Antonio Temóteo, Renato Alves
postado em 12/06/2011 08:00
Controlando o transporte público da capital e ignorando a fiscalização e a legislação, os empresários do setor punem de todas as formas seu 1,2 milhão de clientes. Além de cobrarem a mais cara tarifa do país, submetem os passageiros a viagens em veículos velhos e inseguros. Dos quase 3 mil ônibus da frota, 45% têm mais de sete anos de uso, a idade limite permitida em lei. Muitos desses 1,3 mil coletivos continuam a rodar nas vias mesmo com 12 anos de fabricação. Os dados são do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), autarquia que deveria organizar e fiscalizar o sistema de transporte.Os empresários cometem tais abusos graças ao poder conquistado ao longo dos últimos 10 anos, devido à omissão do Estado e à camaradagem dos deputados distritais. Conforme vem mostrando o Correio desde sexta-feira, os permissionários inverteram a lógica e hoje controlam todas as informações do serviço que deveria ser gerenciado pelo governo. Os donos das empresas conquistaram até a emissão do vale-transporte e do passe estudantil. Dessa forma, monopolizam dados essenciais às discussões sobre aumento de salário dos rodoviários e de tarifas, como ocorre neste momento, com as paralisações parciais ocorridas desde segunda-feira.
O poder está concentrado em três conglomerados. Dez das 14 empresas que operam no DF pertencem aos grupos Planeta, Viplan e Amaral. As três têm dois terços dos 2.975 ônibus e das 980 linhas. O trio também controla o sistema de bilhetagem eletrônica, mais conhecido como Fácil ; o atual governo anunciou que iria assumir a emissão dos vales, mas até agora a medida não saiu do papel. Apesar de prestar um serviço precário, as empresas querem subir as passagens de R$ 3 para R$ 4,90, reajuste negado pelo GDF.
Nas raras vezes em que têm os ônibus velhos parados e notificados, os empresários ignoram a punição. E se mantêm à frente do mercado por falta de cobrança. De 2003 a 2010, os permissionários deixaram de pagar R$ 29 milhões em multas, conforme mostrou ontem o Correio. O DFTrans admite a falta de controle do serviço. Em função do seu desmantelamento, técnicos não conseguem obter informações como os valores devidos por cada empresa e se ela está ou não incluída na dívida ativa devido ao calote.
Insatisfação
Além de velhos, os veículos que circulam pelas vias do DF estão sucateados. Ontem, a reportagem encontrou ônibus com pneus carecas ou recapados, cadeiras sujas e rasgadas, encostos de braço destruídos, painéis enferrujados e extintores jogados atrás do banco dos motoristas. Essa realidade incomoda e põe em risco os usuários do sistema de transporte público. A estudante Leilane Andreza da Silva, 16 anos, faz coro aos milhões de brasilienses descontentes com o estado de conservação dos ônibus. A moradora de Planaltina avalia que a falta de manutenção deixou que os veículos chegassem ao atual estado. ;As cadeiras estão quebradas, os braços estão estragados e os estofados estão rasgados. O preço que pagamos pelo serviço não justifica essa realidade. O governo precisa tomar providências;, cobrou.
Quem também está descontente com o estado dos ônibus é a vendedora Claudia Rocha, 21 anos. Moradora de Samambaia, ela reclamou da sujeira que encontra diariamente nos veículos. ;Pago caro e não tenho um retorno. O estado de conservação dos ônibus é um terror. Está tudo quebrado e imundo. O governo precisa acabar com essa situação de descaso.; Um dos veículos flagrados ontem pela reportagem foi fabricado em 1997 e está prestes a completar 14 anos de uso.
Além de operar com veículos velhos, as empresas chegam ao ponto de praticar pirataria. No ano passado, 988 ônibus foram lacrados e multados por estarem rodando em linhas inventadas ou que pertenciam a outra empresa. A Viplan foi a campeã de fraudes, tendo rodado em pelo menos 15 linhas criadas por conta própria. O golpe ocorre desde 2007, quando o GDF anunciou uma renovação no sistema. A própria Polícia Civil acusa os gestores públicos de inchar o sistema com 975 ônibus sem licitação. Na última sexta-feira, a reportagem foi ao gabinete do secretário de Transportes, José Walter Vazquez, e ligou quatro vezes para a assessoria, mas ele não se pronunciou sobre a crise no sistema. Alegou agenda cheia.