As empresas responsáveis pelas permissões do transporte público no Distrito Federal mantêm um lucrativo negócio, apesar de tentarem convencer a população e o governo a respeito de prejuízos. A conclusão é de especialistas em economia e em transporte público ouvidos pelo Correio. Há 20 anos, o engenheiro Artur Morais, professor universitário e doutorando da Universidade de Brasília (UnB), estuda as mazelas do sistema de locomoção coletivo do DF. Nesse período, ele analisou as reclamações dos empresários e a qualidade do serviço. ;Eles podem ter tido perdas em algum momento, mas, durante 20 anos seguidos, é impossível. Qualquer empresa teria quebrado nessas condições;, avaliou.
No ano passado, os donos das linhas afirmaram ter 28% de deficit em caixa. Em 2011, a exigência passou a ser de 62% de reequilíbrio econômico e financeiro (o aumento de repasses do governo para subsidiar o prejuízo). Os problemas ocorreram, segundo o Sindicato das Empresas, porque, entre outras razões, houve redução na jornada de trabalho dos rodoviários, falta de incidência dos índices da inflação sobre as tarifas nos últimos cinco anos e diminuição no repasse do Passe Estudantil. Isso tudo, alegam os empresários, implicaria no aumento das passagens. A mais cara custa hoje R$ 3. Os patrões queriam aumentá-la para R$ 4,90.
Além de manter os valores dos tíquetes, o GDF garantiu no último domingo o aumento de 8% nos salários de motoristas e de cobradores. Evitou, assim, a greve anunciada para esta semana. A verba virá de recursos do Passe Livre. ;Foi uma negociação na qual, pela primeira vez, o usuário do transporte estava em primeiro lugar. Já é um passo importante para a nossa população, que não tem outra alternativa;, disse o governador do DF, Agnelo Queiroz. Para concretizar o acordo, porém, será preciso aprovar um projeto de lei na Câmara Legislativa, aumentando o repasse de R$ 2 milhões para R$ 9 milhões no Passe Livre.
Mas, segundo o professor Morais, o grande problema no setor é que os empresários guardam os dados de faturamento a sete chaves. ;Ninguém conhece exatamente a situação do caixa, só os donos. Não há informação pública sobre a verdadeira arrecadação. Mas não creio nesse prejuízo direto. Se fosse tão ruim assim, os empresários já teriam mudado de ramo;, afirmou o especialista em transporte público.
O economista Adolfo Sachsida, educador da Universidade Católica de Brasília (UCB), classificou a falta de lucro alegada pelos detentores das permissões como ;pouco provável;. ;Contabilmente, o negócio pode não dar lucro, mas isso não quer dizer que não esteja entrando dinheiro;, afirmou (leia Palavra de especialista).
Lucro
A atual gestão da Secretaria de Transportes admite: enquanto a bilhetagem eletrônica emitida pela Fácil não estiver nas mãos do governo, será impossível saber se há perdas ou ganhos (leia matéria abaixo). ;Não temos uma base de dados sólida para avaliar os números. Mas posso dizer que é muito difícil uma empresa operar por todo esse tempo com defasagem;, afirmou o secretário de Transportes, José Walter Vazquez.
Enquanto as concessionárias das permissões alegam ganhar pouco dinheiro, um levantamento do governo anterior apontou que elas trabalhavam com lucros de 3,11%. Ainda assim, o Sindicato das Empresas, por meio da assessoria de imprensa, alegou que os dados divulgados na gestão passada são fraudulentos.
Informações transparentes circulando entre empresas e o governo são necessárias para evitar as paralisações que ocorrem todo ano e prejudicam a população do DF ; por conta das greves, passageiros lotam as paradas e resta como alternativa o transporte pirata. Os empresários se protegem por meio da alegação de falta de lucro para não renovar a frota. Segundo o órgão responsável pela fiscalização, o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), pelo menos 45% dos ônibus em circulação têm mais de sete anos ; tempo limite para garantir a segurança.
Há mais de 10 anos, não ocorrem licitações no transporte público. Desde os anos de 2000, as mesmas empresas detêm o comando das linhas mais rentáveis em Brasília. Em 6 de junho, a Secretaria de Transportes publicou edital para a concorrência pública de 1,2 mil ônibus, que devem substituir os veículos sucateados em circulação (com mais de sete anos de uso). O pleito previsto para o próximo mês é de livre concorrência. Deve ocorrer em 26 de julho.
População prejudicada
;É possível que as empresas tenham prejuízos, mas não é nem um pouco provável. É preciso cuidado para interpretar as planilhas. Algumas despesas citadas nessas listas não implicam em desembolsos imediatos. Contabilmente, o negócio pode não dar lucro, mas isso não quer dizer que não esteja entrando dinheiro. Por exemplo: a empresa separa uma quantidade de dinheiro para o salário dos funcionários, outra para o abastecimento e um número ;x; para a depreciação, que é uma quantia guardada para, hipoteticamente, trocar a frota sucateada em cinco anos. Se não entra dinheiro suficiente para guardar, eles chamam de prejuízo. Mas, na verdade não se perdeu, somente deixou de ganhar. Com isso, todos saem prejudicados: a população, porque anda em ônibus sucateados, e os empresários, que mantêm uma frota problemática.;
Adolfo Sachsida, economista e professor de economia da Universidade Católica de Brasília (UCB)