomauro Francisco da Silva, 32 anos, faz malabarismos para sobreviver. Passa os dias na corda bamba, literalmente e no sentido figurado. Ex-artista de circo e ex-candidato a jogador de futebol profissional, ele ganha a vida enquanto treina embaixadinhas, equilibrando-se em cima de um cabo de aço. Vestido com o uniforme completo da Seleção Brasileira, o artista de rua faz acrobacias com os pés, usa as pernas, passa a bola para a cabeça e a mantém parada durante segundos sobre o pescoço. Tudo isso no intervalo entre o sinais vermelho e verde dos cruzamentos de Brasília.

Quem gosta da apresentação doa algumas moedas. Há plateias mais generosas. Alguns dão até R$ 50, mas isso é raridade. Lindomauro mora em Planaltina de Goiás, a cerca de 55 quilômetros do Distrito Federal. Acorda às 4h, quando o dia ainda parece noite, para se preparar. Chega cedo na parada de ônibus e enfrenta quase três horas de congestionamento até chegar ao Plano Piloto. Só volta para casa depois das 18h.

Por dia, gasta, em média, R$ 30, entre bilhetes para o transporte e almoço. A refeição, às vezes, é paga por alguém que assiste ao show e se sensibiliza. O artista depende da simpatia de quem está nos carros da frente, na fila. O tempo para recolher as gorjetas é curto. Quando muito, os semáforos ficam fechados durante 2 minutos e meio. Certos dias, ele está na entrada do Parque da Cidade, de frente para o Sudoeste. Em outros, é visto nas avenidas W3 Sul e Norte ou nos lagos Sul e Norte. A escolha depende do dia e do humor. Lindomauro trabalha quase 12 horas diárias, com um pequeno descanso às 11h, para comer. ;Já contei mil embaixadinhas em uma hora, com pequenas pausas;, lembrou.

Mas não tente perguntar por ele nas ruas, caso queira encontrá-lo. Colegas o conhecem por Ian, o nome artístico. ;É mais fácil e mais bonito na hora de decorar;, justificou. O talento para o futebol faz com que há um ano Lindomauro sustente a mulher, Fernanda Alves, 32 anos, e os três filhos, Bruno Eduardo, 10, Mário Igor, 9, e Gleydson, 15.

Em meses de pouco movimento, as apresentações rendem, em média, R$ 800. Mas Lindomauro tem alergia a protetor solar. Por isso, tenta se prevenir contra os efeitos dos raios solares usando uma cartola azul, bordada com lantejoulas. Antes de se apresentar nas ruas, o equilibrista era artista de circo. Os pais trabalhavam como trapezistas, donos do modesto circo Real Mônica, batizado em homenagem a uma das irmãs de Lindomauro. Os avós dele iniciaram a tradição.

Irmãos não faltam na família, que é mineira. São 15, contando com o artista de rua, todos envolvidos com a arte circense. ;Nós nascemos no picadeiro. Desde bebê eu assistia às acrobacias;, disse ele. Por conta da rotina de espetáculos, os Silva viajavam muito. Assim, os filhos não conseguiam frequentar a escola. Lindomauro jamais entrou em um colégio para estudar. Aprendeu a ler e a escrever sozinho, tentando decifrar o que diziam os jornais e a Bíblia.

Mudança
Lindomauro não desejou aos três filhos uma sorte parecida com a dele. Para que os meninos pudessem estudar, ele abandonou o picadeiro. ;Artista de circo viaja demais. Quando eles chegaram na idade de aprender a ler e a escrever eu tive de tomar a decisão;, explicou. Desempregado, ele precisava ser inventivo para encontrar meios de custear a moradia e a alimentação da família.

Decidiu, então, somar duas paixões: o circo e o futebol. Corintiano desde pequeno, o equilibrista tentou ser jogador profissional. Fez alguns testes para o time do coração, mas o amor pelo trapézio falou mais alto e Lindomar ficou de vez com a rotina de acrobacias. Aos 15 anos, ele conheceu a mulher, Fernanda, durante um espetáculo apresentado em Pitarana (MG). Nunca mais se separaram. Ela não é do circo, mas apoia o companheiro. Tem orgulho do esforço do marido.

Lindomauro treinou durante um ano até conseguir, ao mesmo tempo, chutar a bola e se equilibrar em cima do cabo. Foram muitas quedas até o sucesso. Surgiram dores no joelho direito, por conta dos tombos. Mas nada impediria o artista de voltar a receber aplausos, ainda que fossem na rua e não no centro de um picadeiro. ;O que magoa não é quem não dá dinheiro. É quando fingem que a gente não existe, nem olham para o lado. Às vezes, o motorista abre o vidro e só diz: ;Você tem talento, vai em frente;. E eu ganho o dia;, disse.

Às vezes, as manobras dão errado. Certa vez, a bola usada por Lindomauro caiu entre os carros e estourou. Como forma de incentivo, ele ganhou outra de um motorista que o viu no semáforo ; o cabo de aço fica atado ao poste do sinal e a uma base metal com duas hastes. ;Outro dia a bola bateu no vidro de um bacana e ele brigou comigo. Mas eu fiz uma embaixadinha especial para ele e, no fim, ganhei até um trocado;, relatou.

Ele também recebeu de presente uma camisa oficial da Seleção Brasileira. ;Um cara parou no sinal e me entregou;. Lindomauro tem planos de participar de programas de televisão que premiam talentos inusitados. Quer se mostrar para todo o Brasil. Mas não tem dinheiro para correr atrás do que vai além do arroz e do feijão. Enquanto o dia no qual Lindomauro aparecerá na TV não chega, ele segue equilibrando sonhos e realidade, no vaivém dos semáforos de Brasília.

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